Criatividade S.A., de Ed Catmull | Resenha
‘Criatividade S.A.’: um livro inspirador
Pixar. Quando alguém cita este nome, uma série de lembranças alegres é acionada em nossas mentes, contendo tramas emocionantes e personagens inesquecíveis. Aqui não tem muito espaço para a tristeza, quer dizer, às vezes, ela até assume o controle – como na morte da esposa do velhinho Carl, em Up – Altas Aventuras (2009) –, mas logo ela vai embora e somos contemplados por narrativas inspiradoras que preenchem a nossa vida com amizade, amor e superação. A Pixar é uma máquina de fabricar histórias, dando vida aos brinquedos e transformando monstros em criaturas amigáveis. Uma empresa referência em filmes de animação por computação gráfica, onde se valoriza a cultura organizacional criativa. Esse é o ideal apontado por Ed Catmull, presidente da Pixar e da Disney Animation, como sendo fundamental para o sucesso da companhia. Mas, afinal, o que seria esta cultura e como ela foi elaborada? Bem, Catmull, em parceria com a jornalista Amy Wallace, desenvolveu o tema na brilhante obra Criatividade S.A., publicado no Brasil pela editora Rocco. Um livro de negócios que vai além do mundo empresarial. Um verdadeiro guia para todos que desejam exercitar a criatividade.
A obra de Ed Catmull é muito bem estruturada e obedece, em grande parte, uma ordem cronológica. Criatividade S.A. é dividido em quatro partes, além da introdução, de uma homenagem póstuma a Steve Jobs e de uma lista dos princípios abordados no livro (tópicos que merecem ser lidos e, posteriormente, relidos. Se puder, destaque estes ensinamentos. Eles são de grande valia!).
A primeira parte do livro retrata o começo da carreira de Catmull, das suas ambições como cientista da computação gráfica – incluindo o sonho de fazer o primeiro longa-metragem animado por computador – até o surgimento da Pixar. Em seguida, o autor explora alguns tópicos que servem de alicerces para a cultura organizacional criativa. No terceiro módulo, ele expõe certos métodos específicos para evitar que visões díspares possam prejudicar a colaboração e, por fim, põe à prova todo o conhecimento adquirido ao implantar na Disney Animation o modelo gerencial elaborado na Pixar.
Como qualquer livro de negócios, Criatividade S.A. é teórico. Ele desenvolve certos argumentos e, depois, apresenta cases para comprovar o método. No entanto, não é tão “didático” como uma publicação acadêmica. Catmull trouxe um pouco da evolução da sua carreira e da solidificação da Pixar para tecer uma narrativa, tornando-a algo muito mais agradável de ser lida. Em alguns momentos, parece até uma biografia, o que também não deixa de ser. Para quem gosta de cinema (ou é fã da Pixar), a apresentação dos cases é fantástica, pois traz inúmeras curiosidades sobre a elaboração dos roteiros, alguns deles, por exemplo, são completamente diferentes dos originais. Me diverti muito nestas partes do livro, confesso.
Um dos pontos altos do livro é a abordagem dos temas mudança, erros e aleatoriedade. Não vou me alongar nestes tópicos, pois acredito que é função da obra explicar e desenvolver estes assuntos. Porém, é legal observar como o raciocínio de Ed Catmull vai se transformando ao longo da narrativa e, consequentemente, dos anos. Algumas vezes, inclusive, ele volta atrás assumindo o erro de uma ideia equivocada e a reformula. Mais do que mudar de opinião, o autor aponta as razões que justificaram tal atitude, confrontando diferentes pensamentos. Criatividade S.A. não tem aquelas fórmulas mágicas para o sucesso – típicas da literatura para negócios – e também não tenta convencer o leitor de que tudo vai dar certo seguindo apenas aqueles passos. Sem dúvidas, esta abordagem é o grande mérito da publicação.
“Ideias vêm de pessoas. Portanto, elas são mais importantes que as ideias.”
O lado humano exaltado em Criatividade S.A. é outro fator-chave da obra. A importância do bem-estar dos colaboradores é destacado como primordial para manter saudável o desenvolvimento inovador da empresa, e é interessante observar como esta força motriz da cultura organizacional criativa está refletida no livro. Em um dado momento, o autor expõe diversos modelos e pensamentos de funcionários da Pixar (diretores e produtores) que não necessariamente coincidem com a sua opinião. O que vale, como apresenta na publicação, é o debate de ideias. Neste ponto, Catmull deixa livre para o leitor se posicionar, apesar de contra-argumentar.
Durante o capítulo 10, “Ampliando nossa visão”, ocorre uma quebra no texto para a inclusão de imagens, uma série de fotografias que mostram momentos marcantes e descontraídos da história da Pixar. Uma intervenção válida, no entanto, ela acontece no meio de um raciocínio. Isso me incomodou um pouco. Porém, ao procurar em outros livros, constatei que esta prática é comum. Se alguém puder me explicar, sinta-se à vontade para argumentar nos comentários (eu realmente quero saber!).
Além deste corte abrupto no texto, algo que achei dispensável foi o extensivo capítulo destinado a Steve Jobs. Sei da importância do empresário para a Pixar, afinal, sem ele, nem a companhia nem Toy Story existiriam. Mas Catmull poderia ter dito apenas quanto era agradecido por ter trabalhado com Jobs e de como ele foi fundamental para o sucesso da Pixar. O trecho em que ele dá “leves” alfinetadas no livro Steve Jobs por Walter Isaacson – uma biografia incrível, na minha opinião – foi totalmente descabível. Ed Catmull tratou Steve como injustiçado e tentou empurrar para o leitor a faceta “bom moço”do criador da Apple. Por mais genial que fosse, Job, segundo diversos relatos, era bem difícil de se lidar e uma boa biografia não pode omitir estes detalhes.
Catmull acabou caindo no erro de desenhar um modelo de personalidade única (dita como verdadeira) e, por mais compreensível que fosse sua postura – afinal, ele era amigo de Jobs -, este posicionamento não condiz com a proposta do livro analisado aqui. Se Ed discordou da abordagem da biografia autorizada de Steve Jobs, poderia ter escolhido outro momento para questionar a publicação. Apesar do equívoco, este deslize não ofusca a qualidade de Criatividade S.A., que é altíssima.
Apesar de ser uma publicação de negócios, voltada principalmente para empresas que utilizam o trabalho criativo, o livro é recomendável para todos (algo inusitado para o gênero literário e, por isso, a obra é única). Criatividade S.A. não fala apenas sobre como funciona uma cultura organizacional criativa. Ele vai além e mostra ao leitor que, quebrando as barreiras de comunicação e intensificando o coletivo, a qualidade de produção aumenta. O livro é motivante. Induz um desejo constante de mudança. Exalta o indivíduo. Faz você perceber que um erro nem sempre é algo totalmente ruim. Enfim, inspirador.
“O futuro não está feito e devemos criá-los.”
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