Villette, de Charlotte Brontë | Resenha
O último romance escrito por Charlotte Brontë, Villette, foi publicado pela primeira vez no ano de 1853 e, desde então, vem ganhando diversas edições pelo mundo. Aqui no Brasil, ele chegou pela editora Martin Claret em duas edições diferentes: a primeira em brochura, em 2016, e a segunda, em capa dura, com lombada exposta e corte colorido, no início deste ano, de modo que não podemos dizer que nada de bom veio de 2020.
Villette é a narrativa da vida da personagem Lucy Snowe. Feita em primeira pessoa, traz uma infinidade de pensamentos e reflexões da personagem, assim como toda a sua trajetória. Lucy não possui ninguém que cuide dela, então precisa conquistar seu lugar no mundo com as habilidades que tem em mãos. Com pouco dinheiro e sem muita aptidão para ser dama de companhia de senhoras idosas, ela parte em direção à França com esperanças de conseguir seu sustento e prosperar na vida. Após a travessia do Canal da Mancha, várias coincidências a levam até a cidadezinha de Villette, onde passa a morar e a trabalhar em um pensionato para moças.
Sem sombra de dúvidas, Charlotte Brontë fez de Villette um livro denso e, de certa forma, mais difícil de ser lido, mas isso não acaba com a maestria de sua obra. Com personagens muito bem descritos e totalmente tridimensionais, reflexões sobre a dificuldade de uma mulher sozinha para se sustentar em uma sociedade na qual as mulheres deveriam ficar em casa, não ter pensamentos próprios nem uma grande educação, além de mostrar as diferenças de tratamento recebidas pelas diversas classes sociais e uma grande discussão sobre tolerância religiosa, o livro deixa de ser um simples romance e passa ser uma obra revolucionária para sua época, com lições que podemos usar até os dias de hoje.
A nossa personagem é, por natureza, uma pessoa extremamente observadora que prefere não interferir nos acontecimentos à sua volta. Isso faz com que ela nos entregue descrições primorosas dos outros personagens e dos lugares pelos quais passa. Você é realmente capaz de acreditar que esses seres fictícios são seus conhecidos, através da narrativa ricamente apresentada.
Pequenas coisas me incomodaram, tanto na edição que eu li (a de capa dura) quanto na forma em que a história foi escrita. Vamos falar primeiro da edição: por mais que ela seja linda, a lombada aberta me causou bastante nervoso e me impossibilitou de ler na maioria das posições que eu prefiro, devido à capa na parte frontal não estar presa ao resto do livro. E, mesmo sendo o objetivo deixar o livro totalmente aberto na página que está sendo lida, isso não acontece e, durante toda a leitura, tive que ficar segurando. A lombada aberta também coloca um estresse na parte de trás da capa por ser o único lugar em que o miolo está preso, tornando bem sensível a rasgos.
Outra coisa na edição que fez com que a leitura não fosse tão fluída foi o fato de todas as traduções das falas em francês estarem em um glossário na parte final do livro, e esse ir e vir acabava desanimando bastante o prosseguimento da leitura. Acho que esses pontos como notas de rodapé seriam mais interessantes.
Agora, vamos para o que me incomodou na história, que foram só duas coisinhas: a primeira é que a personagem Lucy, muitas vezes, começa a viajar em seus próprios pensamentos de forma tão filosófica que, em alguns momentos (ok… muitas vezes), eu precisava voltar e reler porque não tinha conseguido entender nada do que ela estava querendo dizer, o que fez eu demorar mais a ler o livro; e a segunda é a enorme quantidade de coincidências que ocorrem durante a narrativa, o que faz todo o enredo ser bem menos crível.
Depois de ter lido Villette e Jane Eyre posso dizer, com certeza, que Charlotte é minha irmã Brontë favorita.
Título: Vilette | Autora: Charlotte Brontë | Tradutora: Solange Pinheiro | Editora: Martin Claret | Páginas: 755
4 estrelas
Um comentário
Maria Lúcia G. Martins
Tem sido uma grata surpresa para mim estar descobrindo outras obras de Charlotte Brontë, além de Jane Eyre, sua obra mais conhecida e que sempre foi “o romance da minha vida” (já o li e reli várias vezes). Atualmente, através do Kindle, descobri outras obras da autora: “O Professor”, “Shirley” e agora “Villete”, que estou lendo. Conforme comentário acima, da autora da postagem, a gente percebe que Charlotte gostava mesmo das coincidências, mas isso não me incomoda não…Por exemplo, no romance Jane Eyre, a personagem depois de sua fuga dramática de Thornefield, coincidemente vai ser ajudada por uma família que depois descobre serem seus parentes…ela que pensava não ter ninguém no mundo..Depois dessa coincidência, acho que todas as outras vão parecer pequenas…(ainda não cheguei nas coincidências do livro Villete). Mas o que gente percebe mesmo em todas as obras da autora é essa imagem da mulher sozinha no mundo, que só conta com ela mesma, o que passa muita força e estímulo para as leitoras femininas, até mesmo nos dias de hoje. Até mesmo no livro “O professor” nos depararamos com um personagem solitário, que vai enfrentando suas dificuldades com muita coragem e determinação, sabendo o que realmente quer da vida, ou melhor, o que não quer…partindo daí para sua vocação. Bem, o que tenho a acrescentar é que adoro o estilo da Charlotte Brontë, o mínimo que posso dizer é que ela nos faz “entrar” na história através de suas narrativas e descrições. Já li dois romances de Anne Brontë e O morro dos Ventos Uivantes, de Emily Brontë, muito bons,no entanto já decidi que das 3 irmãs é com Charlotte que mais me identifico. Estou gostando muito da “Villete”. E como adoro o idioma francês, me delicio com as citações, que no kindle são facilmente traduzidas com um toque de dedo..:-). Enfim, estou amando essa leitura e procurando ler bem devagar pra que ela não termine depressa…!