Nuvem de Terra, de Plácido Berci | Resenha
Nuvem de Terra: para além de nossas bolhas
É impossível começar essa resenha de Nuvem de Terra – o mais novo livro de Plácido Berci, lançado pela editora Globo Livros – sem antes fazer um desabafo, com alguma (para não dizer muita) vergonha.
Lembro-me vagamente de escutar coisas sobre o Quênia em algumas aulas de História da África na faculdade, mas basicamente meu conhecimento sobre o lugar se resumia a Lupita Nyong’o (primeira atriz queniana a ganhar um Oscar, na categoria de Melhor Atriz Coadjuvante), Paul Tergat e à fama do país por seus corredores fantásticos e…Nairóbi. Sim. Por conta de La Casa de Papel.
Mesmo com muito embaraço, eu precisei dividir essa minha ignorância com vocês antes de falar do livro do Plácido, que foi o primeiro correspondente esportivo brasileiro no Quênia ao ser contemplado pelo Passaporte SporTV, no ano da Olimpíada do Rio, em 2016. Isso porque o cerne do livro está justamente em quebrar paradigmas e estereótipos, levando nós, leitores, para esse lugar que é distante da nossa realidade cultural, mas é, sobretudo, pré-julgado por nossa falta de informação.
Nele, o personagem principal – o próprio autor – passa por esse mesmo processo de desconstrução ao longo de sua jornada. Com uma escrita que se assemelha a um diário, Plácido divide com a gente suas primeiras impressões, o medo de estar em uma terra tão estrangeira (em todos os sentidos da palavra), as amizades que, aos poucos, ele constrói com moradores (pensa em uma pessoa boa de fazer contatos!) e, ao longo da leitura, percebemos surgir um outro Plácido Berci, mais confiante em seus trabalhos e com um olhar generoso ao outro (que já nem parece tão distante). E, assim, leitor e protagonista fecham essa história completamente transformados pelo tempo que passaram no Quênia. Que mágica que é a literatura, não é? Multiplicar experiências através de palavras.
Para além da riqueza de detalhes e informações sobre a realidade na África, em especial no Quênia, o livro também é uma jóia para quem se interessa por televisão e jornalismo. Confesso que foi essa pegada de “bastidores da notícia” que me chamou a atenção em um primeiro momento – e a obra superou as minhas expectativas. O clima das reportagens relatado por Plácido era sempre solitário (ele pensava no texto, gravava e editava, tudo sozinho) e, ao mesmo tempo, cheio de surpresas, com personagens fantásticos que apareciam pelo caminho para ajudar o autor. Destaco aqui o motorista de Berci, que faz o papel de aliado e, às vezes, camaleão. Um personagem simpático e essencial, que guia (!) a história de ponta a ponta e que nos rende momentos de desconfiança, tensão, tristezas e alegrias.
Seja como for, Nuvem de Terra é um livro essencial, que não se resume a nichos esportivos ou jornalísticos. É um relato que nos faz ver além da fina camada de poeira que encobre a nossa bolha.