Bienal 2015: Eduardo Spohr e Braulio Tavares dão aula sobre literatura fantástica
Em encontro com os leitores na Bienal do Livro 2015, os escritores Eduardo Spohr e Braulio Tavares fazem um balanço sobre a literatura fantástica no país
Os destaques da Bienal do Livro 2015 não ficaram restritos apenas às participações de autores internacionais. Neste ano, os escritores nacionais também fizeram bonito e mostraram que a literatura brasileira tem muitos talentos e grandes obras para todos os gostos. Depois de Carina Rissi e Isabela Freitas encararem plateias lotadas de fãs para bate papos, durante o evento, Eduardo Sporh e Braulio Tavares deram uma verdadeira aula sobre literatura fantástica, em encontro realizado no espaço Cubovoxes, na última quinta-feira (10). Para um público predominantemente jovem e muito concentrado, eles falaram sobre o momento atual do gênero, discorreram sobre os desafios de ser escrever para esse tipo de leitor, tentando sempre ser original, e comentaram a situação do mercado editorial brasileiro.
“Há várias subdivisões atuais na literatura fantástica”, explicou Braulio, autor de Sete Monstros Brasileiros e Freud e o Estranho, publicados pela Casa da Palavra. “Eu diria que o autor interessante é aquele que, quando você lê o primeiro livro, pensa que ele criou uma subdivisão nova que, se ele souber explorar, vai longe. Cada autor traz uma fórmula nova para o mundo e vai se comunicando com o seu público. Ele começa a crescer, e outros autores vão escrevendo dentro da praia que ele criou. Você é original a partir do momento em que você pega coisas pessoais, porque isso pode contribuir muito para a sua escrita. A gente tem um mercado grande para a literatura fantástica, mas o mercado brasileiro é grande e cheio da literatura fantástica do mundo. Nós, autores nacionais, temos que concorrer com esse pessoal. Estamos ao lado de nomes como Tolkien, George R.R. Martin e Stephen King. É com eles que concorremos, mas isso é legal porque temos que ser tão bons quanto eles. Temos obrigação, sim, de fazer uma boa literatura, independente de ser um país rico ou pobre, grande ou pequeno. Nós temos é que colocar experiências pessoais e, depois, a história do mundo que você conhece. A visão de cada um é diferente, e é a visão pessoal de cada autor que o público espera”.
Spohr ratificou a opinião do colega e ressaltou que o importante é ser tolerante sobre o próximo e ter a mente aberta. Para o autor de A Batalha do Apocalipse e da trilogia Filhos do Éden, cujo terceiro e último volume, Paraíso Perdido, será lançando em outubro, todos publicados pela editora Verus, o escritor de literatura fantástica deve aceitar a sua obra como ficção e trabalhar em cima disso, ainda que seja baseada numa realidade próxima ao autor. Braulio, por sua vez, também afirmou que é fundamental que o escritor tenha curiosidade, que faça pesquisas e queira se aprofundar em todos os assuntos. Para ele, tomar a iniciativa para estudar as mais variadas questões é o primeiro passo para se adquirir ideias para uma história.
“As viagens que eu fiz me ajudaram a abrir a mente”, declarou Spohr. “Você fica mais tolerante em relação ao mundo e às pessoas. Isso me ajudou, por exemplo, a olhar todas as religiões sob outro aspecto, como alguém de fora, mas com a mesma fascinação, sem preconceitos. Você ter uma visão tolerante sobre o próximo é importante para ser um escritor. Como escrever sobre um vilão sem entendê-lo? O escritor é um observador do mundo. Eu sempre assumo de cara que as minhas tramas são ficções. A partir do momento em que você encara o livro como fantasia, você aceita. Isso é o bacana da ficção. Ela faz uma metáfora do nosso mundo. Você pode olhar aquilo e se identificar, de acordo com a sua realidade. Nesse sentido, todas as religiões são importantes. Não é que isso tudo exista, mas aquelas forças estão lá, perto de você. O principal é o que tudo aquilo significa. É isso que eu tento colocar, trabalhar”.
