Pax, de Sara Pennypacker| Resenha
‘Pax’: uma linda história de amizade, superação e transformação
A verdadeira amizade resiste a tudo. Ao tempo, à distância. E à guerra. Mesmo quando os envolvidos pertencem a mundos (e espécies) tão diferentes. Mas é através dessas amizades que crescemos e amadurecemos. Encaramos desafios e enfrentamos obstáculos. Por mais assustadores e sombrios que eles sejam. Mesmo que a guerra esteja tão próxima que seja capaz de transformar a tudo e a todos. E é sobre esses temas delicados e também bastante dolorosos que Sara Pennypacker trata em seu livro infantojuvenil Pax, publicado aqui no Brasil pela editora Intrínseca.
A trama nos apresenta a linda história do garoto Peter e de sua raposa de estimação, Pax. Inseparáveis, os dois são afetados pela guerra iminente, que se aproxima implacável e assustadoramente. E, com isso, o impensável acontece e menino e raposa se veem separados, e sua grande amizade é testada pelo conflito e suas cruéis consequências. Até que Peter embarca em uma jornada para resgatar Pax e se deparada com um mundo transformado pela guerra, descobre o mundo selvagem, a liberdade e principalmente ele mesmo.
Essa é uma das poucas vezes que as palavras me falham para descrever o livro. Não porque eu não gostei. Muito pelo contrário. Mas porque tenho medo de não conseguir expressar neste texto o quanto essa obra mexeu comigo e me fez pensar e repensar algumas coisas. Livro de criança? Muito mais do que isso. Um livro para a vida. Sara é tão sensível, tão meticulosamente cuidadosa com sua narrativa que nos presenteou com uma história lúdica, quase poética. Sim, porque alguns diálogos são das coisas mais delicadas e profundas que eu já li. De arrebatar o coração. E as ilustrações de Jon Klassen e o trabalho gráfico do livro são simplesmente impecáveis e ajudam muito a dar esse ar quase sublime à obra. Sério, eu estou simplesmente apaixonada pela capa. Diz tanta coisa com muita simplicidade. Dá vontade de separar um lugar especial na estante para esse livro. Ele precisa ser admirado constantemente.
Pax não trata apenas da amizade entre um garoto e sua raposa. É um livro que não se omite ao trazer a realidade cruel de uma guerra pelo ponto de vista de uma criança que é obrigada a abrir mão do seu melhor amigo e de presenciar cenas que infelizmente não fazem parte apenas dos filmes. São, inclusive, mais reais do que imaginamos. Se já é difícil falar sobre uma guerra, ler é um sacrifício. Justamente porque traz essa realidade para mais perto. É sufocante, uma agonia. Mas necessário. E a autora soube colocar todos esses elementos na trama de uma maneira simples, embora bastante dolorosa.
É muito interessante a escolha de Sara de alternar a narrativa entre Peter e Pax e nos oferecer um vislumbre não apenas da realidade humana, mas também da selvagem. Com os dois personagens, a autora traz os valores de família, coragem, lealdade, união e, claro, amizade. É muito, muito lindo mesmo ver a preocupação de Peter com sua raposa e de Pax com o “seu menino”. Mesmo com todas as diferenças, mesmo com uma guerra a caminho, um não se esquece do outro. E é essa relação que determina o futuro de ambos e seu amadurecimento. Eles podem até não perceber, mas se ajudaram, ainda que à distância, a se redescobrir. Peter precisou crescer, talvez um pouco precocemente devido à situação. E Pax reaprendeu a ser uma raposa. A ser um animal selvagem capaz de sobreviver sozinho.
A dupla, no entanto, apesar de sua forte ligação, também precisou aprender a ser abrir e a confiar em outras pessoas/animais. Olha, as passagens de Peter com Vola (que personagem BRILHANTE e inspiradora, sério, só de lembrar dela meu olho já enche d’água) e de Pax com Cinzento, Arrepiada e Miúdo (ok, olho enchendo d’água novamente…) são impecáveis, esclarecedoras e completamente emocionantes. Preciso ressaltar novamente a sensibilidade da autora, porque foi isso o que eu senti durante toda a minha leitura. Sensibilidade. Porque só uma pessoa extremamente sensível é capaz de desenvolver personagens tão simbólicos como esses. Com Vola, Sara traz aos seus leitores os horrores, a tristeza e as consequências dramáticas da guerra. Porém, ao mesmo tempo, também nos mostra a capacidade do ser humano de se reinventar, se superar e de amar e proteger o próximo. Vola é uma personagem tão cativante, tão sábia que mexeu muito com o meu coração. E o que dizer das outras três raposas? Pax já tinha me conquistado. Com Cinzento, Arrepiada e Miúdo, ah, Miúdo… Foi uma explosão de amor, carinho e de muito aprendizado. Porque as raposas, os animais, também sofrem e muito com a guerra. E Sara mostra isso muito bem. Tanto que chega a doer (mexeu com algum animal, mexeu comigo. Viro literalmente bicho também). E esses quatro nos ensinam tanto. Chegam a ser mais sensatos e inteligentes que muita gente.
As guerras são injustas. Tiram vidas e afetam outras de maneiras praticamente irreparáveis. É muito sofrimento. Mas é também nessas situações que reencontramos ou, melhor, descobrimos, a nossa força. Que nos deparamos com pessoas inspiradoras. Que iremos aprender o verdadeiro valor das coisas. Pax mostra tudo isso. E muito mais. Nos faz refletir. Nos faz rir e chorar, assim como a vida. E, acima de tudo, nos obriga a pensar não apenas em nós mesmos, mas no outro. E nos animais. É uma leitura diferente. Uma leitura transformadora.
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