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O Pomar das Almas Perdidas, de Nadifa Mohamed | Resenha

‘O Pomar das Almas Perdidas’: a força da mulher em uma literatura emocionante e densa

'O Pomar das Almas Perdidas', de Nadifa Mohamed / Divulgação
‘O Pomar das Almas Perdidas’, de Nadifa Mohamed / Divulgação

Sofrimento. Morte. Tristeza. Existe alguma razão para a guerra? No confronto, os combatentes não são os únicos afetados pelas batalhas, mas todos os envolvidos no contexto. A vida perde o seu valor e o ódio impulsiona violência. Em O Pomar das Almas Perdidas, da escritora Nadifa Mohamed e publicado pela editora Tordesilhas, acompanhamos os reflexos da sangrenta guerra civil que assolou a Somália, no final da década de 1980, na perspectiva de três mulheres de gerações distintas. Um livro forte, que mostra as diferentes facetas de um conflito e como é possível recomeçar, apesar do sofrimento.

Em plena ditadura militar, atraída pela promessa de ganhar o seu primeiro par de sapatos,a menina Deqo, de 9 anos, deixa o campo de refugiados onde nascera para fazer uma apresentação de dança no estádio em Hargeisa (segunda maior cidade da Somália), em celebração ao aniversário da revolução que colocou os militares no poder. No entanto, durante a performance, Deqo erra a coreografia e acaba sendo punida pelos guardas. Da arquibancada, a viúva Kawsar, que vive o luto eterno pela morte da filha adolescente, vê a agressão e decide intervir em prol da garota. No tumulto, Deqo consegue fugir, mas Kawsar acaba presa pela oficial Filsan, uma jovem soldado determinada a ter uma posição de destaque num ambiente domado pelo sexo masculino. Após este turbulento encontro, a vida destas três mulheres segue diferentes rumos e, em meio ao crescente ataque dos rebeldes, acompanhamos o destino de cada uma delas.

O Pomar das Almas Perdidas apresenta estrutura narrativa bem dividida em três partes. A primeira traz o momento em que as protagonistas se encontram, a confusão no estádio. Na segunda, conhecemos um pouco mais da trajetória de cada uma delas: do passado até o que se sucedeu após a desastrosa apresentação de Deqo. Em seguida, temos o desfecho: o ataque dos rebeldes e como a vida daquelas mulheres volta a se entrelaçar. Aí, meu caro leitor, segura a emoção.

Por abordar um cenário pouco usual – pelo menos para mim, que nunca havia lido uma trama tendo Somália como pano de fundo -, a primeira parte da obra precisou de um pouco mais de atenção. Adoro sequências de cenas sob diferentes perspectivas, com um turbilhão de emoções logo de cara (acredito que isso prenda o leitor), porém, por desconhecer algumas expressões, nomes de lugares e pessoas, fiquei um pouco perdido. Consequentemente, só fui me envolver com a narrativa no fim da primeira parte. Se a proposta era trazer esta temática para um público mais genérico, acredito que Nadifa Mohamed deveria utilizar a mesma separação que acontece na segunda parte (a narrativa acompanhando um personagem identificado) ao longo de todo o livro. Facilitaria o engajamento na leitura, mas, sinceramente, não ofusca a beleza da trama.

O grande trunfo de O Pomar das Almas Perdidas, por sua vez, são as personagens. Elas são fortes, críveis e passam muita emoção. O que falar da Deqo? Sem palavras! Uma menina encantadora que vê com muita inocência o terror da guerra. O modo como ela explora a cidade devastada é tocante. Filsan, apesar da dureza – justificada pela ambiente genuinamente masculino em que vive -, retrata como a defesa de um ideal acaba por deixar as pessoas cegas, a ponto de legitimar as suas ações violentas. Já Kawsar, achei seu comportamento um pouco controverso e confesso que isso me incomodou, mas, ao mesmo tempo, também me fez refletir. Tive a sensação de que eram duas pessoas: uma carinhosa e amiga e outra, agressiva e amarga. No entanto, depois de conhecê-la um pouco melhor e ver tudo o que ela viveu, é possível compreender suas atitudes. Ela reflete a dor de quem já sofreu muito durante a vida e espera o fim.

Apesar de ser uma leitura densa, como qualquer obra que aborde a guerra, O Pomar das Almas Perdidas tem uma mensagem motivante. Através de um texto comovente, que mescla as contraditórias força e sensibilidade, o livro mostra que, mesmo no sofrimento, é possível ver beleza e ter a chance de perdoar e de recomeçar.

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O pomar das Almas Perdidas Ficha Técnica

Apaixonado por histórias, tramas e personagens. É o tipo de leitor que fica obsessivamente tentando adivinhar o que vai acontecer, porém gosta de ser surpreendido. Independente do gênero, dispensando apenas os romances melosos, prefere os livros digitais aos impressos, pois, assim, ele pode carregar para qualquer lugar.

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