Por falar em ficção, Spohr anunciou o lançamento de um guia ilustrado para 2016, após a conclusão de sua trilogia. De acordo com ele, a obra será uma espécie de enciclopédia visual, explorando o universo criado por ele. E, no que diz respeito à criação de novos mundos, Braulio e Spohr concordaram que, ao escrever sobre ambientes inexistentes ou desconhecidos, há mais dificuldade e um cuidado maior com os detalhes. Por outro lado, eles ressaltaram que, ao se trabalhar com a realidade, também é necessário ser verdadeiro.
“Quando você inventa uma cidade que não existe, fica naquela obrigação de pensar em coisas demais”, apontou Braulio. “Então, você começa a inventar tanto detalhe que precisa de muitas páginas de pesquisa. É por isso que a fantasia e a ficção gostam tanto do que chamamos de universo de imersão, porque é aí que você vai usar toda a pesquisa. Se o escritor é criterioso, tem que criar uma cidade onde as coisas batam umas com as outras. Tudo tem que ser pensado”.
Sobre as dificuldades de ser um escritor no Brasil e as perspectivas para o mercado editorial brasileiro, ambos foram enfáticos ao citar como um dos principais problemas a formação de leitores no país, seja pela educação ou pelas condições oferecidas pelo próprio setor. Braulio considerou o mercado nacional “estrangulado”, uma vez que a maioria das editoras está concentrada no eixo Rio-São Paulo. Apesar de afirmar que a situação, aos poucos, caminha para uma nova realidade, ele também foi taxativo ao incitar mudanças no comportamento do leitor brasileiro que, segundo ele, encontra no (alto) preço dos livros um forte obstáculo para o estímulo ao hábito de ler. Já Spohr conclamou pela educação para que haja variedade entre os leitores do país.
“O público que lê, de fato, está lendo mais livros, mas a questão é que grande parte da população não tem capacidade de ler ou comprar”, indicou Spohr. “A quantidade de gente lendo cresceu, mas dentro desse nicho de pessoas que têm recursos e acesso aos livros. Você tem que investir na educação para que mais pessoas consigam ler e consumam mais livros. Na escola, por exemplo, você pode ler os clássicos, mas tem que ser orientado para a idade. A escola também precisa orientar. O problema não é o clássico, mas o livro estar de acordo com a faixa etária para a criança entender. O livro essencial é aquele que você gosta. Aquele que você quer ler na hora do seu lazer”.
Em relação ao processo de escrita, quando perguntados sobre a influência do RPG (o jogo de representação) em suas narrativas, tanto Spohr quanto Braulio exaltaram a capacidade de a atividade estimular a criação improvisada, dando ao escritor a habilidade de criar conflitos, situações, compor um personagem e ambientes variados, bem como ter noções de coerência. E, falando sobre interação, eles também concordaram que a internet ajudou a aproximar os leitores dos escritores, tornando os textos mais acessíveis. Spohr classificou esse momento do mercado editorial com a tecnologia uma “revolução cultural e literária assombrosa” e frisou que é “muito importante os leitores ganharem voz”. Para aqueles que desejam iniciar a carreira de escritores nesse gênero, Braulio atestou que o momento é positivo para quem pensa em iniciar a carreira como escritor de fantasia heroica, mais até do que a fantasia urbana e de ficção científica. E os dois também foram firmes ao aconselhar os presentes e futuros autores a escreverem o que lhes interessar, porém, sem deixar de ler títulos de outros temas.
“Se você quer escrever fantasia, escreva, mas não leia só fantasia”, sugeriu Braulio. “Leia tudo. Não leia só o que você escreve. Se você lê também poesia, por exemplo, aprende a valorizar a sonoridade da palavra. E isso influencia o leitor, mesmo sem ele saber. Se você lê o dia inteiro autores que têm um trato melhor com a palavra, você sente quando alguém não trata. E anote os seus sonhos! É um conselho que eu dou para quem escreve. Sonho é importantíssimo. Eu anoto os meus sonhos há 35 anos. Grande parte dos meus contos nasceu de ideias que foram sonhadas. Mas eu não copio o sonho. Eu uso a ideia da fantasia que eu sonhei para escrever com sentimento”.
“Eu penso em escrever a história que está no meu coração”, completou Spohr. “E a dica para o mercado é tentar e não depender de ninguém. Se você não conseguir uma editora, continue tentando. E, caso não dê certo, se autopublique”.
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