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Selva de Gafanhotos, de Andrew Smith | Resenha

‘Selva de Gafanhotos’: adolescente em conflito, insetos gigantes e muita criatividade

 

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Capa ‘Selva de Gafanhotos’ de Andrew Smith / Divulgação

Não aguenta mais as mesmas histórias de sempre, com tramas rocambolescas, encheção de linguiça e com um final mais previsível do que novela? Então, prepare-se para explorar a pacata cidade de Ealing, de Selva de Gafanhotos,
e se surpreender com uma narrativa tão inusitada, mas tão inusitada, que vai te deixar de boca aberta. Escrito por Andrew Smith, e publicado aqui no Brasil pela Editora Intrínseca, o livro explora diversos temas que permeiam a cabeça dos adolescentes, como amor, amizade, incertezas, conflitos sobre a sexualidade, religião, masturbação, fim do mundo, insetos gigantes famintos e tarados, testículos dissolvidos, milho geneticamente modificado…OI? QUE “MERDA” É ESSA?

Fique tranquilo(a), não precisa se assustar! De fato, é um choque quando se conhece um pouco mais sobre Selva de Gafanhotos, mas garanto que, no meio de toda essa loucura, existe uma história apocalíptica envolvente. Você só precisa abrir a sua mente, quebrar preconceitos e se deixar levar pelos relatos de Austin Szerba, um jovem de 16 anos descendente de poloneses, sobre os acontecimentos que levaram ao fim do mundo. Pronto(a) para encarar o desafio?

Apesar da premissa bizarra, o livro, como qualquer outro que aborda a adolescência, começa com Austin (narrador-personagem) apresentando a sua rotina e as pessoas que o cercam. Ele fala de sua pequena cidade, Ealing, da amizade com Robby e da namorada, Shann. Logo no início, entretanto, a obra já surpreende e se distingue de outras por trazer, sem pudores, temas delicados que geralmente são amenizados ou, até mesmo, omitidos. Este é o primeiro choque com a trama, mas, apesar do desconforto inicial, a abordagem menos fantasiosa torna os personagens mais críveis (politicamente incorretos) e a leitura fica mais instigante. Afinal, os problemas dos adolescentes são muito mais complexos do que passar de ano ou arrumar um(a) namorado(a).

Falta de perspectiva, questionamentos, desejos sexuais aflorados, religião, consumo excessivo de cigarros, ressacas, pais viciados em tranquilizantes são apenas algumas das temáticas abordadas pelos personagens do livro. Além disso, o conflito principal do protagonista também é um tanto polêmico. Austin, mesmo apaixonado e cheio de tesão pela namorada, sente atração pelo seu melhor amigo, Robby, que é gay. Assim, ele se vê no dilema, desenvolvido ao longo da narrativa, de tentar se autodescobrir, já que ama os dois.

Em Selva de Gafanhotos, a temática gay é abordada de forma natural e foge de estereótipos. Então, se você está com aquela imagem de tudo “cor-de-rosa” na cabeça, pode apagar! Os acontecimentos seguintes revelam que, devido a um acidente, surge uma infestação de insetos gigantes, parecidos com louva-a-deus de um metro e oitenta de altura, sedentos por sexo e famintos. Não preciso nem falar que a carnificina está garantida. Com direito, inclusive, a corpos dilacerados, gosmas e pânico. Esse é o segundo choque da trama.

Selva de Gafanhotos 1

Não se assuste! Tudo acontece de uma forma tão absurda que você fica intrigado em desvendar o mistério. O modo como Austin conduz a narrativa é um outro fator importante para o engajamento do leitor. Além do humor irreverente, ele extrapola a visão do narrador-personagem, abordando diversos detalhes (alguns banais, mas não menos interessantes) vivenciados por outros personagens, o que não é comum num texto em primeira pessoa. Outra peculiaridade da trama é que ela não apresenta uma ordem cronológica. Boa parte da história segue uma sequência, mas, vez ou outra, ela retorna ao passado e “viaja”, até mesmo, para o futuro. Esta antecipação dos fatos, inclusive, proporciona um desejo irrefreável de continuar a leitura.

No entanto, como qualquer obra que quebra a sequência temporal, o começo é um pouco complicado se situar na história, principalmente quando aparecem elementos do futuro ou personagens citados que ainda não foram apresentados. Mas este é um problema mínimo, já que o leitor acaba ficando tão entretido nos conflitos de Austin que nem dá muita importância para isso.

Narrar uma trama onde louva-a-deus gigantes e cheios de tesão saem matando todo mundo não é fácil. Ainda mais, transformar toda esta loucura em um livro, de fato, interessante. A forma detalhada com que os fatos são contados por este narrador onipresente é o grande trunfo de Selva de Gafanhoto, mas também é onde a história tem o seu “deslize”. É compreensível numa narrativa complexa, e cheia de elementos externos, a necessidade de se relembrar alguns acontecimentos para fixar as informações e situar o leitor. Porém, ela acaba ficando repetitiva.

Selva de Gafanhotos é uma a leitura tão envolvente que não dá para deixar o livro no canto e ler na semana seguinte. O leitor vai querer desvendar os mistérios e devorar as páginas, sem piedade, como um inseto faminto. É por isso que o problema da repetição se torna mais aparente do meio para o final, quando você está totalmente engajado na trama (as informações ainda estão frescas na mente do leitor). Mas, sendo honesto, a imersão é tamanha que isso vai passar batido. Considero mais uma peculiaridade do narrador do que um defeito (ou “deslize”). E, de forma alguma, tira o brilho da publicação.

Andrew Smith abusou da criatividade no livro, além de se arriscar mesclando um universo apocalíptico de insetos gigantes com os dilemas e complexidades dos adolescentes. Ele ainda foi além e quebrou as barreiras dos estereótipos que delimitam tramas catastróficas como algo genuinamente masculino, utilizando um herói não tão seguro quanto a sua sexualidade. Isso, de certa forma, pode afastar alguns leitores, afinal, o preconceito é grande. O que é uma pena! Por outro lado, os leitores que não gostam de tramas de louva-a-deus de um metro e oitenta comendo pessoas podem sentir uma certa repulsa (“nojinho” mesmo) e deixar de ler uma boa trama amorosa/conflituosa. O que é uma pena também!

Por mais estranho que possa parecer, Selva de Gafanhotos veio para mostrar que as bizarrices também podem conquistar um lugar de destaque na sua prateleira (e não estou falando apenas pelar cor ofuscante da publicação). A história é realmente instigante, complexa e criativa. Foge do clássico arroz com feijão e surpreende o leitor a cada página. Chega de ler as mesmas coisas! Abra a sua mente!

*P.S: Se você ficou horrorizado(a) com a palavra “merda” na resenha, então é melhor se preparar porque o “termo” aparece tanto quanto o nome do protagonista do livro.

Desenho do livro Selva de Gafanhotos

Mais informações: ‘Selva de gafanhotos’, o livro ofuscante

Saiba onde comprar:
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Apaixonado por histórias, tramas e personagens. É o tipo de leitor que fica obsessivamente tentando adivinhar o que vai acontecer, porém gosta de ser surpreendido. Independente do gênero, dispensando apenas os romances melosos, prefere os livros digitais aos impressos, pois, assim, ele pode carregar para qualquer lugar.

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