Entrevistas

Entrevista: Bruno Flores

O escritor, jornalista e viajante Bruno Flores contou ao Vai Lendo sobre a sua experiência única de visitar e conviver com povoados do Oceano Pacífico para escrever o seu primeiro livro, ‘Rumah’, um romance antropológico

Uma verdadeira viagem profissional e pessoal. A história sendo escrita de maneira verdadeira e única, através da vivência do próprio autor e da sua capacidade e coragem de encarar o desconhecido e se aventurar em meio a povos e civilizações bem distantes da nossa realidade. Essa foi a experiência do escritor carioca, jornalista e viajante Bruno Flores, que transcreveu nas páginas a sua jornada, culminando no lançamento de Rumah, seu livro de estreia, publicado pela Editora Multifoco. Após visitar os arquipélagos de Fiji, Tonga e Vanuatu – e anteriormente Índia, Nepal e a trilha Inca até Machu Picchu -, ele criou uma saga sobre uma civilização primitiva no Oceano Pacífico, em três momentos: conquista, decadência e renascimento. E é justamente sobre a obra e todo o processo de pesquisa e escrita que ele falou ao Vai Lendo, numa entrevista bem bacana e cheia de relatos impressionantes e conhecimento.

Foto: Arquivo Pessoal
Foto: Arquivo Pessoal

Inspirado inicialmente por dois capítulos do livro Colapso – “Crepúsculo em Páscoa” e “As Últimas Pessoas Vivas: ilhas de Pitcairn e Henderson”-, de Jared Diamond, Flores contou que essa leitura tornou-se uma experiência reveladora de “como o homem age em situações limite, quando vê a sua própria existência ameaçada”. A partir daí, ele afirmou, teve início uma busca por um material mais extenso sobre o assunto, como os livros de ficção Histórias dos Mares do Sul, de W. Somerset Maugham, A Ilha, de Aldous Huxley, O Lobo do Mar, de Jack London, e A Ilha Misteriosa, de Julio Verne. Quanto à escolha de visitar os locais e conviver com os povos nativos, o autor exaltou a experiência por, segundo ele, ter permitido, acima de tudo, transmitir de maneira verídica e natural a sensação de “estar lá’.

“O encontro como povo local, a visita às aldeias e a imersão na natureza do Pacífico Sul foram essenciais”, declarou. “Escolhi Vanuatu e Tonga como meus destinos, entre outras razões, por serem países com um turismo ainda incipiente. Queria estar o mais próximo possível do modo de vida tradicional dos primeiros insulares do Pacífico, das praias de areia incrivelmente branca, como as nuvens do céu (daí o nome da Praia da Nuvem, em Rumah), de grutas sombrias, de florestas tão densas que parecem cobertas por um manto verde, e de aldeias que, em pleno século XXI, ainda vivem quase na era neolítica, fazendo fogo à mão, dormindo em esteiras e caçando javalis na mata. Fiji, embora tenha um turismo mais desenvolvido, entrou no meu roteiro devido à riqueza histórica e à natureza exuberante do lugar, sobretudo na ilha de Taveuni, ao norte”.

Durante 30 dias, Flores teve um convívio intenso com o povo e a natureza. Sozinho, ele chegou a atravessar cavernas de 300 metros de extensão – repleta de morcegos – e mergulhou com duas baleias Jubarte, mãe e filhote. A jornada também lhe presenteou com relatos impressionantes e inspiradores de moradores locais, como o guia de um pequeno museu em Port Vila (Vanuatu), que, ele contou também, só andava descalço e falava um inglês de difícil compreensão, mas contribuiu com muita informação sobre os povos antigos de Vanuatu e acabou virando referência para um personagem central de Rumah. O livro, aliás, possui uma estrutura pouco comum, sendo narrado de trás para frente e em capítulos alternados para, explicou o autor, “buscar no passado uma compreensão para certos enigmas do presente”.

“O livro narra a saga do povo Kitaran em três tramas paralelas, separadas de 100 a 200 anos uma da outra”, confirmou. “No caso, os capítulos se alternam começando com a última, depois a do meio e, por fim, a primeira, num ciclo que vai se repetindo até o final. É uma estrutura que estava no cerne da obra desde o início de sua concepção. A ideia era subverter a expectativa do leitor, retratando primeiro as gerações pós-colapso, pagando um preço alto pelas ações de seus antepassados, em seguida, o momento definitivo em que o destino de Rumah foi selado, com a ilha superpovoada, açoitada pela escassez de recursos, conflitos territoriais e ideológicos, e, por último, a grande conquista, com a expedição que levou ao descobrimento de Rumah e à promessa da evolução dos Kitaran. Passado o início, torna-se claro para o leitor o núcleo de cada trama e as motivações e conflitos de cada personagem. Os elos entre as histórias vão, aos poucos, construindo um quebra-cabeça que ajuda a compreender a identidade do povo Kitaran”.

Foto: Arquivo Pessoal
Aldeia Vunaspef – Vanuatu/Foto: Arquivo Pessoal

Flores admitiu que, por conta do volume de pesquisa, o processo de produção e desenvolvimento do livro foi bastante trabalhoso, mas ele não apontou maiores dificuldades, ressaltando o “imenso prazer nesta jornada”, além de todo o conhecimento adquirido. Em relação à aceitação do mercado editorial aos autores nacionais, principalmente de obras com temáticas tão complexas e detalhistas, ele acredita que depende principalmente do escritor e da sua forma de contar histórias para que o profissional ganhe o seu lugar de destaque na indústria.

“Tive que entender como viviam os povos tradicionais de várias regiões do Pacífico, seus costumes, vestimentas, adornos, como construíam suas casas e se relacionavam em família, as técnicas de navegação, guiando-se pelas estrelas e adquirindo, com o tempo, um conhecimento intuitivo dos ventos e das correntes, e a relação entre os clãs nas civilizações mais evoluídas”, relatou. “Tudo isso me exigiu bastante leitura e a viagem foi essencial para descobrir detalhes que enriqueceram a história e deram vida à Rumah. Embora tenha sido bastante trabalho, não sei se chamaria de dificuldade, pois foi imensamente prazeroso. Enxergo o meu livro mais como um romance antropológico, centrado em temas universais como aventura, romance, heroísmo e superação. Acredito que um autor talentoso, tendo em mãos uma boa história e sabendo contá-la com uma linguagem ao mesmo tempo apurada e dinâmica, tem tudo para conseguir se destacar, seja qual for o seu estilo. Daniel Galera, Raphael Montes, Sergio Rodrigues e muitos outros estão aí para comprovar. Embora no início seja difícil despontar e ganhar a atenção das editoras mais influentes, a autopublicação, os concursos literários e a divulgação pelas mídias sociais encurtam as distâncias entre o autor e seu público. Da minha parte, sinto que encontrei meu mundo na literatura. Adoro a arte de contar histórias e seguirei em frente com novos romances e contos”.

Ilhas Yasawa - Fiji/Foto: Arquivo Pessoal
Ilhas Yasawa – Fiji/Foto: Arquivo Pessoal

Por falar em planos futuros, Flores anunciou que pretende traduzir Rumah para o inglês e o espanhol e, assim, lançá-lo, em breve, em outros países. Além disso, a vasta pesquisa também lhe rendeu um material bastante variado, que, claro, foi impossível colocar em uma obra só. Por isso, ele também revelou que já há ideias para uma continuação de seu primeiro livro, bem como para outros trabalhos, inclusive, previstos para o ano que vem.

“Como já tinha escrito a primeira versão do livro quando viajei, tive que filtrar as informações para selecionar aquilo que se encaixava na história”, concluiu. “Mas acredito, de fato, que as melhores ideias tenham vindo da imaginação. A pesquisa vem para auxiliar, e muito. Como Rumah é um épico, há diversos caminhos para dar continuidade à história do povo Kitaran, revelando o destino de alguns clãs e personagens e abordando um lado novo: o contato com os primeiros europeus. Ano que vem pretendo lançar um livro de contos, com temáticas que transitam pela crônica social urbana, ora dramática e amarga, ora com humor, ou por mundos inventados e improváveis”.

Jornalista de coração. Leitora por vocação. Completamente apaixonada pelo universo dos livros, adoraria ser amiga da Jane Austen, desvendar símbolos com Robert Langdon, estudar em Hogwarts (e ser da Grifinória, é claro), ouvir histórias contadas pelo próprio Sidney Sheldon, conhecer Avalon e Camelot e experimentar a magia ao lado de Marion Zimmer Bradley, mas conheceu Mauricio de Sousa e Pedro Bandeira e não poderia ser mais realizada "literariamente". Ainda terá uma biblioteca em casa, tipo aquela de "A Bela e a Fera".

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