A Caça, de M. A. Bennett | Resenha
‘A Caça’: privilégio de quem?
Ter privilégios. Vantagens. Ser o melhor. O favorecimento, no entanto, não define caráter. Pelo contrário. Às vezes – quase sempre -, é capaz de esconder a essência mais sombria e egoísta do ser humano. E é nesse mundo de status, reputações e poder que se desenvolve a trama de A Caça, de M. A. Bennett, publicado pela editora Arqueiro.
Na história, Greer MacDonald precisa se adaptar à nova escola STAG, o colégio interno mais antigo e tradicional da Inglaterra, onde entrou como bolsista. O problema é que lá, ela convive com alunos ricos e privilegiados, exatamente o que ela não é. Até que, um dia, ela recebe um convite de Henry de Warlencourt, garoto mais popular do colégio, para um evento exclusivo e restrito. O que ela não poderia imaginar é que esse “sonho” pode virar um pesadelo mortal.
A Caça me surpreendeu. Diferente do que eu imaginava que seria. Mas eu gostei, e muito. Gostei da dinâmica da narrativa e de como a autora incita o debate sobre privilégios, desigualdade social e o embate entre o tradicional e o tecnológico. Tudo muito pertinente, muito atual, apesar do conservadorismo exacerbado representado na ideologia e nos alunos/funcionários da STAGS. Embora seja um conservadorismo não tão ficcional assim, se pararmos pra pensar e analisar como está o mundo atualmente.
A construção da essência e dos propósitos dos medievais – o grupo dos populares liderado por Henry -, bem como os de Shafeen e Nel, foi correta e eles evoluíram bem, ao longo da trama. Mas tenho as minhas dúvidas quanto à protagonista. Quando terminei o livro, fiquei na dúvida se realmente gostei ou não de Greer. Talvez, não totalmente em ambos os sentidos. À princípio, Greer mostrou muito potencial. Cheia de personalidade, femininista e dona de si, sem se preocupar com a superficialidade e a futilidade alheias. Mas senti que isso, no decorrer da história, foi mudando. Apesar de, toda hora, eu me policiar para lembrar que Greer era apenas uma adolescente com profundas questões pessoais, seu deslumbramento em meio à realidade dos medievais me incomodou bastante. Principalmente quando esse deslumbramento afetava a sua percepção e, acima de tudo, o seu julgamento.
No geral, contudo, a trama me prendeu. Apesar do excesso de detalhes capazes de embrulhar o estômago, entendo que essa crueldade, essa narrativa seca e direta são necessárias para causar a reflexão e o impacto que, eu imagino, sejam o objetivo da autora. E, de fato, funcionou. Pelo menos, para mim. Assim como as reviravoltas que deram aquela sensação agridoce de surpresa, euforia e revolta.