Reflexões Literárias

Desvende os caminhos do autor até a publicação

Confira a nossa primeira matéria especial de uma série sobre o mercado editorial e saiba como realizar o sonho de ter o seu livro publicado

Escrever é uma arte. Um dom. E transformar tantas ideias em centenas de páginas capazes de transportar as pessoas a outros mundos é quase mágica. Mas como realizar o sonho de milhares de aspirantes a escritores que buscam apenas uma oportunidade de levar as suas obras para leitores de todo o mundo? Como viver aquela emoção única de segurar o seu próprio livro pela primeira vez ou simplesmente vê-lo bater asas e ganhar o seu lugar, seja nas prateleiras ou na internet? Nós, do Vai Lendo, somos fãs de autores e temos eterna gratidão a essas mentes tão criativas e sensíveis que tocam os nossos corações com suas palavras. Por isso mesmo, conversamos com representantes de vários setores do mercado editorial para trazer a vocês as principais dicas para quem deseja ser publicado.

Eugênia-Ribas Vieira, editora da Globo Alt/ Foto: Vai Lendo
Eugênia Ribas-Vieira, editora da Globo Alt/ Foto: Vai Lendo

Chegar a uma editora é o maior desejo e também o maior desafio de um autor. É preciso enfrentar a concorrência, a burocracia e ter muita força de vontade e determinação para não desistir frente aos “nãos” recebidos inicialmente. A espera seguida de uma análise de original é uma verdadeira tortura psicológica. Contudo, é necessário ao escritor ter consciência do conteúdo enviado e se preocupar com a qualidade da escrita, além de não deixar de correr atrás e se fazer ser lido. Foi o que aconselhou Eugênia Ribas-Vieira, editora da Globo Alt – o selo jovem da Globo Livros -, que indicou também os critérios utilizados pela editora ao avaliar o material inédito enviado.

“São cinco critérios principais na avaliação de um material inédito: recorte temático, voz narrativa, ineditismo temático, outros livros já publicados com que dialogue dentro do mercado e histórico do autor”, explicou Eugênia ao Vai Lendo. “O importante é simplesmente – o que, de fato, não é nada simples – se entregar à escrita. Digo em relação a tempo: destinar tempo. Hoje, recebemos muitos livros que pecam pelo fraco desenvolvimento. Sentimos que houve, num primeiro momento, uma inspiração. Porém, o autor não se vincula à ideia como deveria. A voz narrativa se perde. Os personagens não são aprofundados. Os diálogos não são interessantes. Muitos são os pecados do novo autor. Mas o novo autor poderia ser absolvido caso encontrássemos no livro este ‘trabalho’, este ‘apuro’ da ideia, esta ‘entrega. Sei que isso não é fácil, ainda mais hoje em que o tempo se tornou algo escasso. Acredito que Machado de Assis tinha muito mais tempo livre como funcionário público, vivendo em dias mais calmos. É necessário se insistir. Enviar a leitores. Às editoras. Insistir que leiam o seu livro. Insistir, insistir. Não se deve esperar que a editora procure o autor. Acredito que atualmente a internet, com seus blogs e canais de youtube, seja uma excelente ferramenta para a divulgação de um autor e de textos que demonstrem o seu potencial”.

O desenvolvimento bem trabalhado e estudado do texto também foi o ponto destacado por Carina Derschum, assistente editorial da editora Valentina, que indicou ainda o potencial comercial das obras a serem analisadas.

“É importante deixar o texto o mais redondo possível, sem erros de história”, afirmou Carina. “No caso de não ficção, os fatos devem estar 100% checados e corretos. Para os autores de ficção, é importante criar uma base de leitores dos seus livros, uma base de fãs nas redes sociais. Quando  o original é estrangeiro, levamos em consideração a venda lá fora, nota das redes sociais de livro (Goodreads), no caso de ficção. Se o original é brasileiro, analisamos o perfil do autor, o texto, se já tem livro publicado, quanto vendeu. Nós queremos livros que façam diferença na vida do leitor, de alguma forma. Mas claro que não podemos ignorar o fator ‘venda’. O livro precisa ser comercial, acessível aos leitores. Em relação ao envio de originais, na Valentina, por exemplo, só aceitamos o book proposal (proposta comercial do livro) impresso, enviado por correio”.

