Entrevistas

Entrevista: Frances de Pontes Peebles

Com colaboração de Renata Bacellar
Frances de Pontes Peeble / Divulgação

Ela pode até ter sido criada nos Estados Unidos e morar lá atualmente, mas o sotaque pernambucano é inconfundível e delicioso. Frances de Pontes Peebles tem os pés em dois lugares diferentes no mundo. Nascida em Recife, a autora de Tempo de Graça, Tempo de Dor e de Entre Irmãs, ambos publicados pela editora Arqueiro, foi criada em Miami, Flórida. E, apesar de toda a sua formação também ter sido em solo norte-americano, o amor pelo Brasil nunca foi esquecido. Tanto que a sua terra natal foi o lugar escolhido para ambientar os seus dois romances.

“Eu me sinto brasileira e americana, sou as duas coisas, então eu escrevo muito sobre o Brasil nas minhas histórias”, explicou Frances em entrevista exclusiva ao Vai Lendo. “É engraçado porque meus contos nem sempre acontecem no Brasil, mas os romances são sempre aí. Eu acho que é uma maneira de ficar mais próxima do país. Eu estou aqui nos Estados Unidos agora. Eu voltei do Brasil em 2012 (ela sempre veio muito ao país – sua filha, inclusive, nasceu aqui – e, em 2009 chegou a morar aqui por quase quatro anos para ajudar a cuidar da fazenda da família) e eu realmente moro no Brasil na minha imaginação (risos), então é uma maneira de sempre voltar e homenagear este lugar, este país que eu amo muito. Minha irmã, meus pais e toda a minha família estão aí. Por isso, para mim, escrever sobre o Brasil é uma coisa super natural, que eu faço com o maior prazer e também com o maior cuidado porque eu quero, nos livros, mostrar um Brasil rico culturalmente e também um Brasil rico em detalhes, um Brasil real, um Brasil que realmente as pessoas de fora não conhecem. Um Pernambuco com os cangaceiros, a história do samba… Eu realmente gosto de escrever sobre o Brasil, mas quem sabe no futuro eu não escrevo um pouco sobre os Estados Unidos? Ou outro planeta (risos)? Ou outro lugar?”.

E como é escrever sobre o Brasil para o público americano? Porque aqui a aceitação de obras e autores internacionais está mais do que consolidada no mercado editorial (às vezes, preterindo até os escritores nacionais). De acordo com Frances, a recepção do seu trabalho pelo público norte-americano foi bastante positiva, principalmente pelo fato de expandir o conhecimento e modificar as impressões limitadas que eles tinham sobre o país e a nossa cultura.

“Especialmente com o primeiro livro, Entre Irmãs, que nos Estados Unidos é chamado The Seamstress (A Costureira), eles acharam muito bacana porque não sabiam que tinha, por exemplo, sertão no Brasil”, contou. “Eu acho que as pessoas pensam que o Brasil é Rio de Janeiro e Amazonas, apenas. E não percebem que o Brasil é um país enorme, com vários ecossistemas e vários estados e lugares diferentes. Então, isso chamou a atenção deles, e os leitores americanos não entendiam o que era a caatinga, o Nordeste e, enfim, o sertão”.

Outro ponto curioso apontado pela autora, no que diz respeito ao comportamento dos leitores em ambos os países, é o fato de, nos Estados Unidos, as pessoas terem uma certa resistência a livros grandes. E Frances destacou que gosta de escrever de maneira mais detalhada para facilitar a imersão do leitor em suas histórias. O importante, no entanto, é o carinho recebido, especialmente aqui no Brasil.

“Me chamou a atenção e eu achei engraçado o fato de o leitor americano, às vezes, ter muita dificuldade de ler livros mais longos, compridos”, afirmou. “Eles sempre diziam ‘nossa, esse livro é muito grande, é muito comprido’, mas o leitor brasileiro nunca implicou com isso. Nunca, nunca, nunca! Eu acho isso muito interessante. Talvez, o leitor brasileiro tenha um pouquinho mais de paciência. Goste de uma história mais prolongada, né? Eu tenho uma relação ótima com o público brasileiro. Eu acho que, lógico, o primeiro livro, que foi transformado em filme, teve uma recepção maior. Mas Tempo de Graça, Tempo de Dor acabou de sair, então eu espero que eles também gostem deste segundo livro. O público brasileiro me deu muito apoio, muito carinho. Eu gosto de escrever de uma maneira mais detalhada, de ter um livro mais forte no sentido de que você vai entrar neste mundo e você vai ficar neste mundo por bastante tempo”.

Além de uma narrativa detalhista, a característica que sobressai no trabalho de Frances é a força de suas protagonistas. Para a autora, é importante mostrar e exaltar a voz feminina, tanto na vida quanto na literatura.

“Eu não sento para escrever pensando ‘vou escrever sobre mulher forte'”, afirmou. “Eu sento e fico pensando ‘nossa, que mulher interessante! Gostaria de estar na cabeça junto entendendo os pensamentos dela’, ‘nossa, que mulher inteligente! Nossa, que mulher maravilhosa!’. Então, eu quero mostrar todos os aspectos da vida feminina. Eu acho muito importante. Eu tenho uma filha e eu quero que ela saiba que ela é um ser humano, que ela é uma mulher e que ela tem exemplos de mulheres que fizeram várias coisas na literatura, que ela entenda ‘eu posso ser uma mulher forte, eu posso ser uma mulher super inteligente, não preciso esconder esta inteligência, não preciso esconder a minha opinião’. Eu acho que é importante ter este tipo de personagem na literatura porque a gente tem que saber que as mulheres realmente existem na vida e na literatura também”.

