Entrevista: William Soares dos Santos
Escritor lança seu primeiro livro, ‘rarefeito’, obra de poesias publicada pela Editora Ibis Libris, e fala com o Vai Lendo sobre as perspectivas do mercado para o gênero
A poesia em sua forma plena, falando de sentimentos como só os poetas conseguem expressar. Gênero ainda pouco divulgado e/ou contemplado, pelo menos não da maneira como deveria ser, volta e meia, nos presenteia com obras lúdicas e tão verdadeiras, que é quase possível enxergarmos através da essência daquele(a) que o escreve. E é justamente isso que o escritor William Soares do Santos nos oferece com rarefeito, publicado pela Editora Ibis Libris. Após mais de 20 anos de trabalho e esforço para lançar a sua primeira obra, William, que também é Doutor em Linguística e atua como professor na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), conversou com o Vai Lendo sobre as dificuldades enfrentadas no mercado editorial e as perspectivas para o gênero e o processo de construção e divisão dos textos de rarefeito.
Vai Lendo – Quais são as diferenças entre escrever um livro narrativo e um de poesia? É um processo que flui naturalmente? De onde vem a sua inspiração?
William Soares: Trata-se, na maioria das vezes, de processos distintos. Geralmente, a linguagem poética pede a concisão, uma estrutura e a resolução de modo diferente do conto ou do romance, por exemplo. Mas não devemos nos esquecer que escrever é uma arte. Escritores lidam com gêneros de formas diferentes e, em alguns casos, há atravessamentos entre eles. Por exemplo, um escritor que trabalha com o conto, como o escritor Dalton Trevisan, no meu modo de entender, possui uma estrutura muito próxima da poesia, mas há algo ali que o caracteriza como conto. Determinar a diferença entre os gêneros, em casos como esse, pode ser bem difícil.
Primeiramente, é preciso definir os sentidos do que se entende por “natural” no ato de escrever. Escrever, em princípio, não é algo natural. Trata-se de algo que desenvolvemos em nosso processo de vivência em comunidades. Em minha formação acadêmica como linguista aplicado, acabei me especializando em narrativa e em como esta estrutura discursiva particular afeta construções de identidade em diversas sociedades. É uma estrutura discursiva muito particular que se desenvolve em um determinado momento da história da humanidade e, hoje, possui uma importância para o nosso posicionamento no mundo social. O mesmo acontece com ato de escrever. É provável que tenhamos desenvolvido a escrita para lidar com elementos práticos do cotidiano, sobretudo a partir do desenvolvimento da agricultura. Mas, com o tempo, a escrita passa a ser um veículo importante para expressarmos elementos tão complexos quanto as crenças religiosas, os dramas das relações humanas e o local do ser humano no complexo da existência.
Falando particularmente da escrita de caráter lírico, acredito que ela flua de modo mais constantemente entre aqueles escritores que, de algum modo, apuraram a sua percepção, de modo a conceber o mundo e a existência de modo poético. Não penso que se trate de um dom, mas de um apurar dos sentidos muito particular. Quando leio uma poesia de alguém que se debruçou profundamente sobre arte poética, a sua escrita pode me despertar algo que me faça ver ou sentir o mundo de um modo inusitado, novo ou mesmo esquecido. Nesse sentido, a poesia pode me fazer mais humano, mais ligado ao outro, à geografia que habito ou me levar à compreensão de mundos que não conheço. Ela pode me fazer mais sábio, mas, também relevar a minha ignorância perante o universo.
A minha inspiração vem, na maioria das vezes, da observação do cotidiano, do movimento das pessoas e da natureza e da relação entre os seres humanos.
Vai Lendo – O livro traz poesias desde 1990. São 24 anos de poemas. Por que esperou até agora para colocar todos em um livro?
W.S.: A espera se deve a vários motivos. O mais óbvio deles é a dificuldade de ser aceito por uma editora. Outro motivo está relacionado com o próprio tempo do fazer poético. A poesia não pode ter pressa. Ela exige um tempo que não pode ser medido e que deve ser respeitado. Talvez, a percepção dessa condição seja uma das principais lições deixadas por escritores, como João Cabral de Melo Neto e Manuel de Barros.
Vai Lendo – Como foi esse processo de escolha dos textos que iriam entrar na obra e, posteriormente, a sua divisão?
W.S.: Confesso que o processo foi difícil, porque tenho uma produção inédita significativa. Inicialmente, a ideia era fazer um grande livro com vários livros. Mas cheguei à conclusão que poderia ser muito cansativo para o leitor e decidi por um formato que traz o livro principal e “trechos” de outros livros que, por sua vez, tratam de temáticas específicas. Designei esses trechos de “manuscritos”. Procurei, ainda, construir um livro de tal forma que gerasse uma unidade lírica (mais do que temática), para que o leitor tenha, por assim dizer, a possibilidade de se aproximar da experiência descrita no livro, através da linguagem poética.