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Maurício Gomyde iniciou a carreira de maneira independente e foi chamado por duas editoras/Foto: Divulgação

Com o avanço da internet, o mercado editorial precisou se adaptar aos novos meios de comunicação e de divulgação que surgem regularmente. Isso ofereceu aos escritores outras oportunidades de terem os seus livros publicados, tanto que atualmente a autopublicação veio como uma nova e forte opção para aqueles que preferem tomar as rédeas da situação e trabalhar de maneira exclusiva em sua própria obra. Com a chegada da Amazon (uma das principais empresas de comércio eletrônico dos Estados Unidos) ao Brasil, cresce também o número de autores que optam por lançar seus livros apenas online. Maurício Gomyde, autor de A Máquina de Contar Histórias (Novo Conceito) e Surpreendente! (Intrínseca), viveu as duas experiências ao iniciar a carreira de maneira independente e, depois, ser reconhecido e publicado por duas editoras. Para ele, a principal diferença entre os tipos de publicação é a participação do profissional no processo.

“Quando você é independente, tem aquele gás, você vai cuidar de absolutamente tudo”, declarou. “É que nem uma loja de material de construção; vai desde o básico até o acabamento. Você faz todo o processo, toma todas as decisões. O que eu vou escrever. Quando eu vou escrever. Quando eu vou lançar. Que tipo de capa. Como vou diagramar. Que tipo de divulgação. Porque, aí, você vai ter que pensar até o processo final, que é na hora de divulgar, o tipo de marketing que você vai fazer. Já quando se está dentro de uma editora, você precisa, meio que o tempo todo, negociar. Então, o autor também precisa ser maleável. E ouvir muito. Muitos passos são negociados. Em algum momento pode ser exatamente o que ele não queria. Mas ele tem que entender que tem uma editora. Tem uma editora que está colocando dinheiro. Que está junto com você. Eu acho que a principal dificuldade de quem faz o trabalho independente é colocação em loja. É vender. Realmente, é o mais difícil. Ainda que com as redes sociais e alguns canais a venda online agora seja um pouco melhor. Mas dificilmente você vai ter o livro na loja, em grandes lojas. Por outro lado, quando você está com a editora, já consegue colocar o livro. Mas o fato de você estar numa boa editora também não garante que o livro vai estar bem colocado. São vários detalhes”.

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Thiago d’Evecque lançou ‘Limbo’ pela Amazon; para ele, a liberdade da autopublicação é, ao mesmo tempo, a vantagem e a desvantagem/ Foto: Divulgação

Thiago d’Evecque, autor de Limbo, lançado de maneira independente pela Amazon, ratificou a opinião de Gomyde, em relação à liberdade permitida pela autopublicação e principalmente a uma maior aproximação do público. Contudo, ressaltou também que essa independência é, por vezes, a maior desvantagem. Outro desafio deste tipo de publicação, segundo ele, é justamente o alcance da obra.

“Desde a revisão do seu livro até a publicação e divulgação, você tem toda a liberdade (e obrigação) de proceder da maneira como achar melhor”, apontou ele. “Isso anima e intimida. Você precisa, sozinho, dar conta de todo o processo. É claro que nada impede de procurar ajuda com amigos e conhecidos, mas você é o grande responsável. A tomada de todas as decisões está com você. Por um lado, é maravilhoso executar cada passo da maneira que prefiro e me é mais conveniente. Por outro, é desgastante e ocupa uma grande fatia de tempo que eu poderia usar para outras atividades. Além disso, a autopublicação me permite uma aproximação maior com o público. Leitores, blogueiros, outros autores – devo muitas amizades à autopublicação. Não sei se a publicação tradicional me traria essas mesmas relações. Com certeza, ainda há trabalho a ser feito, mas creio que a publicação independente requer mais interação. A editora não vai fazer magia com seu livro, apesar de ter maior alcance. E essa é a maior dificuldade: o alcance. Você pode ter escrito a obra-prima do século, mas ainda precisa trabalhar para torná-la conhecida. Depois de conhecida, precisa fazer as pessoas comprarem. Depois, lerem. Depois, com sorte, elas vão recomendar para outras pessoas e por aí vai. Não é porque escrevemos algo que o mundo tem qualquer tipo de obrigação conosco. Os possíveis leitores precisam de um motivo para acreditarem em você, confiarem e investirem dinheiro e tempo no que você escreveu. Criar essa confiança é difícil, mas recompensador”.

Por outro lado, muitos se perguntam se há espaço para autores independentes com obras já lançadas nas editoras. Eugênia, da Globo Alt, afirmou que, apesar de a preferência ser por um material inédito, sim. Carina, da Valentina, por sua vez, destacou a autora nacional FML Pepper (autora da trilogia Não Pare!), que começou publicando na Amazon e hoje, ela concluiu, é uma das maiores apostas da editora. Contudo, ela ressaltou que é necessário trabalhar no marketing do livro e fazê-lo conhecido, para que as editoras possam acreditar no seu potencial.

