FLIPOP 2020: Entrevista com Kiersten White
Dona da última live do terceiro dia, Kiersten White (KW), autora de Filha das Trevas e A Farsa de Guinevere, responde às perguntas da mediadora Bruna Miranda (BM), num bate-papo muito legal. Confira a entrevista com Kiersten White:
BM: Quando você escreve um livro você tem expectativas, ideias, mensagens que você quer passar com aquele mundo, aqueles personagens. Só que a gente sabe que, quando um livro chega nas mãos dos leitores, nunca é o mesmo livro que a gente escreveu.A gente começa a ter teorias, personagens que se tornam favoritos e você nem esperava por isso, expectativas do que vai acontecer com a história. Como que é lidar com essa expectativa do que você escreveu e o que chega para os leitores depois?
KW: Essa é uma parte interessante de ser uma autora porque você escreve isolada, é só você, esses personagens na sua mente e essas histórias que você se conta. Mas aí se torna um livro que vai para o mundo. Quer dizer, você pode ler meus livros no Brasil e eu não falo português, mas a gente consegue dividir essa história. Isso me impressiona muito. Eu tento me lembrar que eu escrevo com o coração e integridade, mas, assim que é publicado, não pertence mais a mim. É dos leitores. Então, o que eles gostam ou não, pertence a eles. Não me preocupa mais porque esse é o destino deles.
BM: Isso é muito legal de ouvir você falando porque a gente tem muitos autores que não largam o osso de “essa história é minha, esses personagens são meus” e tentam meio que reparar isso quando na verdade essa teoria que as histórias são dos leitores é algo que mexe com todos nós.
KW: O único momento que é desafiador é quando eu estou escrevendo uma série ou uma trilogia. Agora, eu estou escrevendo o terceiro livro da Série Camelot, mas as pessoas só leram o primeiro livro. Então, elas debatem sobre a Guinevere, com quem ela vai terminar, o que elas querem que aconteça, enquanto isso, o livro dois está pronto. O que eu preciso fazer é desligar tudo isso e não dar espaço para essas vozes porque a história será o que ela será. Se eu tentar agradar a todos, não será uma boa história.
BM: Não dá para a gente falar dos seus livros sem falar como você retrata personagens que se identificam como mulheres. Em A Saga da Conquistadora, a gente tem a Lada, que é uma personagem vingativa, fodona, fisicamente forte, e a gente tem a Nazira, que já é uma personagem mais gentil, que não a torna mais frágil, mas é uma outra personalidade. Essa variedade de personalidades e contextos para representar quem se identifica como mulher é algo muito importante. Quando você escreve uma história você encaixa a personalidade dentro da história ou a personalidade vai sendo criada enquanto você escreve?
KW: Normalmente, eu tenho uma ideia de quem elas são porque, com cada livro, eu exploro algo pessoal. Com a Lada, eu quis explorar o que seria abraçar completamente a raiva e a ambição porque, crescendo em uma comunidade conservadora, essas são duas coisas que as garotas não deveriam ter. Lada foi uma forma de me permitir sentir essas coisas completamente e não pedir desculpas por elas. Todas as minhas personagens são formas minhas de explorar as maneiras de ser forte, porque a força não está só na raiva e na ambição. Está na gentileza, na compaixão, nas formas de conviver nos sistemas que vivemos e mudá-los quando podemos.
BM: Você tem alguma personagem específica de que você tem muito orgulho de como ela saiu no final?
KW: Eu amo todas as minhas personagens. Eu sou uma mãe, amo todas elas. Maaaaas, você gosta mais de algumas do que outras. Para mim, é a Elizabeth de A Sombria Queda de Elizabeth Frankenstein. Ela é muito manipuladora, cheia de segredos, muito individualista, e eu me conectei demais a isso por causa da forma como eu cresci. Escrever uma personagem que manipula constantemente as pessoas, ela é uma mentirosa e faz o que é preciso para sobreviver, mas eventualmente conquista o poder de volta para ela, é algo que conversa demais com a minha jornada como adulta.
BM: É muito curioso a gente ver que você coloca um pouco de você em cada um dos personagens. A gente vê esse reflexo nas protagonistas que se identificam como mulheres. Tem algum lado seu que você ainda não colocou em uma das suas personagens?
KW: Tem muito disso na série Camelot, com a Guinevere. Mas eu acho que eventualmente eu gostaria de escrever uma adulta, uma mãe, onde ser mãe define muito quem ela é, mas não completamente. Especialmente mulheres de meia idade, que não ganham tanto crédito nas histórias. A coisa mais divertida do meu trabalho é me colocar um pouquinho em tudo o que escrevo.
BM: Falando um pouco sobre escrever vários gênero, seus livros vão desde ficção-histórica, com a saga da Conquistadora, a gente tem reconto de clássicos, com Elizabeth Frankenstein, a gente tem fantasia, com a Caçadora, mas todos eles a gente consegue ler e reconhecer que é um livro seu. Você sente que quando escreve também tem elementos, ou algum detalhe, que você olhe para a história depois e reconheça como sua?
KW: Acho que sim, porque eu escrevo em vários gêneros. Eu tenho várias histórias que quero contar. Os aspectos-chave de um livro para reconhecê-lo como meu são que todos têm uma voz forte, contêm personagens principais complexos. Eu não tenho interesse em escrever personagens femininas simples. E meu senso de humor, sabe? Eu não sei nenhum outro jeito de não ser engraçado. Você sempre terá aqueles personagens com lado estranho que sempre deixará a sua marca.
BM: Eu gostei muito de uma conversa que você teve com a Victoria Schwab, onde vocês falaram sobre amar escrever e ser escritora e ser um autor no mercado editorial. São duas coisas completamente diferentes. Você pode expandir um pouco sobre como é para você, como você se sente com esses diferentes papéis que um autor tem que ter, que não é só escrever mundos e personagens, mas trabalhar em divulgar um livro, trabalhar com prazos, procurar um agente, editoras, negócios, enfim.
KW: A melhor história que eu tenho para dar uma ideia do que parece ser um autor profissional é que eu estava em um evento com uma escritora de sucesso e ela nos disse que a editora dela não sabe ainda, mas aquele era o último livro dela porque ela odiava fazer aquilo. Ela amava escrever, mas tudo depois disso ela odiava. Então, ela decidiu inaugurar uma confeitaria.
Essa história me impressionou porque é um emprego dos sonhos para tantas pessoas e ela odiou tudo. Eu acho que muitos de nós amamos histórias e queremos contá-las, viver nelas, e isso faz parte do início do que é ser um escritor, mas a partir do momento em que está pronto é quando o trabalho difícil começa. Você precisa fazer propaganda de si mesmo, precisa achar um agente, precisa criar livros que não só você ame escrever, mas que terá um mercado. E nem tudo o que escrevo vende. Eu tenho dezesseis livros publicados e vinte cinco escritos. Escrevi livros que não foram vendidos. Você precisa separar o mundo criativo do mundo de negócios. Você precisa proteger seu amor por escrever, ao mesmo tempo que reconhece que o que você está criando é um produto que você quer vender. É um equilíbrio bem difícil de encontrar. E eu não tenho nenhum conselho de como encontrá-lo! Só proteja o que você ama em escrever e esteja disposto a trabalhar. Cada livro é um desafio e eu amo isso, mas se você não ama, eu não sei. Escreva por diversão e comece uma confeitaria!