Os Bons Segredos, de Sarah Dessen|Resenha
‘Os Bons Segredos’: Sarah Dessen nos presenteia com um relato emocionante sobre o ser humano, seus medos, incertezas e principalmente sua capacidade de superação
Assumir o controle da nossa própria vida não é das tarefas mais fáceis. Muitas pessoas têm receio e se sentem inseguras com o papel de protagonista, principalmente quando alguns coadjuvantes conseguem ser mais influentes. Ser “invisível”, ou apenas um(a) mero observador(a), às vezes, é mais cômodo. Mas será que é o suficiente? Por mais assustador que seja tomar as rédeas e se arriscar, correr atrás do que se quer – ainda que tenha que superar inúmeros obstáculos – e finalmente se colocar na primeira fila é a maior realização e experiência que alguém pode ter. E Sarah Dessen nos presenteia com um relato emocionante de amadurecimento em Os Bons Segredos, publicado pela editora Seguinte, o selo jovem da Companhia das Letras.
A trama acompanha a vida de Sydney, uma jovem cuja convivência com os pais nunca foi das mais tranquilas, uma vez que eles só tinham olhos e atenção para o seu irmão mais velho “quase perfeito”, Peyton. Até que a vida da família praticamente exemplar tem uma reviravolta após Peyton, que já havia deixado de ser um bom rapaz, causar um acidente que deixou um garoto paraplégico. Sydney, para variar, parecia ser a única capaz de responsabilizar o irmão pelo ocorrido, ao contrário dos pais que, mais uma vez, tentavam colocar o filho no papel de vítima. Até que, quando a situação em casa ficou insustentável, a garota resolveu que precisava de uma mudança. Ao entrar numa pizzaria, totalmente por acaso, ela não poderia imaginar que ali, de fato, tudo iria mudar, após conhecer Layla, a filha do dono do restaurante, e sua família. Além de finalmente conseguir se abrir e confiar em outras pessoas, Sydney descobriria não só os prazeres simples da vida – como entregar pizzas, por exemplo – , mas, acima de tudo, a si mesma.
Eu nunca havia lido nada da autora, mas já tinha ouvido falar de Os Bons Segredos. Confesso que a sinopse não é daquelas que fazem a gente correr para ler a obra, mas gerou o meu interesse e, pelo menos para mim, que não conhecia outros livros de Sarah Dessen, isso foi algo bom, na verdade. Porque fui totalmente surpreendida com a leitura. Muito. Tanto que Os Bons Segredos entrou na minha lista dos melhores de 2015. É impressionante a capacidade da escritora de envolver o leitor e, mais do que isso, de abordar com tamanha naturalidade situações e temas tão delicados. A narrativa de Sarah é de uma sensibilidade única, chegando a me emocionar em várias partes. Afinal, quem nunca se sentiu como Sydney uma vez na vida? Uma mera espectadora, sem qualquer tipo de perspectiva ou espaço?
Por falar em Sydney, a protagonista é fantástica. Como qualquer adolescente, ela passa por aquela fase de transição, cheia de dúvidas, medos e incertezas. O problema, no entanto, é que ela não tem a chance de realmente VIVER tudo isso, como uma jovem normal. Ela não pode simplesmente se dar ao luxo de se preocupar apenas com ela mesma, porque, como seus próprios pais não o fazem, por que ela faria? Ainda mais quando seu irmão foi responsável por algo tão terrível que mudou não apenas a vida do garoto vítima da sua negligência, mas de toda a família. Tudo parece girar em torno do acidente causado por Peyton e as consequências disso. E apenas Sydney é capaz de enxergar a gravidade da situação e, de fato, se culpar pelo que aconteceu, mesmo não tendo absolutamente culpa nenhuma na história. E, com isso, ela acaba abrindo mão da própria vida e da sua própria felicidade por achar que não tem direito a elas, uma vez que um garoto de 15 anos nunca mais poderá andar por causa de seu irmão – algo que seus pais parecem não ter consciência. É admirável a forma como ela assume as responsabilidades da família, o que nos causa empatia imediata pela personagem. Como não se solidarizar com ela e sua situação absurda? Mais do que isso, Sydney, em nenhum momento, nos causa aquela sensação incômoda de autopiedade. Ela assume a culpa que acha que tem que assumir e pronto. E nós, leitores, entendemos perfeitamente a sua decisão. E nos envolvemos com sua história, torcendo por ela. Tanto que, logo nas primeiras páginas, já queria ser sua amiga e ajudá-la a passar por tudo aquilo.
