A Forma da Água, de Guillermo del Toro e Daniel Kraus | Resenha
‘A Forma da Água’: a sensibilidade de onde menos se imagina
“A beleza está nos olhos de quem vê”. Essa é uma expressão que podemos ver representada de várias formas e linguagens na obra de Guillermo del Toro. O cineasta, roteirista e produtor mexicano possui uma capacidade incrível de extrair as coisas mais belas dos seres mais exóticos, ou melhor, assustadores. E, mais do que isso, eles nos oferece sempre um aprendizado. Como em A Forma da Água, livro escrito em parceria com Daniel Kraus e publicado aqui no Brasil pela editora Intrínseca, que deu origem ao filme vencedor do Oscar 2018.
Na história, o oficial do governo norte-americano Richard Strickland é enviado à Amazônia para capturar um ser místico e, até então, desconhecido, que seria utilizado para fins militares nos Estados Unidos, na época da Guerra Fria. O chamado deus Brânquia é uma criatura com guelras, um homem-peixe que representa todo o sacrifício e tudo aquilo no que ele se transformou e detesta: um homem selvagem, quase irracional. Mas Elisa Esposito, uma das serventes que trabalha no centro de pesquisa para onde o deus Brânquia é levado, vê na irreverente criatura um novo sentido para a sua vida tão silenciosa e invisível. E, assim, Elisa e Richard travam uma batalha pela vida do homem-peixe.
Essa foi a minha primeira experiência de ler um livro depois de ter assistido ao filme, uma vez que a obra literária foi lançada aqui no Brasil após a estreia da produção cinematográfica. Sempre faço o contrário. Exatamente por preferir ter uma visão mais aprofundada e desenvolvida da história e criar as minhas próprias percepções e impressões. E foi justamente isso que me agradou em A Forma da Água. Confesso que estava bastante receosa de a leitura não me prender por já saber o que acontecia, mas fui positivamente surpreendida. A narrativa não apenas me prendeu, como me trouxe uma visão completamente diferente da que eu havia construído com o filme.
Achei muito interessante a maneira como o livro consegue ser praticamente um complemento ao filme. Uma obra não anula ou “compete” com a outra. O texto traz um aprofundamento muito importante de todos os personagens e nos incita a refletir sobre tudo aquilo que ajudou a construir a essência de cada um. Gostei particularmente de conhecer melhor as histórias de Zelda (êta personagem maravilhosa em todas as versões!), Elaine Strickland e, acreditem se quiserem, do próprio Richard. Richard é um personagem asqueroso, desprezível. Representa todo o tipo de retrocesso. No entanto, a maneira como ele é formado, como ele próprio vai se deteriorando é assustadora e chega a ser incômoda. Mas é importante para entendermos todo o contexto e as suas próprias convicções.
Já a parte do romance, por incrível que pareça, foi no filme que eu consegui me envolver mais. Não sei explicar bem o porquê, mas, no livro, ainda que as passagens sejam muito bem escritas e tocantes, principalmente por termos uma descrição quase poética dos pensamentos de Elisa e do que ela e o deus Brânquia representam um para o outro, achei que faltou uma emoção a mais. Mas nada que tire o valor e a simbologia dessa relação.
O fato é que Guillermo del Toro sabe como contar uma história. Mais do que isso, ele sabe como criar personagens tão diferentes, tão incomuns. Desde O Labirinto do Fauno tenho uma profunda admiração por seu trabalho. Sua forma quase lúdica de recontar, de criar e sua sensibilidade tocante nos fazem viajar por esses mundos tão fantásticos e sobrenaturais. Aliás, outro ponto positivo para del Toro (em minha humilde opinião de leitora medrosa): ele é um dos únicos – se não o único – que consegue nos fazer ver os monstros de uma nova maneira. Livres de julgamentos, de pré-conceitos. Ele nos faz ter empatia por criaturas que geralmente são colocadas em posições inferiores ou para nos provocar o medo. del Toro desmistifica esse medo. Em seus contos de fadas sombrios, em vez de nos apavorar, eles nos aproxima.