Degustando Palavras: a mente saborosa e ousada de Simone De Beauvoir
Ícone do feminismo, escritora foi o tema de um bate papo forte e expressivo no penúltimo encontro do evento
A força, a inteligência e a coragem de uma mulher revolucionária, à frente do seu tempo. Não à toa, o penúltimo Degustando Palavras desta edição, que aconteceu nesta quarta-feira (21), teve um sabor especial, regado a muitas palavras e histórias inspiradoras, que apenas uma personagem como Simone de Beauvoir poderia oferecer. Um verdadeiro banquete intelectual, conduzido pela historiadora Ana Roldão.
E o evento já começou diferenciado dos demais com a própria degustação surpresa. Em vez de os participantes provarem a especiaria referente ao tema ao fim da apresentação, o papo sobre Simone de Beauvoir foi interrompido no meio com um piquenique, inspirado naqueles que a escritora fazia constantemente com suas alunas, amigas e seu grande companheiro Sartre. No cardápio, pastinhas de tomate seco com queijo e de salmão defumado para comer com torradas, além de azeite, sal de ervas e de chá. E, fazendo jus também à essência feminista e política de Simone, o encontro também relembrou a ex-vereadora Marielle Franco, assassinada no dia 14 deste mês, no Rio de Janeiro.
“Os piqueniques para Simone tinham uma conotação prazerosa, uma conotação do prazer de comer, de beber, do bem estar com os amigos, mas também uma conotação sexual”, explicou Michelle Strzoda, responsável pela curadoria do Degustando Palavras. “Foi num piquenique, inclusive, que Simone perdeu a virgindade com o Sartre. O nosso piquenique também tinha espumante, e nós fizemos um brinde às mulheres. Eu abri o evento, inclusive, fazendo uma saudação à Marielle Franco. Na minha imaginação, ela estaria ali brindando com a gente porque seria um tema que ela gostaria de estar presente e colaborar com a discussão, assim como a própria Simone. Nós levantamos temas que tinham muito a ver com o que ela dizia. Ela era uma feminista nata”.
O feminismo, de fato, marcou a vida de Simone de Beauvoir, que fez disso uma filosofia de vida. E, ao longo da degustação, Ana também aproveitou para continuar os debates, apresentando frases fortes da escritora, suas obras mais conhecidos e também as pouco exploradas, aproveitando o seu trabalho vasto de ensaios, romances e os escritos publicados.
“Ela tinha uma formação muito sólida”, destacou Michelle. ” A gente comentou todo o legado dela e o quão atuais e contemporâneas são as discussões, as bandeiras que ela levantou, se envolveu e seguiu. Porque não bastava levantar, ela seguia. A pertinência do trabalho dela era por isso. Não era uma mero discurso. Ela personificava o que dizia. Ela vivenciava o que ela pregava, e isso era muito importante. Não era fake, era fato. Para mim, o legado de um intelectual passa muito por isso. Todos os conflitos dela ela vivenciava e se usava como personagem para debater aquilo. Ela não era arrogante nesse sentido. Ela tinha essa noção do seu papel no mundo”.
E, dentre as inúmeras curiosidades e experiências compartilhadas sobre uma personagem tão célebre e marcante, é claro que a comida foi um tempero a mais. Aliás, a relação de Simone com a gastronomia era tão intensa que passou também para o seu próprio relacionamento com Sartre. E Ana também surpreendeu os participantes ao contar que, em seu primeiro encontro com Sartre, Simone roubava comida de casa para dar a ele. E, mesmo não gostando de cozinhar e tendo ideias e conflitos sobre a questão de quem cozinha e quem come, a escritora adora comer. Tanto que, após as suas mortes, tanto Simone quanto Sartre tiveram um cortejo quase gastronômico, que passou pelos cafés que foram importantes em suas vidas e em seus trabalhos. E, depois de 51 anos de parceria, nada mais justo que eles serem enterrados juntos. E essa informação, com certeza, foi a cereja do bolo.