Resenhas

A Casa Holandesa, de Ann Patchett  | Resenha

‘A Casa Holandesa’: passado, família e escolhas. Por que, às vezes, é tão difícil seguir em frente?

Uma casa. Muitas histórias. Famílias, gerações, dramas vividos, traumas carregados para além da propriedade. De uma grande conquista, ascensão financeira, à ruína familiar. A Casa Holandesa, de Ann Patchett, caixa n° 020 do Intrínsecos, clube de assinatura da editora Intrínseca, é uma trama reflexiva sobre o esfacelamento da família, da união de dois irmãos e das dificuldades em lidar com as mágoas passadas.

Intrínsecos 020 A Casa Holandesa de Ann Patchett

Após a morte do pai, Danny e Maeve foram expulsos pela madrasta, Andrea, da casa onde cresceram – uma exuberante propriedade no subúrbio da Filadélfia conhecida como a casa holandesa. O lar em questão foi uma grande aquisição do pai, Cyril Conroy, para impressionar a mãe deles. A residência era símbolo da ascensão financeira da família, entretanto, desencadeou todo um desmantelamento do núcleo familiar, uma vez que a ex-esposa (mãe dos seus filhos) não gostou da surpresa e, posteriormente, abandonou o marido e as crianças. 

Além de crescerem sem a mãe, os irmãos são jogados de volta à pobreza e descobrem que só podem contar um com o outro. E esse vínculo inabalável, ao mesmo tempo que os salva, é o que bloqueia o seu futuro.

A casa

A casa holandesa é o centro da narrativa, o símbolo dos conflitos e mágoas. Tudo gira em torno da propriedade. E, logo no primeiro capítulo, o leitor é convidado a entrar por sua porta e conhecê-la com uma riqueza de detalhes. 

A boa ambientação da residência da família Conroy é o convite para o leitor imergir na história. Tudo é muito visual. Encantador. 

“Vemos o passado com os olhos das pessoas que somos hoje”

A Casa Holandesa é narrado através do ponto de vista de Danny, que cresceu sem ter lembranças da mãe e vê na figura de Maeve, a superprotetora irmã mais velha, a representação da família. O olhar de Danny sobre os acontecimentos é um dos grandes destaques do livro. Patchett soube construir uma narrativa envolvente que mais lembra uma conversa sobre o passado, um belo passeio pelas memórias. 

Marcador de livro A Casa Holandesa

A obra acompanha essas lembranças de Danny ao longo de cinco décadas. É interessante observar a percepção dele sobre os fatos, principalmente os da infância – mais antigos -, que não é tão precisa e ele necessita da visão da irmã para construir o seu passado.

Em outros momentos, entretanto, já mais velho, é possível ver a divergência entre o olhar dele e o da irmã. Um conflito que enriquece a narrativa, tornando-a verdadeira, próxima à realidade. Afinal, duas pessoas tendem a ver os mesmos acontecimentos de forma diferente.

O arremate final da narração de A Casa Holandesa são as reflexões do atual Danny sobre as suas próprias ações do passado. Não chega a ser um julgamento, mas a forma como ele poderia ter lidado com alguns acontecimentos e escolhas, para, talvez, quem sabe, ter outra vida, melhor, com menos ressentimentos. 

Uma cadência própria

No início da leitura, o fato de A Casa Holandesa não seguir uma ordem cronológica e não ter indicações de tempo, me deixou um pouco confuso. Porém, no decorrer do livro, fui entendendo o ritmo da narrativa, fiquei envolvido e, no fim, vi até um certo charme em como ela é contada, na sua cadência mais lenta e reflexiva.

A Casa Holandesa é um livro profundo nas relações familiares e do indivíduo e, por isso, pede esta cadência. Entretanto,  no último capítulo, acho que o ritmo ficou um pouco acelerado e, honestamente, não me agradou tanto. Não senti tanta necessidade dos desdobramentos narrados. Mas, assim, não posso negar que saciaram a minha curiosidade sobre o que aconteceu com os personagens após um importante acontecimento.

Personagens “reais”

As reflexões, os erros, as fraquezas e a possibilidade de se questionar são características que nos aproximam dos personagens, tornando-os verdadeiros, quase “reais”. Para um bom drama familiar, é indispensável esta sensação. 

Em A Casa Holandesa os personagens são muito bem desenvolvidos. Todos eles. Assim como a relação entre Danny e Maeve, que, mesmo tóxica, não deixa de retratar a união e o amor de dois irmãos, na proteção de um conceito de família.  A identificação e o compadecimento são instantâneos. 

A Capa

É inegável a qualidade do projeto gráfico do Intrínsecos, mas a capa do livro – uma pintura de Maeve com seus dez anos, que fica pendurada na parede da casa holandesa – é de uma beleza de saltar os olhos e transmite uma emoção sem igual. É um casamento perfeito do trabalho artístico aliado à narrativa. Fiquei tão impactado pela capa, que desejaria ter Maeve figurando na minha estante. Uma belíssima representação da narrativa, que corrobora para a sensação de que os personagens são reais, que Maeve existiu.

Reflexões

Após a leitura do livro, é impossível não fazer uma reflexão sobre a própria vida. Pensar na forma como encaramos os desafios, as adversidades, as nossas escolhas. Por que, às vezes, é tão difícil seguir em frente? A Casa Holandesa é uma obra envolvente, repleta de personagens instigantes, que fala sobre família e a sensação de “estar em casa”. 

Título: A Casa Holandesa | Autor: Ann Patchett | Tradutor: Alessandra Esteche |Editora: Intrínseca | Páginas: 352

Apaixonado por histórias, tramas e personagens. É o tipo de leitor que fica obsessivamente tentando adivinhar o que vai acontecer, porém gosta de ser surpreendido. Independente do gênero, dispensando apenas os romances melosos, prefere os livros digitais aos impressos, pois, assim, ele pode carregar para qualquer lugar.

Deixe uma resposta

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *