Entrevista: Claudia Nina
Em entrevista ao Vai Lendo, a escritora carioca Claudia Nina falou sobre a diferença entre escrever sobre os mais variados gêneros, o aprendizado no Jornalismo, seu primeiro romance juvenil e, sobretudo, o amor pela escrita
Da poesia a prosa. Da realidade para a ficção. Do infantil para o adulto. Versatilidade, sensibilidade e muito amor pela escrita definem a escritora e jornalista carioca Claudia Nina. Autora de Paisagem de Porcelana (editora Rocco), A Palavra Usurpada, sobre a obra de Clarice Lispector (Editora da PUC-RS), do ensaio A Literatura nos Jornais (Summus), do infantil Nina e a Lamparina (DSOP), do perfil biográfico ABC de José Cândido de Carvalho (José Olympio), do romance Esquecer-te De Mim (Babel) e do livro de resenhas publicadas na revista Pessoa, Delicados Abismos (Oito e Meio), Claudia agora se prepara para desbravar um novo e intenso universo: dos jovens. E quem pensa que, hoje, parece “mais fácil” escrever para esse público tão intenso e exigente, engana-se. Para a escritora, a literatura juvenil ainda é muito “superficial”.
“É uma experiência maravilhosa (escrever para os jovens)”, declarou Claudia em entrevista ao Vai Lendo. “Mas, novamente, precisei estar pronta para acolher o momento certo; quando percebi que tinha uma história para contar, mergulhei fundo. Acho que o resultado ficou bem bonito. O romance se chama Amor de Longe e fala da evolução dos primeiros afetos. A personagem começa a história no Rio e avança rumo a Porto Alegre, para onde ela é obrigada a se mudar por conta do trabalho do pai. Lá, encontra o seu primeiro amor… Uma experiência autobiográfica que eu transformei em ficção, entortando, claro, a colher do mágico. Sem delírio, a vida real é banal demais para se transformar em livro. Não acho que a literatura para jovens esteja mais aberta nem mais verdadeira, muito menos mais intensa. Acho que está lamentavelmente mais superficial. Tudo bem que existam textos superficiais, mas é uma pena que, ao lado dos rasos, não existam, em volume, textos fortes, capazes de ajudar o jovem a pensar. Minha filha de 10 anos, por exemplo, acompanha as blogueiras do Youtube e lê os livros dessa turma. Logo, não sou contra nada disso. Porém, ela mesma apontou uma série de erros naqueles textos e, paralelamente, delicia-se com as histórias da Ludi (Luciana Sandroni). Ou seja, é capaz de identificar um bom texto, o que é para mim uma glória”.
Em seu primeiro trabalho juvenil, Claudia atendeu a uma demanda íntima, como ela mesma indicou, e revelou o cuidado e a preocupação de manter a sua própria essência, mas buscar uma narrativa mais leve e, ao mesmo tempo significativa. Mesmo percorrendo os mais variados mundos literários com um talento – de poucos – capaz de transitar e apresentar os mais variados assuntos, a autora ressaltou a sua identificação com o gênero romance, devido aos inúmeros desafios e principalmente a possibilidade de desenvolvimento e evolução de sua própria linguagem.
“Me identifico com o gênero romance, tanto adulto quanto juvenil”, afirmou. “É o que mais gosto de fazer. O que mais me desafia, o que faz minha linguagem se espalhar e crescer. Adoro. Acho que um conto, por exemplo, exige uma ideia de concisão enorme que nem sempre eu tenho, embora também goste de escrever contos. Descobri isso recentemente, aliás, quando a amiga Celina Portocarrero me chamou para participar da antologia Vou Te Contar (Rocco), em homenagem a Tom Jobim. Participo com o conto Na Solidão da Noite. Quanto ao meu primeiro romance juvenil, eu tinha essa história dentro de mim há um bom tempo. A relação entre pessoas e paisagens e cidades é uma das minhas obsessões, eu acho. Faço isso em vários textos, inclusive, em dois dos infantis mais recentes, A Misteriosa Mansão do Misterioso Senhor Lam (Vieira & Lent) e A Repolheira (Aletria). Faço isso especialmente no meu romance Paisagem de Porcelana. Ocorre que, no romance adulto, a ideia das paisagens em comunicação profunda com a personagem nasce a partir do sofrimento. Eu queria transformar isso radicalmente e escrever um texto que fosse leve e profundo, ao mesmo tempo – eis meu desafio. Eu queria manter meu estilo, ou seja, me preservar no que considero que tenho de melhor, mas desbravar alegrias, explorar o contato com o mundo dos primeiros amores, aqueles que nascem com a chancela de eternidade”.
