Entrevistas

Entrevista: Krishna Monteiro

Em conversa com o Vai Lendo, o autor e diplomata paranaensa Krishna Monteiro fala sobre transformar as suas próprias memórias em contos, em seu livro de estreia, “O Que Não Existe Mais”

Nossas memórias são a base de nossa própria história. Podemos lembrar de todas, ou quase nenhuma. Mas algum momento de sua vida ficou marcado em seu subconsciente. E se púdessemos, a partir dessas recordações, transformar para sempre uma situação em algo eterno, atemporal, ou simplesmente reescrever/recriar o passado? Foi isso o que o autor e diplomata paranaense Krishna Monteiro fez em sua estreia na literatura com o livro O Que Não Existe Mais, publicado pela Editora Tordesilhas. Com a serenidade de quem consegue enxergar a vida sob vários pontos de vista através das lembranças, ele contou ao Vai Lendo um pouco sobre as suas próprias origens e influências para escrever os contos praticamente biográficos, as suas influências e perspectivas na área literária, bem como consegue conciliar a carreira de diplomata com a vocação de escritor. Confira abaixo:

Vai Lendo- O livro “O Que Não Existe Mais” é inspirado em suas próprias memórias. Como surgiu a ideia de transformar tudo isso em contos? De onde vem o seu interesse pela escrita?

Krishna Monteiro: Sempre quis escrever. Depois de várias tentativas em busca de uma voz autêntica, buscando modelos em outros escritores, acabei concluindo que um bom ponto de partida seria retornar àquilo que eu conhecia – meu passado, minha infância –, usando-os como matéria-prima da ficção.

O interesse pela escrita veio como decorrência natural da paixão pela leitura. À medida que lia, imaginava histórias. Refletia sobre personagens, algumas vezes durante vários anos. Estudava livros de criação literária em busca de técnicas (acredito piamente que a técnica tem de somar-se à intuição no campo da literatura e da arte em geral). Com o tempo, essas “realidades imaginadas” foram sendo transpostas para o papel.

'O Que Não Existe Mais', de Krishna Monteiro/Editora Tordesilhas/Divulgação
‘O Que Não Existe Mais’, de Krishna Monteiro/Editora Tordesilhas/Divulgação

Vai Lendo – Você sentiu alguma dificuldade em estrear no mercado editorial com um livro de contos? Como você vê a recepção do público e, em sua opinião, há um bom mercado para esse tipo de literatura?

K.M.: Tive bastante sorte em encontrar pessoas que me orientaram tanto no processo de escrita como no de publicação, bem como uma editora que decidiu acreditar no projeto. Em consequência disso, meu livro foi publicado rapidamente. Mas tenho consciência das dificuldades do mercado editorial, especialmente quando se trata de livros de contos. É um gênero que, em vários países, possui menor demanda de mercado.

Mas não creio que alguém deva desistir de escrever contos ou outros gêneros considerados “difíceis”, como poesia, apenas por conta desses problemas. Sempre temos de obedecer às vontades daquela voz interior que deseja se expressar. Se tentarmos domesticá-la, adaptando-a a um gênero (ou mesmo a uma linguagem) mais palatável, minaríamos sua força e autenticidade.

No meu caso, mesmo tendo publicado um livro de contos, tenho recebido um retorno muito gratificante de vários leitores. Alguns deles, inclusive, com suas interpretações, iluminam aspectos da obra que eu nunca havia chegado a imaginar.

Além de escritor, Krishna também é diplomata/Foto: Arquivo Pessal
Além de escritor, Krishna também é diplomata/Foto: Arquivo Pessoal

Vai Lendo – Como foi o processo de transformar as suas memórias em um livro? Você acredita que as memórias são também uma forma de ficção, criadas a partir do nosso próprio imaginário?

K.M.: Toda memória é ficção e reconstrução, em meu ponto de vista. Um mesmo acontecimento pode ser relembrado (ou recriado) de formas inteiramente diversas por todos aqueles que o viveram. Penso que isso é válido não só para a memória de indivíduos (distintas versões sobre uma tragédia familiar, por exemplo), mas também para as recordações coletivas de um povo, uma nação. Qual o significado da Revolução Francesa? A resposta dependerá, certamente, da classe social – até mesmo da religião – de quem responderá à pergunta.

Ao escrevermos ficções que têm como ponto de partida a memória, essa tendência é levada ao extremo, transformando fatos em fábula, de acordo com a visão particular do autor. Em meu livro, tomei acontecimentos familiares como ponto de partida de vários contos, mas modifiquei-os de maneira a aumentar a carga dramática de alguns deles, ou, em outros casos, numa tentativa de reescrever o passado. O que está escrito não é, portanto, necessariamente, “a verdade”, mas sim “a minha verdade”. Não foi Clarice Lispector quem disse que “escrever é tantas vezes lembrar do que nunca existiu”?

Vai Lendo – Um dos contos remete a Guimarães Rosa. Qual é a importância do autor na sua vida como leitor, e também como escritor, e até que ponto ele influenciou o seu trabalho?

K.M.: Vivi boa parte de minha vida no interior, no “Brasil profundo”. Por um longo tempo, no entanto, especialmente durante a adolescência, li uma literatura de caráter fortemente urbano: escritores europeus e dos Estados Unidos, em geral. Quando descobri Guimarães Rosa, percebi que o mundo ao alcance da janela de minha casa também possuía uma dimensão ficcional enorme, até mesmo mítica ou mágica, e o quanto ela poderia ser potencializada pelo uso da linguagem.

Aproveitando ainda o tema da memória, diria que Guimarães Rosa, talvez, tenha construído em sua obra, com destaque para Grande Sertão: Veredas, a grande narrativa ficcional de nosso povo/nação.

Vai Lendo – Como você consegue conciliar a carreira de diplomata com a sua vocação de escritor?

K.M.: A diplomacia, embora seja bastante demandante, é uma carreira ou profissão como as outras. Um diplomata que deseja dedicar-se à literatura lança mão, em essência, dos mesmos expedientes de um jornalista, médico, ou qualquer outro profissional que também seja escritor: criar ficção nas horas vagas, depois do trabalho ou durante fins de semana. No meu caso, escrevo à noite e aos domingos.

Vai Lendo – Nesse primeiro livro, temos muitas histórias inspiradas em sua própria família. Há alguma ideia de escrever futuramente sobre momentos ou experiências que você já viveu como diplomata?

K.M.: Sim. Tenho muita vontade de escrever, num futuro próximo, algo como um relato de viagem ou ensaio sobre a vida no exterior. Admiro muito alguns autores/diplomatas que fizeram isso, como Octavio Paz, em Vislumbres da Índia (embora a qualidade incrível de sua prosa seja inalcançável), e, recentemente, o britânico Rory Stewart, em The Places in Between.

Jornalista de coração. Leitora por vocação. Completamente apaixonada pelo universo dos livros, adoraria ser amiga da Jane Austen, desvendar símbolos com Robert Langdon, estudar em Hogwarts (e ser da Grifinória, é claro), ouvir histórias contadas pelo próprio Sidney Sheldon, conhecer Avalon e Camelot e experimentar a magia ao lado de Marion Zimmer Bradley, mas conheceu Mauricio de Sousa e Pedro Bandeira e não poderia ser mais realizada "literariamente". Ainda terá uma biblioteca em casa, tipo aquela de "A Bela e a Fera".

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