Black Hole, de Charles Burns | Resenha
Uma praga se alastra entre adolescentes, deixando os infectados com uma aparência grotesca. Para essas aberrações, não resta outra alternativa senão a exclusão. Topa embarcar na alucinógena trama de Black Hole?
Há tempos procurava uma trama de terror para ler em quadrinhos. Até que, em um evento da DarkSide Books, em 2018, ao conhecer alguns dos títulos da editora, Black Hole, de Charles Burns, chamou a minha atenção. Na ocasião teve até um sorteio, mas não rolou para mim. Meses mais tarde, comprei o livro. Devorei rapidamente a obra, porém, como fazer uma resenha de uma Graphic Novel?
Esse foi o desafio. Não estou acostumado a resenhar este tipo de publicação. Assim, acabei postergando e, depois de refletir bastante, decidi me ater à narrativa, onde tenho mais segurança.
Black Hole é uma premiada publicação que se passa nos arredores de Seattle, extremo noroeste dos Estados Unidos, em meados da década de 1970. A obra narra a disseminação, através do contato sexual, de uma praga inominável e traiçoeira entre os adolescentes. Em cada jovem, a doença se apresenta de maneira diferente, podendo ser algo sutil e fácil de ocultar, como uma mancha na pele, ou algo monstruoso. Um caminho sem volta! E, para estas aberrações, não há alternativa além do autoexílio em acampamentos precários, na floresta que circunda a região.
No começo da leitura da Graphic Novel, fiquei um pouco desnorteado. Devaneios. Festas. Drogas. Sexo. Contaminação. Adolescentes com hormônios em fúria. Várias tramas paralelas. Tudo era tão louco que me senti chapado, talvez (e acredito nisso), uma confusão inicial proposital. Um “boas-vindas” para a atmosfera insana de Black Hole.
Em seguida, já situado nesta loucura, pude me deliciar com uma trama evolvente, aterradora e que me proporcionou algo além do show de horrores que eu já ansiava. Em vez de pesadelos, fui arrebatado pelas mais variadas reflexões sobre juventude, liberdade sexual, doença e exclusão. E foi fantástico!
Black Hole é um retrato angustiante da juventude da década de 1970, mas que poderia se enquadrar em tantas outras gerações, como a atual. Alheios ao mundo, os jovens retratados buscam explorar o novo, ao mesmo tempo que tentam driblar a falta de perspectiva e as dificuldades no autodescobrimento. Tudo sem floreios. Escancarado. Doído.
A narrativa problematiza, entre outros temas, a questão da liberdade sexual, abordando o revés desta conquista. Um misto pelo anseio de explorar novas sensações e o terror dos possíveis danos causados por esta abertura. As consequências dos atos da juventude passam a ser permanentes, acompanhando estes adolescentes até a fase adulta.
Através do terror e de elementos do grotesco, Charles Burns transforma a doença (algo que pode ser visualmente omitido) em algo aparente, repugnante. Retrata o isolamento daqueles que são esteticamente “fora do padrão”. Fala de preconceito, dos transtornos causados pela exclusão e de aceitação.
Fiquei impressionado com a capacidade reflexiva da leitura de Black Hole. Esperava mergulhar em um mix de sensações que o terror é capaz de oferecer, mas me deparei com algo maior. Uma leitura fantástica e uma experiência enriquecedora.
Título: Black Hole | Autor: Charles Burns | Tradutor: Daniel Pellizzari | Editora: DarkSide Books | Páginas: 385