Tartarugas Até Lá Embaixo, de John Green | Resenha
‘Tartarugas Até Lá Embaixo’: John Green em sua melhor forma
Como controlar aquilo que não tem controle? A nossa mente pode ser um refúgio, mas também uma prisão. Um lugar no qual nossos maiores medos podem virar os mais sombrios e assustadores pesadelos. Os transtornos mentais precisam ser levados a sérios. Precisam ser explorados e debatidos. Eles não podem mais simplesmente excluir e limitar as pessoas. Pelo contrário. É fundamental que quem sofre com isso saiba que não está sozinho. Que não precisa passar por isso sozinho. E que não será isso que vai ditar as regras da vida para sempre. Não mais. Felizmente, temos John Green para falar sobre esse assunto de uma maneira leve e muito, muito profunda e emocionante em Tartarugas Até Lá Embaixo, seu novo livro publicado pela editora Intrínseca, cuja resenha fecha a nossa participação na Semana Especial promovida pela editora.
Na obra, acompanhamos Aza Holmes, uma jovem de 16 anos que resolve entrar numa busca, junto com a sua melhor amiga, Daisy, por um bilionário desaparecido, pai de um amigo de infância. Tudo isso por uma boa recompensa em dinheiro. O problema é que, em meio à aventura, Aza precisa lidar com o próprio transtorno obsessivo-compulsivo (TOC) e os dilemas da juventude.
Tartarugas Até Lá Embaixo é John Green em sua melhor forma. Depois de seis anos sem um livro novo, o autor nos presenteia com um trabalho extremamente pessoal, delicado, sério e intenso. Falando com a propriedade de quem sofre desse distúrbio, Green novamente nos cativa com sua narrativa quase despretensiosa, porém forte e reflexiva. E nos traz personagens carismáticos e verdadeiros, daqueles dos quais desejamos ser amigos, dar um abraço e dizer que vai dar tudo certo.
A mente de Aza é simplesmente inacreditável. A maneira como ela entra em conflito consigo mesma e tenta enfrentar os fantasmas que a atormentam é tão real que incomoda. Sufoca. E nos joga naquela espiral afuniladora junto com a protagonista. Aza é apenas uma adolescente, e a gente não consegue parar de pensar ao longo da leitura em como é injusto que uma jovem, ou melhor, qualquer pessoa, tenha que passar por isso. É assustador para nós que estamos lendo. Imagina para quem passa por isso. Tive um episódio de pânico forte, uma vez. Meu corpo paralisou. Literalmente. É algo que eu não gosto nem de lembrar. Quem realmente entende o que significa sofrer de algum transtorno mental consegue se conectar facilmente com Aza. É preciso ter paciência, solidariedade e principalmente empatia. E Green soube representar isso muito bem com os demais personagens do livro.
Falando neles, temos Daisy, a melhor amiga. Daisy é a personagem mais humana da história. Tanto de maneira positiva quanto negativa. Porque não é fácil para quem sofre disso, mas também não é nada fácil para quem está do lado, convive. Se a própria pessoa não consegue entender o que se passa direito em sua mente, imagine quem está de fora. É muito interessante e importante que Green tenha apresentado essa perspectiva também. Daisy e Aza são fundamentais para o amadurecimento uma da outra, e é muito bonito acompanhar o fortalecimento dessa amizade e o respeito que ambas aprendem a ter uma pela outra, por suas falhas e inseguras.
Quanto a Davis, confesso que achei a história do pai bilionário sumido um pouco superficial, principalmente o seu desfecho, mas nada que tenha incomodado ou prejudicado a leitura. De forma alguma. Porque essa trama paralela serviu para Green abordar outros aspectos da realidade de muitos jovens que também afetam – às vezes, de maneira permanente – o seu psicológico. São outros problemas, outras realidades. E Davis é muito importante ainda para Aza se redescobrir e aprender a ter força de vontade para lutar. Para tentar resistir. É linda a maneira como eles vão se abrindo um para o outro, para si mesmos. E como um ajuda o outro a ver que há mais na vida.
Gostei muito também da dinâmica entre Aza, sua mãe e a psicóloga. Tudo muito real, muito verdadeiro. A superproteção da mãe que, mesmo com todo o cuidado, carinho e atenção, não percebe que precisa dar o espaço e a chance de Aza lutar as próprias batalhas. E a racionalidade e serenidade da psicóloga que ajuda Aza a assumir aquilo que mais lhe aterroriza.
A forma como Green “traduz” os conflitos da mente de Aza é quase visceral. Esse livro me tocou profundamente. Me tocou pela angústia de Aza de querer sair da prisão de sua própria mente. Me tocou por saber o quão também não deve ter sido – e ainda deve ser – difícil para o próprio Green. Cada um de nós, algum dia, já teve que lidar com a sua própria prisão. Alguns – muitos – ainda precisam enfrentar isso diariamente. Não é fácil. É muito, muito assustador mesmo. Desesperador. Mas pessoas como Green, como Aza, nos ajudam a entender melhor, a buscar ajudar, a ter forças. Obrigada por compartilhar, Green. Obrigada por falar. Obrigada por libertar.