Não Basta Não Ser Racista: Sejamos Antirracistas, de Robin Diangelo | Resenha
‘Não Basta Não Ser Racista: Sejamos Antirracistas’: uma leitura obrigatória
Uma leitura difícil. Incômoda. Que lhe tira da zona de conforto. Faz refletir. Por mais que seja desgastante encarar, Não Basta Não Ser Racista: Sejamos Antirracistas, de Robin Diangelo, publicado pela Faro Editorial, é uma obra necessária, transformadora e urgente.
Não Basta Não Ser Racista: Sejamos Antirracistas é um livro escrito por uma branca, voltada para leitores brancos. Afinal, racismo é uma problemática a ser debatida por todos. É uma questão nossa enquanto sociedade. Ele não acabou. Está mais vivo do que nunca. Silencioso. A olhos vistos. Implacável.
Minha experiência com ‘Não Basta Não Ser Racista: Sejamos Antirracistas’
É muito difícil se colocar em uma condição de privilegiado. Tento fazer isso com mais afinco há uns dois anos. Tenho refletido mais sobre o assunto. Observado relatos de amigos negros, das injustiças sofridas por eles, do preconceito, do desrespeito e da violência. Tento entender toda a complexa situação, evitar comentários ofensivos na minhas declarações e quebrar o paradigma de toda uma criação num sistema racista. É difícil. Cometo erros. Mas faz parte de se tornar um antirracista.
Logo de cara, Robin Diangelo aborda as diferenças conceituais com a questão de preconceito, discriminação e racismo. Esses conceitos eram ainda um pouco confusos para mim, e Robin tornou mais fáceis a compreensão e a imersão em toda a problemática. Ter esses conceitos bem definidos é fundamental para compreender o racismo como um sistema do qual fazemos parte e como algumas de nossas atitudes refletem este comportamento, sem que ao menos percebamos. E é aí que o livro tem o seu maior valor.
Exemplos de racismo que não enxergava
Muitos exemplos nos quais não conseguia enxergar o racismo, e até via um certo exagero, passaram a ser compreensíveis. Neste sentido, duas passagens de Não Basta Não Ser Racista: Sejamos Antirracistas me tiraram da zona do conforto e desmascararam o racismo presente. O primeiro foi a análise do filme “Um Sonho Possível”, estrelado por Sandra Bullock. Um filme que eu particularmente gosto bastante, mas, quando paramos para observar, reforça todo o privilégio branco e coloca o negro num lugar inferior. São muitos pontos. Não é exagero. Fiquei chocado.
A outra passagem é o capítulo intitulado “Lágrimas de mulheres brancas”. Eu não conhecia direito o conceito. Já havia, por alto, escutado sobre esse debate. Entretanto, me surpreendi. Acho que foi o ponto de maior aprendizado do livro, para mim.
Intencionalmente ou não, quando uma mulher branca chora diante de alguma manifestação do racismo, toda a atenção imediatamente se volta para ela, exigindo tempo, energia e atenção de todos os presentes à situação, quando todos deviam estar concentrados em reduzir o racismo. Enquanto ela recebe atenção, as pessoas de cor são, mais uma vez, abandonadas e/ou incriminadas.
A grande dificuldade é sair deste senso de normalidade imposta por esta estrutura racista e combater. A questão branca de sempre passar panos quentes em comentários de cunho racistas, dito por outros brancos, por exemplo, é muito difícil de enfrentar. Ainda mais em certos ambientes, como o trabalho.
Recentemente, passei por uma situação destas. Para evitar mais conflitos, eu ignorei o assunto. Só que, ao fazer isso, acabei contribuindo para a manutenção desta estrutura racista. Antes da leitura, nunca tinha pensado por este lado. Hoje, me sinto culpado. E fui. Porém, fica de aprendizado para uma próxima.
Tradução do título
Depois de todo o conteúdo incrível apresentado pelo livro, seria negligente não sinalizar minha perplexidade diante da tradução do título. Entendo que Não Basta Não Ser Racista: Sejamos Antirracistas é forte e chamativo, mas camufla toda a responsabilidade branca do problema, como costuma acontecer, que o livro combate a todo o momento. Se traduzirmos ao pé da letra o título original (White Fragility, Why it ‘s So Hard for White People to Talk About Racism) seria algo: “Fragilidade Branca: Por Que É Tão Difícil para os Brancos Falarem Sobre Racismo?”. Algo igualmente forte, que já de cara tira o leitor da zona de conforto.
É fato que a mudança pode ter questões comerciais envolvidas, mas acaba reforçando toda a estrutura racista. Uma escolha errada, na minha opinião. Por isso mesmo, entramos em contato com a Faro para saber como se deu a escolha do título. E fomos prontamente atendidos pelo seu Diretor Editorial, Pedro Almeida, cuja resposta trazemos abaixo.
Resposta da Faro Editorial
“Quando comprei o livro, há dois anos, já comprei e registrei a frase. Basta ver na data do ISBN. Março de 2019. A escolha da frase foi feita sob o critério de comunicação. A melhor e mais rápida comunicação do tema com o púbico. A proposta da publicação desse livro foi de atingir muito mais gente. Há pessoas que podem preferir o título original, mas, quando uma editora decide por um título, é pensando na melhor forma de comunicar um assunto.
Não podemos publicar pensando apenas em quem conhece a obra original. Nosso interesse foi de alcançar especialmente quem não está diretamente envolvido com a militância. Sabemos que alguns podem discordar. Faz parte. Mas esperamos que, quem discorde, não trabalhe contra a obra, pois estamos juntos num projeto de lutar contra o racismo. E a ideia se provou tão forte que, nove meses depois do nosso registro de ISBN, saiu um livro com este título da Djamila Ribeiro e, dois meses depois do nosso, um título da Alta books”.
Apesar disso, não podemos desmerecer todo o trabalho de Robin, que é fantástico e muito necessário. Não Basta Não Ser Racista: Sejamos Antirracistas é uma leitura obrigatória para os brancos. É preciso entender que fazemos parte deste sistema, mas isso não quer dizer que não o possamos combater. O trabalho é árduo, temos muito (muito) a percorrer. Mas precisamos nos reconhecer como tais e escutar sempre os feedbacks dados para tentarmos mudar. Dar o nosso lugar de falar para quem realmente precisa ser ouvido. Dar possibilidades e lutar pela representatividade em todas as esferas. Precisamos quebrar o silêncio. Sempre.
Título: Não Basta Não Ser Racista: Sejamos Antirracistas | Autor: Robin Diangelo | Tradutor: Marcos Marcionilo |Editora: Faro Editorial | Páginas: 192