Todo Dia, de David Levithan | Resenha
Publicado em 2013 pela Editora Record, Todo Dia, de David Levithan, foi um dos melhores exemplos de livros modinha. A história da pessoa que, a cada dia, habitava um novo corpo foi tomando o booktube, os blogs literários, os bookstagrams e tantos outros perfis literários com a velocidade da luz. Como pessoa bastante atualizada, só comecei a leitura este ano, às vésperas da estréia do filme. Contudo, antes tarde do que nunca, não é? Apesar da leitura tardia, o resultado acabou bem similar àqueles de todos os outros canais: afinal, como não amar Todo Dia?
David Levithan criou um personagem peculiar em Todo Dia. A parece ser uma pessoa dotada de uma vida diferente: todo dia ele acorda em um novo corpo de alguém da sua idade. Desde que ele se lembra, sua vida foi assim. Quando abre os olhos, está em um novo quarto, em uma nova casa, com uma nova família. Gradualmente, A aprendeu a afetar o mínimo possível a vida daquela pessoa que, no dia seguinte, só fica com memórias básicas sobre o dia anterior.
Tudo ia bem, até ele habitar o corpo de Justin, um menino de dezesseis anos que podia ser só mais um na lista, porém, através dele, A conhece Rhiannon. E, aí, sua vida muda completamente. O amor é a novidade máxima e A não estava disposto a deixá-la escapar. Com isso, o segredo de sua situação é ameaçado e a incerteza sobre o futuro da relação paira sobre quase todas as 280 páginas do livro.
Tolerância, compaixão e limites
É bem capaz de você já ter ouvido para ‘se por no lugar de alguém’ em algum momento da sua vida. Essa frase indica justamente uma pausa para refletir e ter mais compaixão e, assim, desenvolver mais tolerância para o problema ou situação do outro. Teoricamente, a premissa é que essa pausa funcione e você consiga atingir o objetivo. Parabéns, você passou para um novo nível no jogo do aprendizado da vida! Imagine A, então.
Ele já foi baixo, alto, magro, gordo, branco, negro, asiático, homem, mulher, trans, héteros, gay, cego; já teve depressão, sentiu índoles, caráteres duvidosos. A foi de tudo um pouco e, ao que parece, ainda será mais. Isso, contudo, desenvolveu em sua personalidade os traços de bondade, respeito e tolerância. Constantemente, nós aprendemos com ele a respeitar o limite de uma pessoa, a tentar entender as imperfeições e as nuances da vida de cada um, assim como as vontades e a identidade de cada um.
Entretanto, A não é perfeito. Quando se apaixona, essas características se tornam nebulosas e, muitas vezes, ele tem ações egoístas, prejudicando seu hospedeiro. Esse, todavia, é um dos plots a serem desenvolvidos no livro. Sobretudo, a questão da tolerância e da aceitação é fundamental para Todo Dia. Não só para A, como também para Rhiannon. A menina se vê numa situação única e sua reação é, acima de tudo, muito humana. Ela respeita seus próprios limites, sem desrespeitar o próximo.
Nem tudo são flores
Todo Dia é aquele tipo de livro que você devora. Li em dois dias e senti aquele vão quando terminei a última página. Queria mais momentos com A e seu olhar justo para com as diferenças. Ainda assim, o livro deixa o leitor sem respostas para várias questões. Por que A é do jeito que é? De onde a espécie – se for uma nova espécie – veio? O que ele fará agora que – spoilers sobre o final! – sabe que pode ficar mais do que um dia no corpo de uma pessoa? Algum dia ele vai tentar?
Essas e outras perguntas ficaram sobrevoando a minha cabeça no final da leitura. Mas há sempre a possibilidade, que eu acredito, inclusive, tenha sido o caso, da intenção do autor ser esta mesmo. Trabalhar a mensagem de aceitação e tolerância, além de toda a questão dos limites humanos, em vez de se jogar em um ambiente mais perto da ficção-científica, que me lembrou bastante A Hospedeira, da Stephenie Meyer, diga-se de passagem. Contudo, eu confesso que queria que tivesse mais informações, mais tempo sobre essa ótica da história.
Ainda assim…
Não há como dizer que Todo Dia é um livro ruim. A escrita de Levithan captura nas primeiras páginas, com leveza e objetividade, sem soar frio ou apressado. Além disso, você quer saber o que será da improvável história de amor entre A e Rhiannon.
Todo Dia exercita nossos músculos do respeito e aumenta nossa capacidade de sentir. Cada página nos leva para um novo lugar no mundo, por menor que seja o perímetro do deslocamento do protagonista, porque cada olhar, cada vida é única e precisa ser valorizada. Todo Dia é um livro de leitura obrigatória, sabe? Indicado para aqueles que precisam ver o mundo com olhos mais brandos e para aqueles que já o fazem, mas não se cansam de treinar sua gentileza.
E fica uma dica: Outro Dia é a recontagem dessa história sob o olhar de Rhiannon que, além de passar por essa saga peculiar, vive um relacionamento abusivo e dificuldades com sua família. Eu ainda não o li, mas fiquei com bastante vontade, principalmente após assistir o filme, que tem crítica no Anatomia Pop.
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