Vox, de Christina Dalcher | Resenha
‘Vox’: um livro para levantarmos a voz
Palavras. Voz. Liberdade. Numa democracia, ninguém precisaria se preocupar com o seu direito de expressão. Até o momento em que esse direito lhe for tirado, bem debaixo dos seus próprios olhos. Opressão, submissão, tirania, autoritarismo, preconceito. Luta. Esperança. Feminismo. Até quando as mulheres serão consideradas o “sexo frágil”? Até quando o gênero irá definir vantagens, desvantagens e posições sociais? São muitas reflexões e inúmeros questionamentos lançados em Vox, este livro incrível de Christina Dalcher, publicado pela editora Arqueiro.
Na trama, o governo dos Estados Unidos decreta que as mulheres só poderão falar até 100 palavras por dia. Além de serem impedidas de trabalhar, também não permitem mais que as meninas aprendam a ler e a escrever. Mas a Dra. Jean McClellan não consegue aceitar a situação e terá que lutar por si, por sua filha e por todas as mulheres para que possam, enfim, recuperar a sua voz.
Vox é assustador. Angustiante. Mais ainda por nos mostrar um futuro (?) que sabemos poder não ser tão ficcional assim. É incrível como Christina consegue nos dilacerar com sua narrativa e nos entregar uma história ao mesmo tempo envolvente e perturbadora. Sua escrita é dura e objetiva, distribuída em capítulos curtos que ajudam a dar um ritmo frenético e bastante fluido à leitura. É impossível tirar os olhos das páginas sem saber como e se Jean conseguirá vencer o sistema.
Por falar nela, que personagem! Forte, carismática, inteligente. E absolutamente humana. A escrita em primeira pessoa nos aproxima de Jean e de sua mente incrível. Essa proximidade, que nos permite testemunhar suas diversas qualidades e habilidades, mas também seus defeitos e pensamentos mais sombrios, nos ajuda a compreender e assimilar as suas atitudes. Inclusive, quando Jean fala consigo mesma em pensamento, ou quando seus pensamentos são expostos para nós, é tão fácil nos identificarmos com seus sentimentos e receios. Tudo, absolutamente tudo relacionado à Jean é crível.
Por isso mesmo, um detalhe me chamou muito a atenção em Vox: Christina construiu seus personagens à nossa própria imagem. Podíamos ser nós vivendo tudo isso. Que pesadelo! Ali não tem o bem e o mal. Quer dizer, dependendo do ponto de vista de cada pessoa e de suas próprias convicções e ideais, até tem. Viram? Essa dualidade, essa ambiguidade do ser humano é um tapa na cara que recebemos da autora, que só falta sacudir o livro na frente dos nossos olhos para nos alertar: estão vendo como é fácil? Como uma fala, uma fraqueza, uma postura bem difundida pode nos levar ao verdadeiro caos e terror? Como a intolerância e ignorância são capazes de nos mergulhar numa cegueira coletiva e ameaçadora?
A ideia do livro é genial. E a forma como Christina conduziu toda a trama, através da Dra. Jean McClellan, me deixou completamente hipnotizada. Ao mesmo tempo que eu queria ver até onde iria tudo aquilo, foi uma leitura que me deixou apavorada. De verdade. Mas também é uma leitura que nos dá força e estímulo para, cada vez mais, levantarmos a nossa voz. Para que sejamos ouvidas. Talvez eu tenha sentido falta de uma conclusão melhor desenvolvida, pois achei que, no final, ficou tudo meio rápido demais. Mas pode ter sido a minha gana de ter mais tempo com Jean, Jackie, Sharon, Lin, Lorenzo, Patrick e tantos outros personagens marcantes que cumpriram muito bem a sua função: unir suas vozes às nossas para, juntos, fazermos um coro ensurdecedor que nunca poderá ser calado. Não deixaremos.