A carreira como escritora, no entanto, de acordo com Claudia, deve muito também e se complementa à formação jornalística. Para ela, o Jornalismo segue como “a melhor escola e melhor oficina literária”, uma vez que a vontade de escrever sempre esteve intrínseca à sua personalidade.
“As redações foram um aprendizado inesquecível”, contou. “Ali, a gente aprende que um texto pode e deve ser editado. Não podemos ter melindres porque sempre irão mexer no seu texto, ou para torná-lo mais objetivo, mais atraente, ou para caber em um espaço determinado. Não tem jeito. Essa história de escrever sem rumo, de se achar bom demais ou intocável cai por terra. Não rola. Acho, sim, que a escritora que eu me tornei bebeu na fonte da jornalista que eu fui. Aprendi imensamente e continuo aprendendo, pois, de certa forma, ainda pratico o jornalismo literário na minha coluna na ‘Seleções’ e também nas resenhas que faço para o ‘Jornal Rascunho’. Eu queria apenas escrever, desde sempre. Era um sentimento que precedia qualquer entendimento acerca de profissões. O Jornalismo foi um caminho natural para essa inclinação. Embora eu escrevesse em diários e fizesse alguns poemas medonhos, a ideia da escrita em ficção foi algo que me ocorreu só muito depois, quando comecei a rascunhar meu primeiro romance, Esquecer-te de Mim (Babel). Decidi que, finalmente, tinha uma história para contar. Eu não queria me antecipar a mim; precisei sentir o meu tempo íntimo e estar pronta para o mergulho radical. Porque a ficção é, para mim, um mergulho muito profundo”.
Ainda se acostumando com o retorno do público jovem, Claudia exaltou a possibilidade de poder ter um contato mais sólido e direto com seus leitores e disse querer estender essa experiência. Autora de um livro sobre a cobertura literária nos jornais, ela também destacou o avanço da internet e o surgimento de novas mídias focadas nesse universo, que ajudam principalmente a divulgar os novos autores.
“A aventura de conhecer meu público é uma experiência que eu quero ter mais de perto”, confirmou. “Criei uma página no Facebook para isso – Claudia Nina Página da Autora -, e é surpreendente como os leitores me buscam, trocam ideias, falam que gostaram do meu texto. Muitos me encontram através da ‘Seleções’, que é um público mais amplo. Tudo isso é muito estimulante. Quero expandir mais esta rede. Quanto à cobertura literária pela imprensa, acho que os jornais de papel estão sumindo, mas, em compensação, muitos sites bacanas e ótimas iniciativas como a sua, por exemplo, estão surgindo. Isso é muito bom e democrático. Não adianta a gente ficar chorando sobre o que se perdeu. Avante. Vamos trabalhar da melhor forma possível com os instrumentos de que dispomos. Acho extraordinário que jovens como você criem novos debates e abram espaços para que os escritores apareçam, mostrem seus trabalhos e estabeleçam novas redes de contato”.
Ela, que tem como algumas de suas referências Clarice Lispector, Antonio Tabucchi, José Saramago, Borges e Julio Cortázar e já morou fora do Brasil, comentou sobre o atual momento do mercado editorial, destacando a dificuldade das editoras em publicarem novos autores. Contudo, Claudia se mostrou otimista e, determinada, garantiu que os sonhos estão acima de qualquer obstáculo. Basta ter paciência e, ponderou, acreditar em si mesmo.
“Não é novidade que a gente está vivendo uma crise”, apontou. “Poucas editoras ousam publicar novos autores. Mas acredito que seja uma fase. Sou otimista. E acredito no meu trabalho, sobretudo. Tem uma frase da Clarice Lispector que eu adoro. Diz mais ou menos assim: ‘Não sou daquelas para quem os seixos já vêm polidos e brancos; sou daquelas que rolam pedras durante séculos’. Então, tudo o que eu espero e sonho pode demorar, mas virá. Um dia. E um dia não é nunca…”.