Vai Lendo entrevista: Adriana Carranca
Adriana Carranca conta a história da corajosa Malala, a menina que queria ir para a escola
As palavras nos levam para todos os lugares e nos fornecem conhecimento para desbravarmos o mundo e suas peculiaridades. E elas também nos apresentam a personagens incríveis e inspiradores, capazes de mudar a vida de muitas pessoas. Como a menina Malala Yousafzai, hoje com 17 anos, a mais jovem ganhadora do prêmio Nobel da Paz e protagonista da emocionante história contada por Adriana Carranca em seu livro Malala, a menina que queria ir para a escola, publicado pela Companhia das Letrinhas. Durante o lançamento da obra no 17º Salão FNLIJ do Livro para Crianças e Jovens, no último sábado (13), a autora conversou com o Vai Lendo sobre a experiência de conviver com a realidade da corajosa menina e como foi escrever sobre essa experiência para as crianças.
“Eu procuro sentir o que as pessoas estão sentindo”, declarou Adriana no evento. “Eu vivia como eles para sentir o que era crescer naquele ambiente. O que foi para a Malala crescer naquele ambiente”.
Malala quase perdeu a vida por um motivo que deveria ser um direito a todos aqueles que desejam aprender e ter a garantia de um futuro melhor: ir à escola. Nascida no vale do Swat, no Paquistão, a garota aprendeu desde cedo a importância dos estudos e era uma aluna exemplar na escola de seu pai. Até que, aos 10 anos de idade, viu sua cidade ser controlada pelo grupo extremista Talibã, que baniu as mulheres das ruas e determinou que apenas os meninos poderiam estudar. Mas Malala não desistiu e, seguindo os seus ensinamentos e aquilo em que acreditava, lutou pelo direito de continuar estudando, o que quase acabou lhe custando a vida, quando, em 9 de outubro de 2012, ela sofreu um atentado a tiro ao voltar de ônibus da escola. Contrariando todos aqueles que pensavam que ela não iria sobreviver, Malala tornou-se um exemplo de força, superação e coragem.
“A ideia, inicialmente, era escrever para os adultos”, contou a escritora ao Vai Lendo. “Mas, quando eu fui para lá, me hospedei com uma família e convivi com muitas crianças. Eu estive na escola da Malala, na casa dela. A história do vale do Swat é rica de grandes personagens que passaram por lá, como Alexandre, o grande, por exemplo. O vale foi um principado da coroa britânica, eu entrevistei o príncipe do Swat. É um lugar que ainda tem príncipes e princesas de verdade. Um lugar que fica nas montanhas, parece um vale encantado. Mas é claro que havia essa questão de contar para as crianças o que era o Talibã, o que foi o episódio do tiro que causou o atentado contra a Malala. Eu tinha essa preocupação, mas, ao estudar a literatura infantil, você percebe que as histórias, os contos de fadas antigamente eram muito violentos. Acho que isso também atrai um pouco a curiosidade da criança, essa coisa do perigo, do risco e, ao mesmo tempo, como essas personagens, essas heroínas ficaram conhecidas na literatura”.
Apesar de mostrar uma realidade cruel e, até mesmo, mais distante para a nossa sociedade, Adriana garantiu que a recepção das crianças é a melhor possível, inspirando, inclusive, jovens que se identificam com os desafios da vida de Malala. Para a autora, a obra contribui para responder os questionamentos sociais e fazer esses leitores a terem uma noção mais ampla e profunda do mundo.
“Eu fui falar sobre o livro na Cracolândia, em São Paulo, por uma iniciativa de um grupo de meninas de uma escola particular. Elas leram e acharam que era uma história de superação, porque a Malala conseguiu voltar para a escola, então, as crianças da Cracolândia, que também têm muita vontade de voltar para a escola, tinham que ler. Quando eu conversei com essas crianças, elas me fizeram várias perguntas. É claro que o tiro chama a atenção, afinal, isso também existe na realidade delas. É um tipo de violência contemporânea. As crianças ouvem falar sobre tiro, sequestro, terrorismo. Então, elas recebem muito bem essas histórias e questionam. Desde o que aconteceu até religião. E é aí que você tem a oportunidade de explicar tudo isso. As crianças convivem mais com a diferença, hoje em dia. A história da Malala, de ela ter conseguido superar tudo o que aconteceu e ter a voz ouvida no mundo inteiro, é a história que poderia ser de qualquer criança brasileira. Daquela que mora em uma favela, por exemplo, e escreve em um blog sobre o que é viver sob o comando do tráfico, das milícias”.
Com uma infância sem muitos recursos, Adriana exaltou ainda o esforço de seus pais para estimular o hábito da leitura (“eu me senti um pouco Malala também, porque era difícil saber se iríamos continuar estudando no ano seguinte, devido à falta de vagas, mas meu pai sempre estimulou a educação”) e destacou que é importante que as crianças e os jovens tenham cada vez mais a oportunidade de participar de eventos literários para terem a liberdade de escolher o que querem ler e, assim, conseguirem formar suas próprias opiniões, adquirindo sempre mais conhecimento.
“O leitor adulto já tem uma opinião formada”, explicou ela. “É difícil você mudar a cabeça de um adulto. A criança não. Ela está aberta. Está se formando. Ela tem um espaço para debater coisas novas e busca conhecimento. A criança absorve tudo, não tem filtro. É bom porque ela responde exatamente o que achou e pronto. As crianças criticam ou elogiam. Isso é muito verdadeiro. E o retorno é maravilhoso. Tenho recebido muitas cartinhas, inclusive”.
E para aqueles que gostariam de saber como está Malala atualmente, Adriana disse que ela vive em Birmingham, perto de Londres, e, ainda que não possa voltar para o Paquistão, por enquanto, ela voltou para a escola, no que considerou “o dia mais feliz do resto da sua vida”.