‘O que educa mesmo é o livro’, diz Ziraldo
Cartunista fala sobre as suas obras inesquecíveis durante o Salão FNLIJ
As faixas nas cabeças e os olhinhos arregalados e ansiosos já revelavam que alguém importante estava prestes a chegar. Na verdade, esse “alguém” era ninguém menos que o responsável por livros que marcaram várias gerações e, até hoje, encantam e divertem crianças de todo o país, principalmente através das aventuras de um esperto e maluquinho menino que cisma em usar uma panela na cabeça. Sim, a presença de Ziraldo no 17º Salão FNLIJ do Livro para Crianças e Jovens, realizado este mês, era um dos momentos mais aguardados do evento, e pais e leitores de todas as idades lotaram o espaço para ouvir as palavras do irreverente escritor e cartunista.
Com 83 anos muito bem vividos, Ziraldo aproveitou o salão para lançar o sétimo livro da série Os Meninos dos Planetas, intitulado Nino, o Menino de Saturno, da Editora Melhoramentos. Bem humorado, ele explicou durante o encontro que a coleção, que traz as histórias dos meninos que vivem em seus respectivos planetas do Sistema Solar, é uma forma também de mantê-lo na ativa por mais alguns anos.
“Cada planeta dessa série é habitado por crianças”, explicou Ziraldo. “Eu decidi fazer essa série para escrever um livro por ano, logo, para poder durar mais 10 anos. Eu pensei que, se eu tenho que escrever 10 livros em 10 anos, naturalmente eu estarei vivo até lá para poder terminar. Comecei há sete anos e, agora, faltam três”.
Como não poderia deixar de ser, a curiosidade dos novos e pequeninos leitores a respeito do Menino Maluquinho era grande, e Ziraldo aproveitou para contar como surgiu o célebre e inesquecível personagem, que fez a cabeça da criançada e é referência na literatura infantil, até hoje. Talvez, seja justamente pelo fato de a história do menino ter sido criada como uma forma de se falar sobre a criação das crianças.
“Eu fui fazer uma palestra, há muitos anos, na Ilha do Governador, para pais e mestres sobre a situação política”, contou ele. “Mas a conversa acabou virando uma discussão sobre como criar filho. Eu escrevi uma coluna falando sobre como criar o filho dos outros é fácil, mas o nosso, é difícil. Filho não nasceu com manual de instrução. Cada um é de um jeito, e você tem que deixar ele ser feliz. Não se preocupe com o futuro do seu filho, mas, sim, com o dia de hoje. Ele tem que ser feliz hoje. A vida é feita de muitos ‘hojes’. Vamos fazer de tudo para que o nosso filho seja feliz hoje e, naturalmente, ele será uma pessoa bem resolvida. Então, me deram a ideia de escrever isso, essa lição, em um livro. Aí eu resolvi escrever o Menino Maluquinho e deu certo. Acho que acertei a mão no livro. Inclusive, eu coloquei a panela na cabeça dele porque, quando eu era criança e brincava na rua, adorávamos brincar de bandido e mocinho, por exemplo. Eu era o capitão do batalhão e todo mundo tinha que colocar o chapéu de milico na cabeça. Eu não tinha dinheiro para comprar capacete de brinquedo, então botei uma panela”.
Aliás, outro sucesso do cartunista também foi criado a partir de experiência pessoais. Foi através de uma professora com métodos não tão convencionais que ele afirmou ter começado a se interessar pelos livros. Tanto que a própria mestre acabou virando a protagonista de um deles, Uma Professora Muito Maluquinha.
“Eu tinha uma professora novinha, que só depois de adulto fui descobrir que ela tinha apenas 16 anos”, recordou. “O cabelo dela parecia de artista de cinema, inclusive, eu já falei isso no livro. Como ela também não sabia muita coisa, brincava com a gente. Fazíamos concurso de rima, brincávamos de descobrir os países no globo e, depois, de como fazer um livro. Só que quando chegávamos na prova da escola, não sabíamos responder aquelas perguntas ‘normais’ de colégio. Mas sabíamos de história no geral, porque ela tinha uma enorme curiosidade pela vida que passou para a gente. E ela também nos inspirava. E foi nessa turma que eu decidi que ia fazer um livro, mas não para crianças. Eu ia ser ilustrador, pintor. Mas depois eu finalmente escrevi Uma Professora Muito Maluquinha, que é a história dela”.
Com a responsabilidade de quem ajudou a formar leitores de todos os cantos e idades, Ziraldo ressaltou a importância da leitura como base da educação, mas a partir do interesse das próprias crianças.
“O grande problema do Brasil é a educação”, afirmou. “O que educa mesmo é o livro. É o convívio com o livro. A informação escrita. A palavra gravada é o que abre a nossa cabeça e nos faz compreender o que estamos fazendo aqui. O livro nos conduz à compreensão dos problemas. Então, os pais e mães que levam seus filhos aos eventos literários, que estimulam isso, são a salvação do Brasil. O esforço de estudar é importante, mas ler é mais importante ainda. A escola fundamental brasileira não entendeu que ler é imprescindível. Mas não obrigue a criança a fazer um dever com o livro. Ela tem que mergulhar na leitura, conhecer”.