Arquivo pessoal
Caroline Defanti afirmou que o respaldo da editora para aqueles que não conhecem todo o processo é uma segurança/ Foto: Arquivo pessoal

Para Caroline Defanti, autora da trilogia Irmandade de Copra, cujos dois primeiros volumes já foram lançados pela editora Arwen, a participação da editora no processo não deixa de ser uma segurança, principalmente se o escritor não tiver um conhecimento maior a respeito das etapas. De acordo com ela, há também o fato de que “as portas das livrarias se abrem mais facilmente para editoras do que para autores independentes”.

“Desde o início, eu pensava em conseguir o auxílio de uma editora”, disse. “Até mesmo porque, apesar de isso somente não ser o suficiente para tornar um livro bom, ainda assim dá um peso para a publicação, porque deixa claro que profissionais quiseram apostar no livro e trabalharam nele para torná-lo ainda melhor. Mas não tenho absolutamente nada contra autores independentes e tampouco julgo o trabalho deles por isso – na verdade, eu os admiro bastante, porque tem que ter coragem e conhecimento para conseguir fazer um bom trabalho. A maior vantagem é ter profissionais trabalhando no seu livro para deixá-lo ainda melhor e auxiliar você durante todo o tempo. É um processo de aprendizagem riquíssimo. E uma excelente oportunidade de conhecer outros autores, profissionais do ramo e provavelmente mais leitores”.

Gomyde chegou às editoras meio que “sem querer”, como ele mesmo afirmou. Seus livros – já lançados de maneira independente – chegaram às mãos dos editores da Novo Conceito e posteriormente houve ainda o convite pela Intrínseca. Caroline, por sua vez, entrou em contato com a Arwen através da internet e encaminhou a sua proposta. E Thiago decidiu pela autopublicação. Mas há também outra opção para aqueles que buscam uma oportunidade em editoras: os agentes literários, responsáveis não apenas por fazer essa intermediação, mas por auxiliar os autores em todas as fases da produção do livro, desde o registro até a apresentação dos originais. Segundo Carina, “alguns agentes têm contato direto com os editores e conseguem propostas melhores para publicação”. Lucia Riff, fundadora da Agência Riff, no entanto, reconheceu que ainda hoje é difícil para um escritor chegar até um agente literário pelo simples fato de que “são poucas as agências em funcionamento para atender à demanda do país todo”. Quanto à concorrência com autores estrangeiros, Lucia destacou as dificuldades dos autores brasileiros em se firmar, mas reiterou que há, sim, uma tendência de melhora, principalmente pelos efeitos das feiras literárias e das redes sociais.

“O autor precisa mandar um e-mail, se apresentar, mandar um texto para leitura e aguardar (para um contato com um agente literário)”, explicou ela. “As dificuldades (para se entrar no mercado) variam muito de autor para autor e dependem da obra que está sendo apresentada. E temos que lembrar que nem todo autor novo é jovem – muito autor novo, inédito, entra no mercado já mais maduro. De modo geral, o mercado aceita muito bem o novo – novas vozes, novos talentos, novos rostos são muito bem-vindos. Mas é preciso mostrar talento, é preciso chegar com um bom texto. E trabalhar duro, com humildade, simpatia, e vontade de aprender. Uma coisa bacana do mercado editorial é que os autores se ajudam, dão força um para o outro, são amigos uns dos outros.  Acho isso sensacional. É preciso conhecer gente, frequentar eventos, feiras literárias, cursos, tudo que for possível e, claro, acima de tudo, estudar muito, ler sempre. As principais dificuldades são as básicas: não conhecer o mercado, não ter referências, não ter um nome que abra portas. E  as dificuldades agora estão agravadas pela crise, que encolheu as programações de todas as editoras. Mas tenho fé de que os autores brasileiros, de todos os gêneros, vão ficar cada vez mais conhecidos. Acho que a multiplicação das feiras literárias pelo Brasil afora fez uma boa diferença. As redes sociais também ajudaram, já que os autores agora estão mais próximos dos seus leitores e têm chance de um contato direto. Nesse ponto, os autores brasileiros têm óbvias vantagens na comunicação com o público”.

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Lançamento da agência Um Círculo Literário e Cultural/Foto: Vai Lendo

Para Elisa, da recém-criada Agência Um Círculo Literário e Cultural – voltada para novos autores e independentes -, é fundamental que o escritor, além de um bom material em mãos, tenha conhecimento do mercado editorial, principalmente para distinguir as atribuições do agente literário – fator que, segundo ela, dificulta, em alguns casos, o acesso dos autores a esses profissionais. No entanto, ela também ressaltou a mudança (positiva) no sentido de aceitação dos escritores nacionais, a partir dos novos cenários desenhados pelos últimos eventos literários e o avanço das mídias digitais.

