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Todos os Pássaros no Céu, de Charlie Jane Anders | Resenha

‘Todos os Pássaros no Céu’: uma fantasia com um pé na realidade

O diferente não é normal? O que nos difere (ou não) um do outro? Por que aquilo que não podemos explicar é justamente o que nos dá mais medo, nos causa mais estranheza? A intolerância e o preconceito gerados pelo desconhecido são alguns dos principais males da humanidade. E aquilo que pode literalmente colocar um fim a ela. E isso é apenas uma das reflexões que a autora Charlie Jane Anders provoca com Todos os Pássaros no Céu, lançado aqui no Brasil pela editora Morro Branco.

 Na trama, acompanhamos a jornada de Patricia e Laurence, dois jovens que não poderiam ser mais diferentes, principalmente na forma de pensar. Enquanto Patricia fala com animais e preza a natureza, Laurence é apaixonado pela ciência e constrói supercomputadores e máquinas do tempo. O bullying que ambos sofrem na escola os uniu e fez nascer uma amizade um tanto quanto cautelosa e cheia de inseguranças. E é quando circunstâncias misteriosas fazem com eles se separem, para se reencontrarem apenas 10 anos depois, em meio a uma guerra mundial entre ciência e magia. Agora, cada um precisa defender o seu lado, e o destino do mundo pode depender dos dois.

 É difícil definir Todos os Pássaros no Céu. Fantasia, distopia, fábula… Sim, a obra de Charlie transita pelos mais variados mundos e as mais diversas linguagens. Aliás, talvez, seja até melhor não defini-la, porque neste livro a autora claramente mostra que julgamentos e pré-definições constantemente estão errados e só causam discórdia e mal entendidos. Achei bastante interessante como a narrativa – dividida em quatro partes – se transforma ao longo das páginas. Nas primeira e segunda partes, temos Patricia e Laurence se descobrindo e tentando entender o seu lugar no mundo. Desde a infância até a adolescência de ambos, é tudo muito lúdico e fantasioso, quase uma fábula mesmo, especialmente quando eles começam a ver os seus próprios mundos. Patricia e sua forte ligação com a natureza e sua capacidade de falar com os animais e Laurence, com seu intelecto e sua forte aptidão com a tecnologia.

 Já nas duas últimas partes do livro, quando eles atingem a maturidade e suas posições neste embate estão definidas, já temos um cenário mais sombrio, distópico e apocalíptico, num mundo prestes a entrar em colapso. Essa mudança é muito bem elaborada pela autora, no entanto, algumas transições me pareceram um pouco rápidas demais e senti falta de um maior desenvolvimento de certas tramas. Justamente porque já estava completamente imersa naquele universo, a ponto de querer me aprofundar cada vez mais.

 A construção dos personagens, por sua vez, foi melhor realizada nos protagonistas (com os demais, ficou um pouco solto, mais superficial). Com Patricia e Laurence não apenas conseguimos acompanhar todo o seu desenvolvimento, como principalmente entendemos o que define as suas essências e as circunstâncias que montam suas personalidades. Senti mais empatia por Patricia do que por Laurence, em todo o livro, apesar de entender as motivações de ambos.

O interessante é como Charlie conseguiu defender certas questões através dessa história. O bullying, a intolerância, o preconceito, aceitar e conviver com as diferenças. Ideias nem um pouco fantasiosas; pelo contrário. Extremamente atuais. A possibilidade de um colapso mundial por conta da nossa própria vaidade. A autora mostra como o ser humano tem dificuldade de enxergar o outro, o coletivo, uma vez que acredite que seus próprios interesses estejam ameaçados. Todos os Pássaros no Céu tem de tudo um pouco. Fantasia, magia, romance, ficção e, por que não, um pé numa realidade que pode não estar tão distante assim.

Jornalista de coração. Leitora por vocação. Completamente apaixonada pelo universo dos livros, adoraria ser amiga da Jane Austen, desvendar símbolos com Robert Langdon, estudar em Hogwarts (e ser da Grifinória, é claro), ouvir histórias contadas pelo próprio Sidney Sheldon, conhecer Avalon e Camelot e experimentar a magia ao lado de Marion Zimmer Bradley, mas conheceu Mauricio de Sousa e Pedro Bandeira e não poderia ser mais realizada "literariamente". Ainda terá uma biblioteca em casa, tipo aquela de "A Bela e a Fera".

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