Entrevistas

Coleção Ruído: a poesia fantasiosa de Bruno Godoi

Bruno Godoi, autor de ‘Nunca Mais Vi Estrelas’, que integra a Coleção Ruído, da editora Raiz, bebe nas águas de Poe, Dante, entre outros, para refrescar o gênero da fantasia

Viver na fantasia não necessariamente significa estar fora da realidade. Pelo contrário, a vida real, por vezes, se mostra mais fantasiosa do que as criações de uma mente dominada por Poe, Dante, Goethe. O escritor Bruno Godoi, autor de Nunca Mais Vi Estrelas, que integra a Coleção Ruído, da editora Raiz – com lançamento marcado para o dia 8 de novembro, na Livraria da Travessa do Shopping Leblon, Zona Sul do Rio -, não apenas entende isso como traz essa essência na sua obra. Não é questão de se apropriar das vozes dos nomes que permeiam a sua inspiração, mas sim de se misturar a elas para criar uma nova voz para homenageá-las: a sua voz.

“Poe, assim como outros que fazem parte da minha carreira literária (porque sem eles eu não teria a paixão pela escrita), possui a sua voz poética, uma mistura que vejo de cinismo e mistério, combinação que me encantou desde meu contato com o Silêncio, o primeiro conto que li dele”, explicou Bruno em entrevista ao Vai Lendo. “Uma palavra, apenas. Silêncio. Nessa palavra solitária já se via a essência do autor. Fiquei pensando como fazer algo do tipo, como usar palavras para ocultar e, ao mesmo tempo, apresentar uma ideia que seja abstrata e subjetiva; de toda forma, a intenção está lá. Nada é por acaso ou solitário, nada é silêncio. Essa é a essência dos grandes autores que sempre estudei, li, absorvi e adequei aos meus silêncios. Então, trabalhar a essência de Poe, para mim, não é nada solitário, pois, na verdade, estou ligado a um dos grandes autores que amo. Nevermore, também é apenas uma palavra, vale lembrar. E nunca mais vi estrelas pode ser entendido como uma posição final de algo longe, solitário e deserto. Algo no meio do nada, um silêncio logo ali”.

Mesmo percorrendo as páginas dos clássicos, Bruno consegue trazer o frescor para o gênero da fantasia. E é justamente essa novidade que pode levá-lo ao outro lado dessa realidade: de inspirado para inspiração. O fato de um novo autor trazer essas referências é um estímulo para que a nova geração de leitores também se aventure nas profundezas dessas mentes. E engana-se quem pensa que essa “responsabilidade” venha a ser uma pressão a mais em todo o processo. Pelo contrário. Para Bruno, essa possibilidade representa uma espécie de liberdade criativa.

“O meu trabalho pode, sim, ser um estímulo para que leitores venham a conhecer os autores nos quais me inspiro, isso é um processo natural”, afirmou. “Quando se gosta do trabalho de alguém, é automático buscarmos a origem daquele trabalho, no caso, os livros de autores que me inspiram. Usar vozes de outros autores em meu processo facilita demais, é o momento de libertação em que posso extravasar qualquer tipo de criação, sem correntes. É um processo assim: estou me inspirando em Dante hoje, então, vou escrever sobre um inferno sem medo, sem pregas. Até porque estou baseado em um pilar forte, o nome de Dante. Entendeu? Isso fortalece a minha criação e liberta a própria autocrítica que poderia me impedir de despejar as coisas no papel. Antes de terminar uma frase que seja, o maior crítico é o próprio autor. Então, como se livrar deste crítico? Eliminando as pregas. Pensar e escrever. Pronto. Basta usar o subsídio de estar seguindo os passos de outro autor que você goste. Está garimpado o campo, agora despeje tudo no papel”.

A fantasia de Bruno não se limita apenas a novos mundos, lugares distantes, personagens extraordinários. É uma fantasia diferente, densa, imperativa. Que marca e nos faz refletir. Nos faz buscar em nossas entranhas, em nossos mais profundos sentimentos o significado daquilo com que nos deparamos nas páginas. É poesia pura. Literalmente. E isso é possível? Não só é possível como necessário. De acordo com o autor, ambos os gêneros estão interligados e funcionam perfeitamente para representar a dualidade da essência humana e nossas tentativas de buscar fora da realidade as respostas e/ou alternativas para as questões mais pessoais de nosso inconsciente. Por isso mesmo, ele critica o preconceito sofrido tanto pela poesia quanto pela fantasia no mercado editorial, jogando a responsabilidade desse pensamento conversador na própria indústria.

