Dumplin’, de Julie Murphy | Resenha
‘Dumplin”: um livro incrível e necessário
Perfeição. Uma palavra cujo significado é bastante relativo. O corpo perfeito, o cabelo perfeito, o trabalho perfeito, a vida perfeita, o duplo twist carpado perfeito. Existe algo perfeito? Por que nunca estamos satisfeitos e sempre buscamos algo além daquilo que nos é oferecido ou simplesmente daquilo que já temos? Por que precisamos alcançar o padrão imposto pela sociedade? Na verdade, nós não precisamos. E é exatamente isso o que Julie Murphy mostra no incrível Dumplin’, lançamento da editora Valentina.
Em Dumplin’ conhecemos a história da adolescente Willowdean Dickson, gorda assumida, que sempre conviveu bem com o próprio corpo. O apelido Dumplin’, no caso, foi dado pela própria mãe (uma ex-miss). Aparentemente, a vida de Will corria tranquilamente junto com a sua melhor amiga Ellen, mas tudo muda quando ela conhece Bo, o lindo garoto da escola particular. Logo, ela se vê atraída pelo menino, mas nunca poderia imaginar que ele iria sentir o mesmo por ela. E é aí que Will perde completamente o controle de si mesma e surpreendentemente isso acaba afetando a sua autoestima. Para pior. A partir do momento que a garota começa a duvidar de si mesma e a se preocupar demais com o que os outros vão pensar, ela decide se recuperar fazendo algo inédito e, até então, impensável: se inscrevendo no Concurso Miss Jovem Flor do Texas. Só que ela não está sozinha nessa e terá a companhia de outras três amigas, também fora do chamado “padrão”. Então, Will irá mostrar a todos – e a si mesma – que ninguém precisa ser magricela para subir num palco.
Gente, Dumplin’ é um livro TÃO importante. Tem empoderamento e muita representatividade. Julie Murphy nos apresenta uma narrativa leve, divertida e profundamente sensível, que toca o nosso coração, nos faz refletir e nos estimula a olharmos para nós mesmos novamente. E nos aceitarmos. Nos amarmos por sermos apenas nós mesmos. De verdade. Cada personagem, cada ponto da história é desenvolvido de uma maneira tão verdadeira que o livro é praticamente uma terapia literária. Dá para perceber o cuidado da autora para não criar estereótipos superficiais e tratar os assuntos abordados de maneira sutil, porém bastante clara e objetiva. Para que o leitor pudesse, de fato, absorver cada linha, cada diálogo. E isso é muito necessário. Porque Dumplin’ não é mais um livro adolescente de romance, redenção, de volta por cima e aceitação. É muito mais do que isso. Dumplin’ é a realidade. Uma realidade dura, cheia de preconceitos, dor e de pessoas que se privam das coisas por acharem que não são merecedoras.
Will é sensacional. Ela é tão “de verdade”, sabe? Tão bem construída que a gente consegue se ver nela, a gente quer ser amiga dela. Determinada, corajosa, inteligente, forte e, ao mesmo tempo, insegura, receosa. Humana. Will é uma adolescente normal, com seus defeitos e qualidades que lhe tornam única e muito especial. O peso, inicialmente, nunca fora um problema. Até o momento que ele se torna o seu verdadeiro inimigo. Aliás, o peso faz com que Will seja a sua pior inimiga. É quando ela acha que precisa seguir as regras de uma sociedade que só liga para a aparência, como se a sua personalidade não importasse. Essa transição do livro é bastante incômoda e triste, porque é muito difícil vermos Will se transformar naquilo que sempre detestou. É difícil estarmos “de fora” observando como os julgamentos externos podem destruir a essência de uma pessoa e impor tanto sofrimento. Tudo por causa de um corpo. Um corpo, gente. Corpo esse que ninguém tem igual. E nunca terá. Até porque, se fôssemos todos iguais, desconfio de que iríamos enjoar de nós mesmos rapidinho.
Com o livro narrado em primeira pessoa, era muito importante que Will conseguisse carregar bem a trama. Que ela conseguisse se conectar com os leitores. E isso acontece. Eu tô completamente apaixonada por ela. E também pelos outros personagens. Porque, embora a protagonista seja incrível, os outros a completam e são responsáveis pela sua evolução. A relação de Will com Ellen, por exemplo, me fez voltar no tempo, à minha própria adolescência. A autora conseguiu criar uma dinâmica entre as duas tão bonita. Elas não poderiam ser mais diferentes, e essa amizade não poderia ser mais verdadeira. Em todos os momentos (até mesmo nos piores). E o que falar de Millie, Amanda e Hannah? Que quarteto fantástico elas formam com Will. E que lição aprendemos com cada uma delas. Até mesmo a mãe de Will é fundamental para a trama. Talvez, não da maneira que a gente espera que uma mãe aja (que vontade que eu tive de dar umas boas sacudidas nessa mulher), mas suas atitudes ajudaram a garota a amadurecer e a se fortalecer (ainda que precoce e forçadamente). Até mesmo aqueles personagens que fazem aparições especiais roubam a cena e nos colocam um sorriso no rosto (já estava quase indo para o Texas só para me encontrar com Lee e Dale). E, claro, Bo. Seria Bo o cara perfeito? Lógico que não. E é por isso que nos apaixonamos por ele também (desculpe, Will). Bo tem os seus problemas, os seus segredos, mas não se importa de expor os seus sentimentos por Will e, até mesmo, as suas fraquezas. Apesar do seu jeito um pouco torto de demonstrar, Bo enxerga Will de verdade. Como ela é. E é assim que o amor tem que ser. O verdadeiro. Sem rótulos ou julgamentos. Lucy, por sua vez, também tem uma presença tão forte na trama que, em todas as vezes em que ela foi citada, eu tive uma sensação de reconhecimento. Muito louco isso! E como eu queria conhecê-la melhor.
Julie fez um trabalho tão necessário nesse livro, e eu espero que ela tenha consciência disso e seja reconhecida pelos leitores. Ninguém é só um corpo. Não é o peso, a altura, a estética que nos definem. Nós somos muito mais do que isso. Temos características próprias com as quais nos sobressaímos à nossa maneira. Todo mundo, pelo menos uma vez na vida, também se deixou levar por essa noção absurda de beleza. Já tentou se encaixar nesses padrões que simplesmente não existem. Todos nós somos Dumplin’. E todos nós somos maravilhosos. Dumplin’ me fez sentir um orgulho danado. De Will, de mim, do ser humano que consegue ver além das aparências. Eu fiquei muito agradecida por esse livro e muito emocionada. Eu sei que no início da resenha eu questionei o conceito de perfeição, mas, para mim, Dumplin’ é realmente perfeito. Aliás, minto. Ele tem, sim, um defeito: ele acaba.