Reflexões Literárias

Reacendendo a chama da escrita

Por Thiago d’Evecque*

Às vezes, perdemos completamente o interesse no livro que estamos escrevendo. Todos temos responsabilidades e, de vez em quando, a vida nos impede de escrever. O tempo passa. Aquele livro que antes estávamos tão empolgados para escrever agora jaz abandonado em uma pasta escondida, acumulando poeira virtual. Em vez de largarmos o projeto, nos sentimos culpados por termos desistido. No fundo, a gente sabe que o livro seria ótimo se pudesse ser escrito sozinho, sem esforço. Não conseguimos mais retomar de onde paramos.

Acabamos presos em um vórtice onde não é possível seguir em frente e nem retornar.

Todo mundo que pensa em escrever um livro provavelmente já passou por isso. Qual a solução?

Reacender a chama da sua história. Reencontrar a motivação, a paixão que o levou a começar o projeto abandonado.

Vamos precisar de apenas dez minutos sem interrupções, então, jogue o celular pela janela ou o coloque no modo avião, se você não gosta de atitudes dramáticas. Fique sozinho, feche a porta, desligue a internet, enfim, garanta apenas esses dez minutos consecutivos só pra você.

Pegue papel e lápis:

1) O primeiro passo é ficar calmo. Respire fundo, coma um chocolate e prepare-se para refletir honestamente sobre o seu projeto abandonado.

2) Pense no seu livro. Lembre-se da ideia original e, caso já tenha começado, do que escreveu até agora. Por que começou a escrevê-lo? O que você queria conseguir quando começou a cultivar a ideia? O que queria mostrar? O que esse livro significa pra você? Escreva tudo o que vier à cabeça, sem filtrar nenhuma resposta.

3) Pense na sua ideia favorita de toda a história. Qual parte, momento, conceito, tema, personagem ou elemento que mais gosta desse livro? Se pudesse escrever somente uma cena, qual seria? Anote tudo em que pensar. Não julgue nenhuma ideia. Pode ser o que você quiser. Talvez, seja uma parte em que a protagonista se transforma em uma valquíria e mete a porrada em todo mundo. Ou você bolou uma Terra pós-apocalíptica que adoraria desenvolver mais. Ou um sistema de magia que coloca D&D no chinelo. Ou um vilão que é uma mistura de Goku, Gêngis Cã e Cersei Lannister. Ou uma guerra entre dez exércitos, com samurais, espíritos vingativos, amazonas, elfos, sapos humanóides, soldados da guerra do Vietnã, necromantes, legiões romanas, pokémons e astros do rock. Ou…

Podem ser vários elementos ou apenas um, não importa. Pense com calma e sinceridade sobre o que mais te empolga nessa história e anote.

4) Por último, pegue suas anotações e volte a trabalhar na história com a intenção de dar ênfase aos seus elementos favoritos. Essa é a chama. São as coisas que inspiraram você a começar a escrever. São as partes que tornaram a tarefa divertida, que fizeram nascer em você a vontade e o prazer de contar histórias.

Escrever deve ser uma atividade divertida. Se não for, você está fazendo algo errado.

Escreva o que gosta, o que te deixa ansioso por mais. Escreva sobre o que te faz viajar na cama quando deita e é a primeira coisa que pensa quando acorda. Você vai gastar um bom tempo da sua vida com esse projeto, talvez, já tenha gastado bastante, e não faz sentido desperdiçar momentos preciosos com algo que detesta. Concentre-se nos seus elementos favoritos.

Pense em quantas pessoas gostam desses mesmos elementos que você. Pense no quanto elas gostariam de ler essas mesmas coisas que te empolgam. Só você pode dar isso a elas.

Anotei um monte de ideias, mas não dá pra escrever um livro sobre isso!

Quem disse? Claro que dá! Se estiver pensando que as pessoas não vão se interessar por suas ideias loucas, pense de novo. Você não tem controle nenhum sobre como os leitores vão receber a sua obra, então, pare de tentar adivinhar a reação das pessoas.

A sua ideia não é divertida o bastante para te fazer escrever? Você, com certeza, leria um livro sobre ela, não leria? Pois então, inúmeras outras pessoas pensam do mesmo jeito.

Se essa foi a razão que o levou a abandonar a história, por favor, por você e por todos os seus futuros leitores, volte a escrever. Não vale a pena alterar todas as suas ideias tentando, inutilmente, adivinhar o gosto do público. Sua prioridade não pode ser o que as pessoas vão pensar do seu trabalho, porque isso está fora do seu alcance. Sua prioridade é divertir-se com sua história e tentar escrever o melhor livro possível. Só.

Ninguém supervisiona quais ideias podem ser escritas ou não. Não existe nenhuma Gestapo da Escrita, ditando ordens sobre o que você pode ou não escrever. O livro é seu. Tome as rédeas e divirta-se.

Livre-se do que te cansa, te aborrece, te irrita — a escrita é o seu escape, sua diversão. Leve com você apenas o que vale a pena.

Não importa se você abandonou a sua história há uma semana ou um ano, volte para ela. Pode não ser fácil, mas é possível. Não se arrependa nem se atormente pensando no que poderia ter sido.

Retorne e aproveite cada segundo, cada palavra, cada página.

 

* Thiago d’Evecque é escritor, jornalista e carioca. Movido a café, escreve sobre literatura, games, séries, vida, universo e tudo mais no site Pequenos Deuses. Seu primeiro livro, “Limbo“, é uma grande homenagem às influências que o marcaram. Thiago misturou elementos e referências de videogames, RPGs, HQs, animes, mangás, filmes, séries e livros. De Lovecraft a Final Fantasy, “Limbo” está repleto de menções e pequenos tributos à cultura nerd.

Um comentário

  • Thiago Mendonca

    Haha, eu com certeza leria uma historia de uma guerra entre 10 exercitos onde Pokemons tivessem uma parcela boa na batalha… Onde eu compro?
    Excelente texto e a motivacao que ele entrega me agrada demais.
    Vamos escrever.

Deixe uma resposta

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *