Sorrisos Quebrados, de Sofia Silva | Resenha
Como curar não apenas um coração quebrado, mas uma alma também? Como voltar a confiar quando todas as nossas proteções foram destruídas e o nosso amor-próprio já nem existe mais? A violência doméstica existe e precisa ser debatida, exposta, em todos os seus tons mais sombrios. Porque ela não traz apenas danos físicos. Os psicológicos são tão profundos quanto os hematomas na pele. Tão cruéis quanto as agressões sofridas. Tão sérios que também são capazes de matar. E isso precisa ser levado em conta. As vítimas precisam de ajuda, de assistência. As pessoas PRECISAM se importar. A escritora Sofia Silva nos traz um relato extremamente duro e poético sobre essa situação em Sorrisos Quebrados, publicado pela editora Valentina.
Sorrisos Quebrados é um livro fundamental. A seriedade e a sensibilidade de Sofia Silva para tratar de um assunto tão pesado e tão delicado emocionam profundamente. E machucam. Dói – e muito – o coração ao ler cada página, cada linha que a autora portuguesa escreve para nos conscientizar, para mostrar o quão importante é priorizarmos a vítima de uma violência doméstica e suas sequelas. Em entrevista ao Vai Lendo durante a Bienal, Sofia explicou que sua prioridade era falar do “depois” da violência doméstica. Na condição dessas vítimas ainda tão rejeitadas e desprezadas por boa parte da sociedade, que ainda teima em culpá-las. E esse, para mim, é, de fato, o ponto forte do livro. Porque ele nos faz pensar no ser humano, acima de qualquer coisa. No quão machucada física e psicologicamente uma pessoa que viveu esse pesadelo pode ficar, sem que tenhamos essa dimensão.
Paola é uma protagonista incrível. Não consigo sequer imaginar passar por uma situação ao menos parecida com a sua. O prólogo de Sorrisos Quebrados é de embrulhar o estômago e atingir em cheio aquela parte do nosso inconsciente na qual se escondem os nossos maiores temores. É simplesmente visceral e absurdamente incômodo. Como tem que ser para que os leitores tenham, pelo menos, uma dimensão dos horrores que uma pessoa é capaz de cometer com outra. Mas, acima de tudo, Paola é extremamente importante como referência, como um sopro de esperança e de coragem para quem já passou por isso. Mesmo com todas as dificuldades e restrições que foram impostas covardemente à personagem, ela ainda conseguiu forças para sobreviver. Ou melhor, renascer. E principalmente ser feliz. Sem qualquer tipo de autopiedade – que seria justificável e plausível -, Paola tem, sim, todas as sequelas da brutalidade que sofreu e é emocionante vê-la buscando novas cores para a sua vida.