O Que Alice Esqueceu, de Liane Moriarty | Resenha
‘O Que Alice Esqueceu’: Liane mostra que podemos mudar sem apagar as lembranças
Na trama, Alice Love tem 29 anos e a certeza de que tem a vida que sempre quis: está casada com Nick, seu grande amor, espera o primeiro filho e tem uma família amorosa composta por sua irmã, mãe e avó. O que ela não esperava é que essa vida fosse virar de cabeça para baixo ao acordar no chão de uma academia e descobrir que 10 anos se passaram! À medida que Alice tenta montar os fragmentos da sua memória e relembrar tudo o que aconteceu nesse período de tempo, ela percebe que ela mesma está diferente. Virou praticamente outra pessoa. E uma pessoa de quem ela não está gostando.
A Intrínseca acertou em cheio ao relançar este romance de Liane, autora com uma capacidade incrível de discorrer e debater sobre as mais variadas questões referentes à vida, à família, ao casamento. E, neste livro, não é diferente. Pelo contrário. Parece estar ainda melhor, mais leve, porém, ao mesmo tempo, com a mesma seriedade e objetividade que tanto nos prendem durante a leitura. Liane é implacável, direta, dura. Mas também é possível perceber a sensibilidade, a humanidade em sua narrativa.
Alice é uma de nós. Poderia ser qualquer uma de nós. Assim como boa parte das protagonistas de Liane. E isso é o que mais comove. A escritora destrincha tão bem as personalidades e desenvolve as personagens de uma forma tão simples e verdadeira que é impossível não nos envolvermos, identificarmos, relacionarmos. A Alice de quase 40 anos, para espanto da, então, Alice de 29 anos, é praticamente a representação da mulher moderna. Ocupada, multifuncional, atarefada, mãe, esposa, profissional. Quase hiperativa, tamanhas as obrigações, os compromissos e aquela necessidade de conseguir fazer milhões de tarefas ao mesmo tempo. Muito diferente da Alice de 29 anos descolada, leve e despretensiosa.
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Ainda assim, Alice é tão carismática, tão cativante. É divertido, mas também meio desesperador, acompanhar a sua incredibilidade mediante à perda de memória e o seu esforço para entender e principalmente consertar as coisas. Se consertar. Consertar o seu casamento, a sua família, a sua vida. Com Alice, Liane conversa conosco e nos leva a refletir se, de fato, precisamos que tudo seja tão acelerado. Se tudo realmente é tão imprescindível, inadiável. Se vale o sacrífico do tempo com aqueles que amamos pelo dinheiro, pelo status, por uma situação confortável. Através de Alice, a autora também debate novamente questões matrimoniais. A vida doméstica. A realidade nua e crua. Por que é tão fácil desistir quando as coisas apertam? Ao menor sinal de problemas, é melhor jogar tudo para o alto? As pessoas estão realmente deixando de lado o amor pela comodidade? Pelo cansaço?
Além da protagonista, O Que Alice Esqueceu também nos presenteia com inúmeras personalidades tão fortes e marcantes, cada uma trazendo um novo aprendizado. Outra reflexão. Temos Elizabeth, a irmã de Alice, que traz uma luta diária e cruel das mulheres e uma perspectiva muito íntima sobre um assunto tão delicado. Temos Barb e Frannie, esta última, a avó do coração, que rende boas risadas com seu jeito moderno (super antenada!) e conciliador; temos Nick, um retrato claro do homem contemporâneo; Ben; e, claro, Madison, Tom e Olivia, os três filhos que Alice nem imaginava que teria. O trio é parada dura e uma ótima forma que Liane encontrou de falar sobre questões relacionadas à maternidade (a parte complicada e pouco explorada) e ao bullying.
Às vezes, parece que estamos sufocados. Que a rotina é implacável. Que os dias deveriam ter mais horas. Às vezes, gostaríamos apenas de esquecer e recomeçar. Mas geralmente são esses dias também que nos mostram o quão fortes somos. O quão sólido é o amor, capaz de perdoar, de entender, de respeitar. O Que Alice Esqueceu diz que saber parar é importante. Ceder. Cuidar. E, acima de tudo, não é demérito, muito menos, um retrocesso, se reinventar. Não precisamos esquecer para mudar. Podemos mudar por nós mesmos, por aqueles que amamos. Pode ser em cinco ou dez anos. Nunca é tarde para isso.
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