A Primavera Literária democrática e formadora de leitores
Em um ano de crise, a Primavera Literária resiste e chega à sua 16ª edição como o principal evento para pequenas e médias editoras
O cenário não poderia ser melhor: os belos jardins do Museu da República, no Palácio do Catete, no Rio de Janeiro. E, nesse mesmo lugar, estandes recheados de livros. Paraíso? Quase isso. É claro que estamos falando da 16ª edição da Primavera Literária, o principal encontro das pequenas e médias editoras que compõem a Liga Brasileira de Editoras (Libre), que vai desta quinta-feira (17) até domingo, dia 20, das 10h às 21h.
Para Raquel Menezes, presidente da Libre e editora responsável pela Oficina Raquel, a Primavera Literária é o momento de fortalecer essas editoras, principalmente no sentido de distribuição que, segundo ela, ainda é o maior desafio enfrentado pelas casas.
“A Libre congrega 140 editoras independentes com o intuito de fortalecê-las no mercado e passar justamente essa ideia de que ‘unidos somos mais fortes'”, afirmou Raquel ao Vai Lendo. “E esse é também o objetivo da Primavera, além de colocar os catálogos dessas editoras na rua. O que observamos, ao longo dos anos, não é apenas a expansão do evento – que já foi realizado em outras cidades -, mas também como a feira gera demanda na livraria. Porque o leitor vem aqui e conhece uma obra que não encontra em outros lugares e pede na livraria. Falta uma ética no mercado, em relação à distribuição. Todo mundo sabe que é necessário comprar um espaço para estar bem disposto nas livrarias”.
Além de debates, a Primavera Literária investiu principalmente, nessa edição, em oficinas e workshops (todos gratuitos) para atrair ainda mais a participação do público e trabalhar na formação de leitores. Num ano de crise, Raquel destacou a importância de se trabalhar a marca e exaltou o trabalho das redes sociais como um aliado para as pequenas e médias editoras.
“Foi um ano muito difícil, com alguns companheiros tradicionais fechando”, lamentou. “O grande problema que vemos ao longo dos anos é a questão de o livro infelizmente, apesar de ter um valor cultural simbólico indispensável, não ter apoio político. E, com o corte das contas governamentais, muitas editoras sofreram um impacto muito grande. Então, a internet é, sim, um aliado para trabalhar o marketing de uma pequena e média empresa que não tem tanto orçamento para essa área e para a exposição na livraria. A viralização do material é uma grande ajuda, fora que, hoje, boa parte das editoras também possui a sua própria loja virtual”.
O papel da internet também é destacado por Eduardo Cabelo, representante comercial da Aleph, que vê na interação da editora com o público uma demonstração de respeito e de cuidado com os leitores. Isso, para ele, é fundamental para uma empresa de nicho, como a editora, voltada para o gênero da ficção científica.
“Uma coisa que todas as editoras deveriam fazer é cuidar das suas redes sociais”, ressaltou Cabelo. “Aí também entra a parte do nicho, porque já surge com uma quantidade boa de fãs, mas precisa cuidar deles. É muito legal porque nós lançamos as coisas na internet e temos um retorno bastante significativo, inclusive, com os próprios autores estrangeiros interagindo. É uma via de mão dupla. Ao mesmo tempo em que estamos lá postando novidades e respondendo aos leitores, eles também compartilham o que for de seu interesse e criam uma identificação. Se um leitor gosta da capa de um livro, por exemplo, ele vai lá, tira uma foto com o livro na mão e posta. É uma dica que eu dou: cuidem bem de quem gosta dos seus livros. Por isso mesmo, participar da Primavera é muito bom. Você consegue transpor essa barreira do virtual para o real. Por sermos uma editora de nicho, demoramos um pouco para sentir a crise, mas é claro que estamos passando também. Porque o mercado está difícil de todas as formas. Está consumindo menos. Então, esse tipo de evento abre uma oportunidade para nós termos um contato ainda mais direto com os leitores e mostrarmos os nossos livros. Para uma editora de gênero especialmente é muito interessante porque os leitores têm aquela curiosidade sobre a escolha dos títulos publicados, o processo. Essa troca é muito bacana e importante”.
Outra editora que aposta na Primavera Literária como uma chance de apresentar o seu trabalho e atrair novos leitores é a Aquário Editorial, formada pelo casal Estevão Ribeiro e Ana Carolina Rodrigues. Para eles, principalmente, o evento representa um recomeço, depois de um ano complicado, não apenas pela crise, mas por alguns problemas pessoais. Voltada mais para o público jovem, com uma pegada geek (incluindo também quadrinhos), a Aquário investe na experiência sensorial da literatura e na nostalgia. Ao Vai Lendo, Estevão exaltou a realização de eventos focados no gênero e também em pequenas e médias editoras, alegando que, devido ao custo das demais feiras literárias, são esses encontros que permitem a essas publicações terem a chance de serem, de fato, reconhecidas.
“Não conseguimos trabalhar esse ano devido ao nascimento de nossas filhas, pois foi uma gravidez de risco, e de perdas na família; então, a Primavera vem como um recomeço”, contou Estevão. “Já temos dois anos e meio, mas, em 2016, a editora praticamente não existiu por conta desses percalços. Então, essa feira chega literalmente como uma nova estação, é a hora de florescer e ver o que poderemos colher de frutos. É a nossa primeira vez na Primavera e esperamos que seja radiante para que tenhamos um fim de ano melhor e um 2017 muito bom. O nosso diferencial é justamente pegar as brincadeiras de criança. Nós trazemos para as pessoas novidades que, de fato, são coisas da nossa infância. Combinamos o analógico com o digital, porque queremos que as pessoas tenham a experiência do toque, do sensorial. Tentamos fazer a coisa o mais manual possível para que tenhamos esse contato direto com o público e conquistarmos um espaço, pois é tudo questão de mercado. Tudo para nós é muito caro. Temos uma sobretaxa que vai desde a impressão até chegar nas livrarias, pois tem que comprar vitrine. É mais complicado chegar por causa do dinheiro. Então, o nosso caminho são esses eventos que nos aceitam e nos dão destaque e, até mesmo, suporte para estarmos neles”.
Já para a editora Valentina, a Primavera Literária ajuda também a programar comercialmente o próximo ano, de acordo com o interesse do público.
“É muito importante (o evento) porque conseguimos escutar o público, ver o que os leitores gostam e querem ler”, explicou Vania Abreu, representante comercial da editora. “É fundamental até para a nossa programação editorial de 2017, que tem que ser muito assertiva. Por conta da crise, vamos lançar menos títulos. Então, vamos procurar acertar bastante nos que serão lançados”.
Como um dos eventos mais democráticos do setor literário, não poderiam faltar atrações para os pequenos leitores. Esse ano, a área infantil do evento recebeu o apoio do clube de livro infantil Leiturinha, que, inclusive, dá nome ao espaço das crianças. Patricia Metzler, coordenadora de divulgação da Panda Books, destacou a relação diferenciada que um evento como a Primavera Literária oferece para o público, ajudando principalmente na formação de novos leitores, no sentido de apresentar obras às crianças e dar a elas a opção de escolha.
“Aqui você tem as pequenas e médias editoras mostrando o seu material diretamente, com um atendimento diferenciado”, alegou Patricia. “Você pode contar um pouco mais para as crianças sobre os livros e oferecer a elas aquele aprendizado de escolha, de achar o seu livro preferido. Mais do que tudo, é ajudar na formação de novos leitores nesse momento tão difícil para as editoras. É uma possibilidade de o público, em geral, se sentir livre para conhecer outras produções que não são encontradas nas livrarias, principalmente do gênero infantil. Aqui é uma grande vitrine de uma produção muito boa e bem cuidada. A criança vai muito pelo afetivo. Ela tem que ter prazer na leitura. A literatura não pode ser só uma via de conhecimento, de trabalho, de prova na escola. É uma responsabilidade nossa ter esse cuidado com o leitor”.
A preocupação com o público infantil foi ratificada por Raquel, que responsabiliza todo o setor literário pela formação de novos leitores, visando ainda o futuro do mercado editorial e indicando a importância da Libre, nesse sentido.
“Sempre tivemos um espaço infantil porque a proposta da Primavera é ter uma programação para a família”, apontou Raquel. “Esse ano, o Leiturinha foi parceiro e resolvemos dar esse nome, que encaixou bem, até porque o clube é um parceiro que tem muito potencial também nessa questão de formar leitor. É claro que temos as dificuldades, mas o que as editoras, ou melhor, toda a cadeia do livro, que inclui autor, ilustrador, livreiro, entre outros, tem que entender é justamente o seu papel incondicional de formador de leitor. Porque cada pessoa que você forma como leitor é, lá na frente, um cliente. Eu espero que a gente, que a Primavera consiga resistir. É indispensável empresariamente para os nossos editores, para a marca da Libre, é indispensável para esse projeto de formação de leitores”.