A Editora Morro Branco e seu Projeto Cápsula
No mês de maio, a Editora Morro Branco lançou o Projeto Cápsula, uma reunião de contos dos seus autores para ler de graça em seu site. Não tinha como a gente perder essa novidade, não é mesmo? Com nomes como Octavia E. Butler, Ursula K. Le Guin e Jack London, o projeto traz contos de diferentes gêneros, para os mais diversos gostos. Neste post, você confere um pouco da história deles e o que achamos.
Post por: Carol Defanti e Isabella Álvarez
Aranha, a artista | Nnedi Okorafor
O conto Aranha, a artista, de Nnedi Okorafor, é uma ficção científica que, já na primeira página, leva o leitor até uma aldeia pobre e perigosa na Nigéria, onde a maioria das pessoas vive do trabalho nas indústrias de extração de petróleo. A população vive de maneira perigosa, uma vez que os oleodutos passam pelos seus quintais, e tocá-los significa a morte pelas mãos dos temidos Zumbis que, contrariando o nome, não são mortos-vivos, mas robôs programados para proteger os oleodutos. Em meio a tudo isso, temos Eme, uma mulher que só deseja ter um filho, que seu marido deixe de machucá-la e dar aulas de música com o velho violão do seu pai.
Com esse conto, a Nnedi conseguiu me surpreender. Primeiro, porque ela criou uma história completa, com início, meio e fim — e isso é meio difícil de fazer em um conto. E, segundo, porque ela usou de um elemento que realmente é o meu ponto fraco em qualquer história, que é a música. A protagonista tem um violão, ela o usa e essa música é o que faz com que tudo aconteça.
Quando comecei a ler o conto, as primeiras páginas me deixaram esperando algo sanguinário e deprimente, tanto em virtude do cenário quanto pela protagonista em si, que pensa basicamente o tempo inteiro em se matar por causa do quão infeliz ela é. Então, nunca imaginei que a história se desenrolaria e se tornaria algo tão delicado. O final foi trágico, mas eu achei tão bonito que nem me incomodei.
Dentro do Bosque | Ryunosuke Akutagawa
Dentro do Bosque é tido como um conto de suspense — embora eu tenha visto mais características de um conto policial do que suspense em si — e é ambientado no Japão — não sei precisar o tempo, mas deu a entender que é uma época mais antiga, talvez no tempo dos samurais. E trata-se basicamente de um compilado de testemunhos para a investigação do assassinato de um homem. Ou seja, são umas cinco narrativas de personagens diferentes sobre a mesma história.
Em primeiro lugar, fiquei absolutamente impressionada com a apresentação do autor, que é conhecido por seus contos e pela grande quantidade de trabalhos em sua assustadoramente curta vida. E eu ainda gostei muito da história, principalmente porque Akutagawa — não consigo falar esse nome de primeira nem a pau — deixou praticamente tudo a encargo do leitor. Ele não nos dá a solução do caso; só as informações de que precisamos para desvendar o mistério — ou, pelo menos, tentar. E é isso aí, leitor, toma essa.
Mas achei isso magnífico, porque eu fiquei quase meia hora parada depois de ler o conto, pensando em tudo o que ele tinha me dito e tentando chegar a uma solução. A experiência fica ainda mais legal tendo alguém com quem discutir isso, porque as possibilidades de se enxergar o caso variam de acordo com cada leitor. Foi como se ele criasse várias histórias com apenas um texto. Adorei.
Acender uma fogueira | Jack London
Podemos dizer que Jack London é um autor clássico americano, cujas histórias envolvendo andanças, perigos e muita natureza selvagem — muito selvagem, na maioria das vezes — lhe renderam notoriedade e sucesso. Em Acender uma Fogueira, London leva o leitor até terras distantes e muito, muito frias. Ele narra a difícil e perigosa jornada de um homem que precisa atravessar um território vasto, tendo apenas a companhia de um cão, para chegar ao acampamento onde se juntará aos outros. O grande problema é que a temperatura está abaixo de sessenta graus negativos.
Apesar de não ser exatamente o tipo de leitura com a qual costumo me entreter, consegui aprender algumas coisas novas — como não sair quando a temperatura estiver abaixo de sessenta graus negativos. Achei impressionante a forma detalhada, e até rebuscada, da escrita de London — eu nunca tinha lido nada dele. Não possui falas, mas é uma narrativa bem intimista com o personagem, de forma que o leitor consegue saber exatamente o que se passa na cabeça dele, ao mesmo tempo que há muita clareza nas descrições externas. Eu diria que não é o tipo de leitura que agradaria a todos — acho que é mais por causa da temática do conto em si —, mas eu consegui ver o motivo de London ter sido aclamado na sua época.
Sons da Fala | Octavia E. Butler
Rye deseja sair de Los Angeles e chegar à Pasadena. Para isso, ela pega um ônibus. Ônibus nesse mundo pós-apocalíptico são coisas raras e lotam com facilidade. Não há mais carros, não há mais polícia. Não existe mais a fala como conhecemos, não existe mais a leitura como exercemos. Uma doença forte e extremamente rápida destruiu o mundo que conhecemos, acabando com as habilidades intelectuais das pessoas até chegar à morte. Agora, as pessoas vivem dominadas pelos seus impulsos e instintos em meio aos destroços do passado. Rye é uma sobrevivente.
A questão principal do conto de Octavia E. Butler, apesar do aparente desespero, para mim, está na esperança. Acima de tudo, está no fato de que a vida te surpreende mesmo nos momentos mais difíceis. E que, às vezes, precisamos perder algo que apreciamos para conseguir algo melhor ainda. E já me adianto e peço desculpas por essa última lição que foi tirada de um momento no conto muito delicado. Infelizmente, não posso destrinchar os elementos do conto por ele ser justamente um conto, ou seja, curto. Mesmo assim, posso enfatizar que Butler continua impecável na sua habilidade de fisgar o leitor e eu terminei o conto desejando por um livro completo, com Rye, o mundo pós-doença e, principalmente, a continuação para aquele final esperançoso.
Aqueles que abandonam Omelas | Ursula K. Le Guin
Demorei um dia para digerir esse conto sem sinopse. Fiquei pensando em como resumir a história dessas palavras da rainha da ficção-científica para vocês e cheguei à conclusão de que o melhor que posso fazer é: um conto sobre um povo feito para o leitor refletir sobre a moral humana e as prioridades do ser humano. Aqueles que Abandonam Omelas não tem uma história com começo meio e fim, mas te prende muito sem precisar desse artifício.
Ursula te deixará com um gosto amargo na boca, depois do soco no estômago que é este conto. Ele é daquele tipo de texto que se torna leitura obrigatória para nos lembrar que uma das nossas maiores virtudes é a compaixão. Sem ela, o ser humano vira um pedaço de carne desalmada que perambula fingindo felicidade ou assumindo o seu papel egoísta de ocupante da Terra. Só posso dizer que há uma escolha a ser feita: ficar ou abandonar Omelas?
Sentiu a força desses contos? Nós adoramos e precisamos dividir com vocês. Longa vida, Projeto Cápsula!