“A poesia, para mim, é fantasia em poucas palavras”, declarou. “Microcontos fantásticos, vou chamar assim. A poesia, por sua vez, expressa anseios, dúvidas e questões íntimas, coisas essas que nós vamos nos desprender ao entrar em obras fantásticas, sendo livros ou por outro meio. Fantasia nada mais é do que um passe para um mundo onde podemos ver ou ser o que aqui não somos. Na poesia, eu, particularmente, encontro isso. Por isso digo ser igual à fantasia. O preconceito vem da própria bancada de formadores de opinião, exemplo: editores e grandes editoras. Editar fantasia é difícil, talvez, por isso, os formadores de opinião expressam que fantasia não vende. Coisa que pode ser refutada com fatos. Vide Harry Potter e Game of Thrones. Há muito público faminto por fantasia no mundo. Isso é óbvio. A saga The Witcher (livros de um autor polonês) adaptada para videogame é uma das franquias mais bem-sucedidas da história. Nunca um jogo recebeu tantos prêmios quanto The Witcher 3. Veja isso, são sete livros usados como fundo para um jogo de videogame que vendeu milhões pelo mundo, recebeu mais de duzentos prêmios e, até hoje, se joga como se fosse a primeira vez. Que estilo literário poderia criar um fenômeno semelhante? Pense em um gênero que não seja a fantasia. Você consegue?Então, eu pergunto, a fantasia morreu?”.

A gente mesmo responde: de forma alguma. É através da coragem de autores como Bruno que temos a certeza de que o gênero não apenas resiste, como cresce. Porque os medos são a nossa maior fonte de inspiração para as histórias e o receio do fracasso, aquele obstáculo no meio do caminho que, até podemos demorar para ultrapassar, mas nos ajuda a chegar até o nosso objetivo final.

“O medo é o que nos move”, atestou. “A necessidade por algo bom, o conforto, a segurança, tudo isso nada mais é do que o escudo para o medo. O medo de se ferir, de morrer, perder algo. A própria fé é questão de medo. Deuses e anjos, santos e demônios são manifestações do desconhecido que nos causa medo; ou não, a despeito da fé de cada um. De toda forma, algo é consenso: há beleza no desconhecido, principalmente um desconhecido potencialmente catastrófico. Uma tempestade no horizonte, relâmpagos e lufadas. Você iria até a janela olhar aquilo que se aproxima ou entraria para debaixo da cobertas? Eu olho. Sempre. Por isso mesmo, o meu fracasso preferido é um fracasso em pré-natal. Chama-se Quando Me Apaixonei Pelas Estrelas. Um romance de ficção científica e espiritualidade, no qual coloco as minhas crenças de forma velada dentro de uma camada científica, a física quântica. E posso, assim, atingir as estrelas, de fato. Aqui não usando um autor antigo como desculpa, mas uma ciência antiga e universal: a Física. É uma obra que está na minha gaveta e que espero logo poder apresentar ao público”.

E é cheio de medos, anseios, referências e originalidade que Bruno espera deixar a sua marca nos leitores. Pois, afinal, é enfrentando o desconhecido que podemos conseguir as respostas mais verdadeiras. Basta abrir a mente.

“Espero que minhas estrelas possam rabiscar esse céu tão fechado que temos hoje no meio editorial”, concluiu. “Como disse, os formadores de opinião, aqueles que, de fato, movem a massa, deviam olhar para o nosso céu, valorizar o que aqui produzimos, deixar a inércia de pegar algo pronto na feira de Frankfurt (com o marketing pronto de Hollywood) e caminhar conosco pela estada sinuosa, como fez Dante com Virgílio”.

Jornalista de coração. Leitora por vocação. Completamente apaixonada pelo universo dos livros, adoraria ser amiga da Jane Austen, desvendar símbolos com Robert Langdon, estudar em Hogwarts (e ser da Grifinória, é claro), ouvir histórias contadas pelo próprio Sidney Sheldon, conhecer Avalon e Camelot e experimentar a magia ao lado de Marion Zimmer Bradley, mas conheceu Mauricio de Sousa e Pedro Bandeira e não poderia ser mais realizada "literariamente". Ainda terá uma biblioteca em casa, tipo aquela de "A Bela e a Fera".

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