A Sombra do Vento, de Carlos Ruiz Zafón | Resenha
‘A Sombra do Vento’: se cruzar pelo seu caminho, leia
Sabe quantos universos estão escondidos em uma biblioteca? Inúmeros. São tantos que, infelizmente, nós nunca conseguiremos ler todos. São tantas opções… Alguns livros, no entanto, têm a sorte de serem escolhidos ou, talvez, os sortudos sejamos nós, leitores, que temos o prazer de nos deparar com uma obra inesquecível. Coincidência? Ou será que estávamos predestinados a lê-lo? Assim como Daniel Sempere, protagonista de A Sombra do Vento, eu, que também me chamo Daniel, conheci o livro quase por acaso. Em uma conversa, minha amiga Erika (a mesma que me presenteou como a biografia de Steve Jobs) me recomendou A Sombra do Vento, de Carlos Ruiz Zafón, e disse que me emprestaria seu exemplar. Mesmo sem saber muito sobre o livro, topei a leitura. Às vezes, gosto de ser levado ao acaso.
Sei que A Sombra do Vento não é uma publicação nova, foi lançada pela Suma de Letras, em 2007. Mas não faz mal. Um bom livro sempre merece ser lembrado, independente da época. Além disso, quem falou que um livro tem prazo de validade? Enfim, vamos à narrativa. Vamos viajar para a Barcelona de 1945.
Na madrugada em que Daniel Sempere completa 11 anos, seu pai decide levá-lo para conhecer um lugar especial, pouco conhecido, no coração do centro histórico da cidade: o Cemitério dos Livros Esquecidos. O lugar é uma biblioteca secreta que funciona como depósito para obras abandonadas pelo mundo. Lá, Daniel tem a possibilidade de escolher um livro e, depois de andar por aquele universo repleto de histórias, decide escolher o título “A Sombra do Vento”, do barcelonês Julián Carax. Após a leitura, o menino fica completamente fascinado pela obra e decide ir em busca de outras publicações do autor que, para a sua surpresa, são raras. Além de poucas informações sobre Carax, Daniel descobre que alguém vem queimando sistematicamente todos os exemplares de todos os livros que o autor já escreveu. Intrigado, ele mesmo começa uma investigação para desvendar a história de Julián Carax.
A Sombra do Vento é uma literatura que, em certos momentos, esbarra em um vocabulário pouco usual. Não chega a ser algo impossível de ler, mas, vez ou outra, tive que recorrer ao dicionário. Ação que, confesso, me incomoda um pouco e, até mesmo, me desestimula – por puro comodismo, eu sei, mas talvez seja um trauma da época de escola, quando me empurravam goela baixo clássicos que eu não entendia uma dúzia de palavras e abandonava a leitura. Porém, surpreendentemente, no livro do Zafón este desânimo não aconteceu. A narrativa é tão envolvente que, na primeira parte, O Cemitério dos Livros Esquecidos, já estava completamente fascinado pela trama. Um começo arrebatador que me fez querer absorver cada palavra escrita e que acabou gerando problemas ao longo da leitura. Ignorância minha, eu sei, mas não consegui compreender parte das referências da cultura espanhola da época presentes no livro. Por outro lado, tudo era tão interessante que fiz um esforço e pude mergulhar mais neste contexto (santo Google, que me salvou na carência de notas de rodapé!).
Além das referências culturais, o contexto histórico é bem construído e serve como um instigante cenário para acompanharmos o crescimento de Daniel Sempere, nas transições do final da adolescência e nas investigações sobre a história do enigmático escritor Julián Carax. Por ser narrado em duas épocas distintas, Barcelona de quando Carax era jovem e outra, com Daniel, o leitor é contemplado por dois diferentes momentos da história espanhola, culminando na ditadura. Não é uma trama política, mas que reflete o autoritarismo e violência que assolou o país.
A maior parte de A Sombra do Vento é narrada sob a perspectiva de Daniel, porém, em outros momentos, quem dá voz à narrativa são as pessoas que conheceram Júlian Carax e, através de relatos, ajudam a construir o passado do autor. Estas conversas foram o que mais me chamaram atenção na trama, pois apresentam diferentes visões sobre um fato. Ao mesmo tempo em que as informações se completam, elas também se contradizem e alguns personagens mudam totalmente de personalidade, dependendo da versão. Isso é fascinante! Como um reflexo da vida, as histórias das pessoas mudam de acordo com o narrador, assim como a sequência dos fatos. As lembranças que constituem a memória de um podem não ser as mesmas do outro.
Durante todo o livro, assim como Daniel Sempere, o leitor se transforma em um detetive, buscando desvendar aqueles mistérios. A cada página, é possível ficar mais imerso na narrativa e, quando se pensa que já mergulhou o suficiente, no fim do capítulo 35, vem a surpresa com uma revelação bombástica. Aí, adeus vida social. Não dá mais para desgrudar da obra de Carlos Ruiz Zafón, que conseguiu de modo exemplar mesclar drama, suspense, romance e investigação.
A Sombra do Vento mostra de maneira envolvente como uma escolha, ao acaso, pode mudar a vida de um menino, colaborar na construção da sua essência. Uma história em meio a tantas outras que parecia esquecida, mas que renasce aos olhos do leitor e resgata todo um mundo de encantamento. A obra de Zafón, de certa forma, reflete a magia dos livros e a curiosidade em torno daquele que os escreve. Mais do que isso, ela fala da lembrança e do esquecimento. Das memórias que se exaurem com o tempo e daquelas que são apagadas propositalmente. Sem dúvidas, um livro arrebatador, fantástico e inesquecível. Por isso, se um exemplar de A Sombra do Vento chegar a suas mãos, leia.
P.S.: eu gostei tanto do livro, que comprei uma versão digital para mim!
O livro A Sombra do Vento faz parte de uma trilogia já lançada por Carlos Ruiz Zafón que pode ser lida em qualquer ordem, sem que seja um empecilho para o entendimento da obra. Eu ainda não tive oportunidade de ler os outros volumes (O Jogo do Anjo e O Prisioneiro do Céu), mas já os incluí na minha lista.
Saiba onde comprar:
Amazon – Fnac – Livraria Cultura – Livraria Travessa – Saraiva – Submarino