E por falar em mulheres fortes, com qual das duas protagonistas de Tempo de Graça, Tempo de Dor Frances se identifica mais? Segundo a autora, acima de qualquer identificação, está o desejo de mostrar toda a essência e a complexidade das mulheres, rechaçando qualquer tipo de estereótipo e pré-conceitos.

“Eu gosto das duas, porém gosto mais de Das Dores no sentido de que o livro é feito da perspectiva dela”, indicou. “É primeira pessoa, então eu acho que me senti mais próxima de Das Dores. Mas eu acho engraçado porque, muitas vezes, as personagens femininas na literatura vêm com essa expectativa. Os leitores acham que elas têm que ser simpáticas. Muitos heróis de clássicos não são simpáticos, são muito complexos como qualquer ser humano. Então, eu acho que as personagens femininas merecem essa gentileza de serem consideradas complexas e não somente simpáticas ou meigas.Para mim, foi muito importante Graça e Das Dores se mostrarem personagens femininas fortes, complexas e complicadas, no sentido de que elas são humanas. Muitas pessoas falaram para mim ‘eu não gosto da Graça, acho ela super ambiciosa, acho ela chata’, e eu disse ‘tá bom”, mas eu espero que isto não tenha afetado a leitura do livro porque, na minha opinião, toda mulher na história que foi uma mulher poderosa também foi considerada chata. Eu acho muito importante mostrar que Graça e Das Dores foram mulheres fortes e ambiciosas e competitivas e que elas realmente precisavam uma da outra e que elas realmente amaram uma a outra, que elas foram pessoas boas e pessoas ruins e isso é a vida. Isso é o ser humano”.

Aqueles que anseiam por um novo livro de Frances talvez tenham que esperar mais um pouco. Por conta da pandemia e do isolamento social, ela disse que até tem escrito, mas não com a mesma frequência e não um novo romance. Devido à situação atual, Frances tem investido nos contos.

“Eu estou com a minha filha, com o meu marido e, graças a Deus, estamos com saúde e temos uma casa e comida”, ressaltou. “Eu me sinto com muita sorte por ter essas coisas, essa segurança, mas eu também sinto que não tenho muito tempo e o tempo que eu tenho é pouco. É engraçado, a gente tem todo o tempo no mundo (risos), mas quem está no isolamento social como mãe sabe também que não temos tempo nenhum porque, agora, eu sou professora, psicóloga, estou tentando ser mãe, estou tentando ser Frances e ter um pouquinho de tempo para mim, estou tentando ser amiga e esposa e todas essas coisas neste momento. Então, para mim, o importante é documentar o que está acontecendo agora. Eu estou tentando escrever um pouquinho todo dia sobre o dia-a-dia, porque eu acho importante a gente lembrar o que está acontecendo. E eu estou escrevendo contos porque acho um pouquinho mais fácil, em certo ponto. em termos de rotina. Escrever conto não é fácil, eu acho até mais difícil do que escrever um romance, mas eu acho que, quando eu tenho 20 minutos aqui e 20 minutos ali durante o dia para mim, é um pouquinho mais fácil psicologicamente para entrar neste mundo de conto e sair rapidamente. Eu não estou trabalhando num romance agora, meu novo projeto são esses contos e, quem sabe, não será um livro de contos, uma coletânea?”.

Se Frances tem a escrita, mesmo que em pequenas doses diárias, como o seu refúgio, o seu momento de conforto em meio ao caos, na literatura e na arte, em geral, ela encontra a salvação.

“Eu acho que a literatura é muito importante especialmente agora”, concluiu. “Às vezes, eu fico pensando ‘por que eu estou escrevendo? Não é uma necessidade’. Mas, outras vezes, eu penso que é necessário. Não só para transportar a gente um pouco, sair do estresse. Lendo um bom livro a gente foge um pouco da realidade, e isso é muito importante para a gente avaliar o estresse. Eu acho que a literatura dá um exemplo de como a vida poderá ser, um exemplo de moralidade, um exemplo de caráter, um exemplo de o que podemos fazer com essa vida e com esse mundo, então, a literatura e a arte, em geral, nestes tempos tão difíceis, são uma salvação”.

Quer saber mais sobre a autora e seu trabalho? Não perca a live no Instagram da editora Arqueiro nesta terça-feira, às 15h!

Jornalista de coração. Leitora por vocação. Completamente apaixonada pelo universo dos livros, adoraria ser amiga da Jane Austen, desvendar símbolos com Robert Langdon, estudar em Hogwarts (e ser da Grifinória, é claro), ouvir histórias contadas pelo próprio Sidney Sheldon, conhecer Avalon e Camelot e experimentar a magia ao lado de Marion Zimmer Bradley, mas conheceu Mauricio de Sousa e Pedro Bandeira e não poderia ser mais realizada "literariamente". Ainda terá uma biblioteca em casa, tipo aquela de "A Bela e a Fera".

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