“A falta de conhecimento do mercado, em todos os aspectos, seja ele cultural ou indicativo, é no meu entender o fator complicador e mais difícil de driblar, além da crise que estamos vivendo”, apontou. “É preciso conhecimento do mercado editorial,  pois através desse conhecimento e da leitura sobre o nosso setor são descobertos os profissionais, o que eles fazem e as novidades que acontecem no mercado. A partir desse encontro, e da certeza de que achou o profissional certo para você, é a hora de enviar um e-mail ou uma mensagem através de uma rede social e fazer este primeiro contato que é a sua apresentação, para, então, encaminhar o seu texto para análise. Desde a última Bienal do Rio (em 2015), vejo claramente uma grande mudança e uma aceitação enorme dos nossos autores, principalmente no que se refere à nova geração, voltada quase exclusivamente para um público mais jovem. Muito se deve às mídias digitais que tão bem cumprem o seu papel, aproximando cada vez mais o leitor do autor. É imprescindível a um escritor, hoje em dia, participar ativamente das redes sociais para se fazer conhecido não apenas dentro do seu ambiente”.

Foto: Livraria Cultura/Divulgação
Autores nacionais enfrentam forte concorrência dos estrangeiros, uma vez que os livros de fora já chegam ‘prontos’, em termos comerciais/ Foto: Livraria Cultura/Divulgação

O problema em relação ao posicionamento dos autores nacionais no mercado editorial, atestou Eugênia, se deve, em grande parte, à falta de apoio e de divulgação por parte da imprensa especializada. Isso, ela indicou, prejudica e muito na disputa com os títulos estrangeiros, uma vez que, lá fora, o trabalho em cima da promoção dos livros é infinitamente maior e mais eficiente, gerando interesse por parte dos leitores ao redor do mundo.

“Independente do número de nossa população, nossos leitores ainda são muito poucos – se comparados, por exemplo, com uma audiência da televisão”, apontou ela. “Com isso, o livro estrangeiro chega em nosso território como um produto muito mais ‘pronto’, do ponto de vista do mercado. Ele já tem um plano de marketing. O autor já é conhecido por muitos leitores. Já se tem resenhas em vários jornais estrangeiros. Toda uma redoma que assegura ao livro uma sobrevivência mais longínqua, mais abrangente. Vejo um dos principais problemas do livro de mercado no Brasil a ausência da imprensa para cobri-los. Acredito que a imprensa literária ainda esteja muito ‘elitizada’, cobrindo apenas aqueles livros que são para poucos. Ao mesmo tempo, nos Estados Unidos, aplaudimos o ‘New York Times’ com seu caderno literário que abrange um novo best-seller YA, um novo autor escrevendo sci-fi… Sinto muita falta disso”.

Símbolo da editora Valentina/fFoto: divulgação
Símbolo da editora Valentina/fFoto: divulgação

Para Carina, o fato de os livros estrangeiros já chegarem por aqui em larga vantagem, pois foram “filtrados pelas editoras e agências de seus países de origem”, demanda um esforço ainda maior dos autores brasileiros, que precisam confirmar (e compensar) o investimento. Todavia, ela exaltou ainda a valorização dos escritores nacionais, especialmente no sentido de criar uma identificação total com os leitores.

“O autor brasileiro precisa passar por esse filtro”, disse. “Muita gente escreve, mas nem todos são comerciais e menos ainda best-sellers. Mas é importante investir em nacionais para valorizar nossos autores. Os leitores gostam de ler sobre o seu universo, lugares que conhecem. É legal conversar com o autor na sua língua, ter sessões de autógrafos, palestras em escola… São vários fatores que só são possíveis quando o autor é brasileiro e mora no Brasil”.

Jornalista de coração. Leitora por vocação. Completamente apaixonada pelo universo dos livros, adoraria ser amiga da Jane Austen, desvendar símbolos com Robert Langdon, estudar em Hogwarts (e ser da Grifinória, é claro), ouvir histórias contadas pelo próprio Sidney Sheldon, conhecer Avalon e Camelot e experimentar a magia ao lado de Marion Zimmer Bradley, mas conheceu Mauricio de Sousa e Pedro Bandeira e não poderia ser mais realizada "literariamente". Ainda terá uma biblioteca em casa, tipo aquela de "A Bela e a Fera".

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