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Leopardo Negro, Lobo Vermelho, de Marlon James | Resenha

Leopardo Negro, Lobo Vermelho: uma leitura com altos e baixos

Leopardo Negro, Lobo Vermelho, de Marlon James, publicado no Brasil pela editora Intrínseca, foi exatamente o tipo de livro que peguei por causa da capa — não tenho nenhum problema em admitir, afinal, a capa também faz parte de um livro e também precisa ser lida.

Em conjunto com a sinopse, eu esperava uma história de fantasia e só. De certa forma, foi isso o que li. Mas, ao mesmo tempo, não foi.

Não estou fazendo sentido nenhum, mas vou me explicar. Aguenta aí.

Resumidamente — muito resumidamente —, a trama de Leopardo Negro, Lobo Vermelho gira em torno da busca por um menino. Mas só isso não é o suficiente, certo? Muitas perguntas surgem a partir dessa premissa meia-boca que eu fiz — mesmo porque o livro tem setecentas e muitas páginas.

Uma delas é: quem busca por esse menino? Muita gente – gente até demais -, cada uma com um motivo, eu diria, e algumas talvez até sem motivo nenhum. Mas, dentre essas pessoas, vale destacar o Rastreador, que é o nosso narrador neste primeiro volume e possuidor de um faro muito apurado. É sob o ponto de vista dele que nos é apresentada toda essa jornada. E, como toda narrativa de personagem que não é onisciente nem onipresente, ficamos presos às opiniões, às situações e à forma como o Rastreador vê o mundo e as pessoas ao seu redor.

Uma vez que ele tem certa aversão a mulheres — um trauma — e teve  ainda um início de vida difícil e violento, com uma família que eu não entendi direito até agora, a sua visão de mundo consegue ser muito simples e complicado ao mesmo tempo — estou cheia de paradoxos hoje. Mas, acima de tudo, o mundo aos olhos do Rastreador é cruel demais e ele faz questão de convencer a si mesmo e aos demais de que isso não o afeta — embora afete.

Em poucas palavras, achei o Rastreador um personagem muito complexo e acho que, mesmo depois de ler todas as mais de 700 páginas do livro, ainda não o entendo muito bem, o que não chega a ser um problema; na verdade, é até um bom desafio.

Segunda pergunta: quem é o menino? Ele é o maior mistério do livro inteiro e, pela maior parte da obra, o leitor precisa lidar com várias mentiras e invenções sobre a identidade dele, o motivo de estar sendo procurado e também de ter sido levado. Só no final é que ficamos sabendo quem raios é esse moleque e o que querem com ele, à medida que o próprio Rastreador segue investigando.

Pessoalmente, achei essa característica de ficar desmentindo toda hora o que havia sido falado bem confusa, mas, ao mesmo tempo, tive a impressão de que essa era a intenção do autor — até mesmo porque o próprio Rastreador fica confuso também.

A narrativa eu achei simplesmente fenomenal — nas primeiras 150 páginas é bem difícil, porque o Rastreador conta a história dele mesmo quase como se fosse uma lenda, então tem muito simbolismo e significados ocultos. Mas acabei me acostumando e até adorando a forma como James tece o texto e, principalmente, os diálogos. Foi o que manteve a minha vontade de continuar virando as páginas, até mais do que a história em si.

No que diz respeito ao conteúdo, muita coisa acontece — tantas que, mesmo tendo lido há poucos dias, já não consigo me lembrar de todas. São muitos personagens extremamente diferentes — achei bem legal a forma como o autor conseguiu trabalhar bem com todos eles. Mas, dentre esse monte de coisas que acontecem, preciso ressaltar toda a violência nua e crua que recheia o livro — assassinatos, criaturas hediondas, costumes horríveis, estupros, traição e tudo quanto é tipo de violência contra todo mundo, desde bebês até criaturas que nem são humanas.

Então, quero deixar avisado que este livro é para quem tem estômago de aço — mais de uma vez, eu precisei fechar o livro para fazer outra coisa, enquanto digeria a história. Porque é pesado.

Por fim, quero dizer que gostei muito da forma como o autor iniciou o livro e como ele finalizou, fazendo um gancho muito bom para o próximo, ao mesmo tempo em que fechou a história desse primeiro. E também gostei da forma como o título foi explicado ao longo da história — pelo menos, eu acho que consegui alguma interpretação, mas, se está correta, eu já não sei, porque eu não sei de nada nessa minha vida.

E só agora eu percebi que nem mencionei o Leopardo, que está no título. Eu diria que o Leopardo, para o nosso protagonista e narrador, é a figura mais importante que ele tem, teve e sempre teria na vida. Sem falar que ele representa muito bem a influência humana sobre a natureza, como nós a transformamos e, na maioria das vezes, não para o bem. Mas vou deixar para você descobrir mais sobre o Leopardo no livro.

Para os que vão se aventurar: coragem.

Quanto ao material, o livro está lindíssimo. Como eu disse, foi a capa que me chamou a atenção, porque está muito bonita e interessante mesmo, mas teria gostado de ver uma diagramação mais confortável — sei que o livro já está imenso, mas letras maiores ou um espaçamento maior entre as linhas, seria maravilhoso para as pessoas escravas de óculos e com olhos cansados como eu.

Se tem uma coisa que percebi em Leopardo Negro, Lobo Vermelho é que agradar não era a intenção do autor. Ele escreveu uma história que eu achei muito bem escrita, não consigo dimensionar o tamanho da pesquisa que ele deve ter feito para juntar tanto material — são costumes, mitos, criaturas e toda uma ambientação muito bem feitas —, mas, embora tenha certeza de que aprendi muito com a narrativa, não posso dizer que senti prazer em ler este livro o tempo todo. Não pretendo lê-lo de novo, nem sei se lerei o próximo, mas também não me arrependo de ter me aventurado na escrita de James.

Título: Leopardo Negro, Lobo Vermelho Autor: Marlon James | Tradução: André Czarnobai | Editora: Intrínseca | Páginas: 784

 

 

 

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