Menino de Ouro, de Abigail Tarttelin | Resenha
‘Menino de Ouro’: um livro forte, esclarecedor e incrível
Temos o costume de olhar meio torto para aquele que foge dos chamados padrões estabelecidos pela sociedade. Seja pela aparência, tipo físico ou sexualidade. Involuntariamente, julgamos, fazemos comentários maldosos e, muitas vezes, ofendemos, mesmo sem querer, o outro, provocando um sofrimento em grande parte silencioso. Na adolescência, fase repleta de sentimentos contraditórios, onde a aceitação parece ser algo ainda mais importante, os danos são ainda maiores. Porém, o que é ser “normal”? Será que todos que estão à nossa volta são mesmo o que aparentam ser? Qual o problema de sair do convencional? Abordando as diferenças, Menino de Ouro, escrito por Abigail Tarttelin e lançado pela Globo Livros – atualmente parte do selo Globo Alt -, retrata os dilemas de um jovem que busca a sua verdadeira identidade, se aceitar e ser aceito.
A vida de Max, de 16 anos, parecia perfeita: bom filho, aluno exemplar, craque do time de futebol, popular e adorado pelas garotas. No entanto, ele tem um segredo que, se revelado, pode fazer a sua vida virar um inferno. Max é intersexual (hermafrodita), isto é, nasceu com os dois conjuntos de cromossomos, XX e XY. Além de viver à sombra de ter seu segredo descoberto, ele é obrigado a lidar com sua condição, que pouco conhece, e com os problemas típicos da adolescência.
Menino de Ouro não é um livro com um começo fácil de ser digerido. Logo de cara, Abigail Tarttelin expõe ao público uma cena terrível, repulsiva e interminável (pelo sofrimento que provoca no leitor, na verdade, pois a ação em si “só” tem umas quatro páginas). Uma violência responsável pelo desenvolvimento de toda a narrativa. É chocante e difícil de ler? Com certeza! Mas é necessário para contar a incrível história de Max. Às vezes, é preciso expôr o problema, colocar o dedo na ferida, para debater uma realidade cruel que precisa ser extinta. Se alguém tem algum preconceito com a condição de Max, ele desaparece no ato. Nesta jogada, a autora já arrebata os leitores, até os mais desconfiados.
A narrativa da obra de Tarttelin é contada da perspectiva de diversos personagens, algo que eu confesso gostar muito, pois se tem uma visão ampla sobre a história. Ainda mais se tratando de um livro que aborda uma problemática, no caso de Menino de Ouro, a questão da intersexualidade. A estrutura funciona muito bem! Como se não bastasse ter a visão de Max, do seu irmão, Daniel, da mãe (Karen), do pai (Steve) e da namorada (Sylvie), temos também o ponto de vista da médica. Uma abordagem que eleva a qualidade do livro absurdamente, por trazer as perspectivas mais técnicas e prestar um esclarecimento ao público sobre um assunto tido como “ tabu”.
Por mais que Menino de Ouro seja bastante informativo, não pense que ele é aquele livro educativo, chato, “forçado”. A dra. Archie consegue passar uma emoção sem igual. Mostra um lado médico humano que, para ajudar um paciente, pesquisa sobre um assunto pouco explorado cientificamente. Isso sem tentar se envolver com o caso (o que é difícil). Uma das melhores personagens.
A utilização desta estrutura narrativa – capítulos curtos, diferentes percepções – agiliza muito a leitura, mas os mistérios que a autora coloca em relação aos primeiros anos de Max é o que efetivamente prende o leitor. Max sabe pouco sobre a sua condição e, junto com a dra. Archie, tenta desvendar estes segredos: por que os pais fizeram certas escolhas no passado? Por que não discutiram o assunto com o filho? Além disso, o garoto também terá que fazer as suas próprias e difíceis escolhas, típicas (ou nem tanto) da adolescência. Já viu que temos um turbilhão de problemas pela frente, não é mesmo?
Menino de Ouro tem vários pontos altos, e fica até difícil citar todos. Além dos já mencionados, devo ressaltar as conversas que Max tem com ele mesmo em pensamento (aquela vozinha, a consciência). Uma coisa que todo mundo tem, mas o fato de ele ter dúvidas relacionadas ao gênero torna tudo ainda mais interessante. Essas incertezas, acrescidas dos dilemas da faixa etária, refletem a naturalidade com que a autora construiu e humaniza o personagem. O modo como Max vai se descobrindo é crível e muito envolvente.
Sei que há vários preconceitos em torno de livros que abordam a sexualidade. Inclusive, do tipo “o que as pessoas vão pensar de mim lendo um livro desses” (o que é uma besteira). Também existem diversos títulos que compõem o gênero literário LGBT (voltado basicamente para o público gay). No entanto, não é porque uma obra fala de conflitos da sexualidade, que ela vai ser exclusiva para um público. Menino de Ouro é um exemplo destes! Não quero me estender no assunto, mas acredito que, ao ler a sinopse, algumas pessoas façam um pré-julgamento. O livro é maior do que questão de gênero, por isso, acho necessário reforçar essa ideia.
É difícil lidar com “algo fora do padrão” (e Max prova isso), mas, às vezes, precisamos ir um pouco além. Todo mundo tem o direito de ser feliz do jeito que é e quiser. Então, livre-se dessas amarras, leia Menino de Ouro e, acima de tudo, respeite o diferente. Afinal, a normalidade é só um ponto de vista!
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