Ainda que pareça uma trama densa, a narrativa de Sarah é leve e flui normalmente, pois é impossível querer largar a história sem saber até onde pode chegar a condescendência dos pais de Sydney e a sua capacidade de superação. Até que conhecemos a família Chatham. E, se você, por um acaso, ainda não havia sido fisgado(a) pela leitura, agora, o(a) desafio a abandonar qualquer página. Os Chatham são aqueles personagens de identificação total e carinho espontâneo. Todos, sem exceção. Layla, o Sr. e a Sra. Chatham e, claro, Mac. Até mesmo Rosie, a filha mais velha. É quando Sydney conhece Layla, a filha caçula da família, que a trama ganha um novo ritmo e preenche o nosso coração. São eles, mesmo com todos os seus problemas – e olha que não são poucos, mas não irei me estender para não dar spoiler -, que lhe mostram um outro lado da vida, mais doce, divertido e amoroso. Mesmo não sendo ricos como a família de Sydney, os Chatham apresentam a ela aquelas coisas que dinheiro nenhum pode comprar. Eles são a representação do significado de família, amizade, amor e afeto, algo que Sydney quase desconhece e, ao ser recebida de braços abertos por todos, se agarra quase que desesperadamente. É lindo não apenas acompanhar a rotina dessas pessoas (sim, porque, com a descrição de Sarah Dessen e sua escrita detalhista, você praticamente enxerga aqueles personagens como pessoas “reais”) e como elas superam juntas todas as dificuldades, mas também o desenvolvimento e crescimento de Sydney. Conviver com os Chatham foi a melhor coisa que poderia ter lhe acontecido. É praticamente um desabrochar. Com eles, Sydney percebe que a vida, apesar de tudo, pode ser leve, estimulante e alegre. Que ela mesma pode tomar as suas próprias decisões. Que ela pode querer as coisas. Que ela pode ser feliz.
É impressionante como a autora consegue abordar questões, no mínimo, delicadas de maneira tão natural e criar personagens tão verdadeiros. Inclusive, aqueles considerados mais de “apoio”, que, em minha humilde opinião, têm igualmente importância, pois os novos amigos também influenciam essa autodescoberta de Sydney. Quanto à sua problemática família, deve-se exaltar, mais uma vez, a habilidade impressionante de Sarah de reproduzir alguns dos maiores defeitos e fraquezas do ser humano. Por mais que, em vários momentos, o leitor queira dar aquela sacudida no pai e principalmente na mãe de Sydney, também conseguimos entender – não aceitar, veja bem – as suas atitudes. Eles são pais, acima de tudo. Não que eles tenham que fechar os olhos para a irresponsabilidade do filho preferido, mas qual pai conseguiria dar as costas para um filho? Por pior que seja a situação. Mais uma vez, a sensibilidade de Sarah é notável. Ela nos faz refletir e questionar a nós mesmos. Como agiríamos numa situação como essa? E é com isso que também vivemos uma experiência semelhante à de Sydney, de autodescoberta. Pelo menos, para mim foi. Julgar os outros inicialmente é muito fácil, mas reconhecer os próprios erros, os próprios defeitos é o verdadeiro desafio. E Peyton é o melhor exemplo de tudo isso (a construção e a desconstrução desse personagem é algo brilhante).
Há muito tempo, um livro não me tocava tanto e eu não sei se conseguiria explicar exatamente o porquê. Sei que falei, e muito, sobre suas qualidades, mas é algo mais profundo. Que só quem tiver o prazer de ler poderá entender. Pode ser, talvez, pela naturalidade de tudo. Pela trama que, por mais que pareça distante da nossa realidade, você logo descobre que poderia acontecer no seu ambiente. Ou pelos personagens tão bem desenvolvidos que você consegue se identificar com alguma característica de cada um deles (cada um mesmo, até os pais de Sydney). O que importa é que a minha última leitura de 2015 (literalmente, pois terminei o livro na madrugada do dia 30 para o dia 31) foi um presente. Praticamente uma resolução de Ano Novo. Uma experiência bastante pessoal. Uma história difícil de ser esquecida, com uma mensagem completamente tocante e inspiradora.
Fnac– Livraria Cultura – Livraria da Folha – Livraria da Travessa – Saraiva – Submarino
Um comentário
Pingback: