Primavera Literária: a necessidade de revisão do modelo de negócios
Michelle Strzoda, da Babilonia Cultura Editorial, conversou com o Vai Lendo e fez um balanço sobre o evento, a atual situação das pequenas e médias editoras e os desafios futuros
Foram quatro dias de muitos debates, oficinas, trocas de experiência e de informação e muitos, muitos livros. Em sua 16ª edição, a Primavera Literária – realizada de quinta (17) até este último domingo (20), no Museu da República, no Rio -, veio com a difícil missão de se reposicionar para fortalecer a marca das pequenas e médias editoras, num ano marcado pela crise que, claro, também afetou o mercado editorial. O Vai Lendo conversou com Michelle Strzoda, diretora da Babilonia Cultura Editorial, que esse ano fez parte da equipe de organização do evento e fez um balanço da atual situação dessas editoras, indicando também os desafios superados e os que já precisam ser pensados para o próximo ano.
Michelle ressaltou, no entanto, que é justamente nos momentos de maior dificuldade que surgem as ideias e soluções mais criativas. E foi esse, ela afirmou, o principal objetivo da Primavera Literária em 2016, que buscou se adequar às novas necessidades do público para trazer novidades e agregar à experiência literária.
“A inovação da Primavera Literária, esse ano, já começou pela viabilização do evento”, explicou Michelle. “Um evento como esse, gratuito, você faz na guerrilha. Tem que ter uma estrutura para as pessoas circularem com segurança, para termos todas as editoras e garantirmos ao público a experiência. Mas, para isso, você precisa ter um aporte de produção para poder levantar o evento. Para isso, sempre vamos atrás dos agentes financiadores. Criamos uma comissão local. Uma comissão organizadora para poder viabilizar o evento e nos dividimos. Botar isso de pé só no amor não funciona. Muita coisa a gente faz no amor, mas não paga a conta. E a Primavera consegue contemplar todos os nichos, desde infantil, juvenil, acadêmicos, territórios culturais. Só que apenas essa estrutura de feira de livros não se sustenta. Por quê? Porque as pessoas hoje são múltiplas e têm quilos de necessidades. Nós fazemos uma série de coisas ao mesmo tempo e um evento precisa dar conta dessa demanda, porque o leitor quer viver várias experiências juntas. A edição de 2016 da Primavera nasceu com essa necessidade, se reposicionou”.
O espaço público já assimilado pelo público, como o Museu da República, e a possibilidade de estreitar a relação entre os leitores e os profissionais que atuam diretamente no mercado editorial são pontos exaltados por Michelle como um diferencial da Primavera Literária. Ela, contudo, também firmou as novas atividades oferecidas, bem como os novos conceitos trazidos como destaques dessa edição.
“Nós trouxemos o conceito da bicicleta para o evento, que foi uma coisa que o Bikenomics (livro recém-lançado pela Babilonia) possibilitou”, afirmou. “A comissão organizadora falou ‘caramba, eles trouxeram um livro com pegada da bike, vamos fazer alguma coisa’. Pensamos juntos e fizemos uma praça de food bike, um bicicletário, uma oficina, a bicicleta esteve onipresente no evento dando uma nova cara. Outra inovação foi a questão das oficinas e workshops. Ninguém quer ficar mais só andando e se sentindo obrigado a comprar livros. Tivemos também as oficinas para o público infantil. Na Primavera, você pode conversar com o editor daquela empresa. Isso faz parte do DNA da feira. Você não consegue ter isso em outros eventos. A Primavera deu a oportunidade de falar com os agentes da cadeia produtiva. E isso é muito importante. Aqui é quem faz aquele livro e coloca ele de pé. E as pessoas querem isso, eles querem saber como funciona, têm curiosidade. Esse contato direto com o leitor ajuda a quebrar paradigmas. Você não fica só no digital. E tentaremos sempre preservar o DNA. Fazer com que os editores sempre estejam presente, na medida do possível, trazer os autores e ter esses autores se reposicionando, oferecendo um conteúdo em cima da sua obra para o público. Fora os descontos que oferecemos em obras que, muitas vezes, o leitor não consegue achar nas livrarias”.
Por falar em livrarias, a distribuição foi um ponto muito discutido e apontado como o principal desafio das pequenas e médias editoras, durante os quatro dias do evento, uma vez que há uma dificuldade para arcar com os custos nesses estabelecimentos. Michelle, por sua vez, reconheceu o problema, mas disse que é possível trabalhar junto com as livrarias e principalmente destacou que é fundamental abrir a mente para buscar novas alternativas no mercado, utilizando também o meio digital.
“Tudo é um custo e quem paga a conta é o editor, então, a solução é ocupar os espaços, novos espaços”, declarou. “Não é abandonar a livraria. É resistir na livraria e colaborar para que as livrarias também prosperem. De forma alguma queremos abominar as livrarias. Todo mundo tem que se fortalecer e colaborar, porque no mercado um depende do outro. Não é simplesmente rechaçar o mercado livreiro, mas trabalhar com frentes que vão muito além disso, tipo feiras que não sejam só de livros. Moda, por exemplo. Você tem livro sobre moda? Então vai para lá! Se o seu lance for games, vai atrás de onde o público de games está. Não espera o público chegar até você, você vai até o publico. Se una com parceiros que já tenham essa expertise. Não adianta ficar sentado esperando o milagre acontecer. Tem que se mexer. Crise, se tirar o ‘S’, vira crie. Eu acredito muito nisso. A questão do relacionamento e parceria. Ocupar espaços, fazer eventos alternativos em espaços não óbvios, que não seriam automaticamente ocupados por empreendimentos editorias. E trabalhar muito o digital também porque você já elimina o custo físico de ter alguém ali, o dia todo. No digital, o céu é o limite. Já vendi livro até para a China. Mas como eu chego nesse público? Eu preciso mapear previamente para, enfim, ir até esse público e engajá-lo para gerar a viralização”.
Sobre o futuro da Primavera Literária, Michelle confirmou ser um desafio ainda maior, devido à situação da Cultura no Brasil, mas garantiu que já estão pensando em novas soluções, inclusive uma parceria público-privada. Ela destacou ainda a preocupação e a necessidade de se repensar o modelo de negócios.
“A próxima Primavera será um desafio maior ainda, porque as secretarias de cultura estão sendo desmanteladas, e esse evento não tem sustentabilidade de bilheteria”, apontou. “O investimento apenas dos editores não levanta. Já foi feito um reposicionamento do evento esse ano e a tendência é que se reposicione ainda mais. Mas eu acho que o grande lance é trabalhar com outros agentes financiadores, além dos já tradicionais, públicos. Temos que ir em parcerias público-privadas. Só que é aí que está a dificuldade do livro, porque o livro é aquela história do patinho feio do produto cultural. Conversamos muito sobre isso no primeiro dia do evento. Sobre a viabilização, a revisão do modelo de negócios. E acho que esse é o desafio das editoras. Não adianta ficar só falando do problema da distribuição. Temos muita pouca força para mudar a lógica, mas é possível fazer uma revisão do modelo de negócios. O que podemos fazer que depende só de nós? Às vezes, falta um pouco de bom senso, tem um pouco de preguiça e medo do desconhecido.Temos que diagnosticar esse quadro enquanto é possível e trabalhar com as tendências. É um desafio enorme, mas temos que tentar nos reposicionar, precisamos disso. E é ótimo para o leitor. Os livros e os leitores ganham com isso”.
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