Vai Lendo – Quais foram as suas principais dificuldades para entrar no mercado editorial e finalmente lançar o seu livro? Como você vê o mercado editorial para os escritores nacionais, principalmente na sua formação?
W.S.: Para mim, a entrada no mercado editorial ainda é uma dificuldade. Não tenho garantias de que terei o meu próximo livro editado pela minha atual editora ou por outra editora que garanta uma distribuição eficaz. A edição para escritores iniciantes continua sendo um grande desafio no Brasil, principalmente porque poucas são as editoras dispostas a investir em nomes pouco conhecidos no mercado.
Não sou um especialista em mercado editorial, mas o que sinto como autor é que há uma dificuldade muito grande para determinados tipos de autores entrarem no mercado editorial. Parecer haver uma preferência por fórmulas prontas que possam agradar um público já formado e que possam gerar grandes vendas rapidamente. Poucas são as editoras que estão dispostas a, verdadeiramente, abrir espaço e a desenvolver articulações para entrada no mercado de autores que fogem ao esquema de uma leitura fácil. Para grande parte das editoras, o que importa é o best-seller.
Vai Lendo – Você pensa em escrever algum livro narrativo no futuro?
W.S.: Tenho um livro de contos já pronto e aguardando uma oportunidade de publicação e trabalho, paralelamente, em outros projetos de livros de poesias e de contos. Há algum tempo, comecei a escrever um romance, mas deixei de lado o projeto porque considerei, em um dado momento do processo, que ele não estava atingindo a fluidez que queria.
Vai Lendo – A obra (o livro rarefeito) é mais introspectiva. O quanto ela reflete a sua personalidade e as suas próprias experiências?
W.S.: De alguma forma, todo o livro é uma biografia, e o escritor fala sempre de seu mundo, ainda que a partir de uma perspectiva universal. Uma vez, li uma bela introdução do cientista Carl Segan a dois livros do escritor inglês H. G. Wells, um notório escritor de ficção científica, na qual Segan dizia o quanto a ficção científica de Wells falava a respeito de seu mundo, de como, por exemplo, o livro A guerra dos mundos trazia questões inerentes às tensões que precederam à Primeira Grande Guerra e de como o livro A máquina do Tempo pode ser lido como uma narrativa de um dos principais elementos da Revolução Industrial: o embate entre as classes operária e burguesa. Tudo isso fez parte da existência de Wells. Com meu trabalho não é diferente. Ainda que eu busque abordar sentimentos e reflexões universais a respeito da existência, o meu material é a minha experiência de vida, as imagens as quais recorro são frutos de minhas vivências, assim como o manusear do idioma e o olhar poético que procuro lançar sobre os temas que abordo são possíveis pelo olhar particular sobre o mundo que procuro desenvolver em minha pesquisa como escritor, ou seja, aquilo que, talvez, entendemos por personalidade. Cada escritor tem uma personalidade textual e um dos objetivos de minha pesquisa é aprimorá-la, a fim de criar um melhor diálogo com o leitor.
Vai Lendo – O que falta para esse gênero ganhar mais espaço no mercado editorial?
W.S.: A questão é muito complexa. Como educador, eu acredito que um dos elementos seria a formação de leitores já na escola. Mas, infelizmente, a literatura, tal como vem sendo ensinada em muitos contextos escolares (de forma fragmentada, ligada apenas a períodos históricos ou através de imposição de textos e descontextualizada da realidade), quando é ensinada, não é atraente aos estudantes. Por outro lado, recentes sucessos de livros de poesias (como as reedições dos livros de Paulo Leminski ou o mais atuais, como o de Arnaldo Antunes) mostram que há um mercado ávido pela leitura desse gênero literário, mas esse leitor precisa ser cativado. Para alcançar esse público, é necessário, entre outros elementos, a eficaz articulação entre autores, editoras e agentes literários, algo que, no Brasil, ainda é complexo e acessível apenas a poucos autores.
2 Comentários
Marly de Abreu
Parabéns William pela belíssima entrevista e pelo seu livro rarefeito. Sua sinceridade e sensibilidade ao responder às questões do Vai Levando deixaram-me emocionada. Sucesso, desejo-lhe de coração. Siga em frente, que você tem talento.
Marcus Aurelius
Eu também concordo que o ensino de literatura esteja fragmentado, caminhando de maneira claudicante, e, por este motivo, deve ser pensado com mais seriedade.
Mestre, apoio o seu trabalho!
Continua assim….
Abraços 😉