Entrevista: Ricardo Ragazzo
Em entrevista ao Vai Lendo, Ricardo Ragazzo, autor de ‘Cidade Banida’, fala sobre seu processo de criação, influências, e de como se sente ‘escolhido’ pelas próprias histórias
A arte da escrita deve ser leve, vir naturalmente e livre de qualquer imposição. Ela tem que ser ousada, não pode ter medo de arriscar e de liberar a criatividade. Ela tem que fluir do escritor para os leitores. Assim é o jeito de Ricardo Ragazzo pensar e escrever. O autor de Cidade Banida, publicado pela editora Planeta, bateu um papo muito bacana com o Vai Lendo sobre as suas inspirações, seu processo de criação, a importância do RPG e suas expectativas em relação ao mercado editorial para os autores brasileiros.
Bacharel em Direito, Ragazzo começou a se descobrir um escritor em 2000, de forma trágica, após a morte do pai. O escritor paulista contou que a escrita veio como uma oportunidade de liberar e expressar seus sentimentos, depois de enfrentar um processo pessoal complicado, que culminou em uma depressão. Paralelamente, ele também passou a jogar RPG (famoso “Jogo de Representação de Personagens”), momento em que, Ragazzo afirmou, descobriu seu talento para criar.
“Nunca fui bom em expressar meus sentimentos oralmente e, mesmo que fosse para conversar com meu falecido pai, optei por escrever uma carta (ela está publicada na minha coluna no blog Outro Planeta, da editora Planeta)”, explicou Ragazzo. “Tempos depois de tê-la escrito, algumas pessoas tiveram acesso a ela, e a emoção no rosto delas ao ler o conteúdo me surpreendeu. Foi quando eu descobri que conseguia emocionar através das escrita – foram meus primeiros 50% (de influência para virar, de fato, um escritor). Ao mesmo tempo, comecei a jogar RPG e, por um acaso, acabei mestrando uma campanha para os meus amigos. Desde então, nunca mais deixei de mestrar. Tinha prazer em construir as tramas e adaptá-las aos personagens criados pelos meus amigos. Fazer com que usassem aquele poder que haviam comprado com tanto custo. O RPG me mostrou que amava criar. Meus outros 50%. Até que um desses amigos perguntou-me por que eu não escrevia livros. Nunca tinha pensado nisso, até aquele momento. Como jogávamos o RPG Vampiro: A Máscara, esse amigo me deu o livro Os Sete, do André Vianco. Adorei. E depois pensei: “Eu também posso fazer isso”. Foi assim que tudo começou, há oito anos”.
Com Cidade Banida, Ragazzo se aventurou, pela primeira vez, numa distopia. Na trama pós-apocalíptica, todos os bebês nascidos na Prima Capitale (o lugar no qual foi confinada boa parte dos seres humanos sobreviventes) são obrigados a passar pelo crivo de seres capazes de prever o futuro. Caso, nessas visões, apareça a revelação de que o novo cidadão cometerá um crime, sua sentença será a morte. Apesar de a premissa parecer bem longe da nossa realidade, o escritor foi surpreendido ao ver o tema que trouxe às suas páginas bem próximo da nossa vida “real” (em 2015, o deputado federal Laerte Bessa – PR/DF – comentou a possibilidade de, no futuro, detectar tendências criminosas em bebês, ainda durante a gestação, e interromper a gravidez, nessas situações). Para ele, no entanto, essa questão é bem mais complexa e mostra a fragilidade do ser humano de lidar com seus próprios problemas.
“Achei engraçado ver a ficção “sendo trazida” para a nossa realidade”, declarou. “Pensar que um deputado trouxe a público a mesma premissa que vislumbrei para um futuro pós-apocalíptico é algo bastante caricato. Mostra, entretanto, como a humanidade pensa seus problemas. Quando não conseguimos lidar com determinada coisa, pensamos em alguma solução prática sem nunca nos colocarmos na posição do outro. A bomba nuclear em Hiroshima e Nagasaki, o nazismo, a inquisição espanhola, os genocídios na África, todas foram formas simplórias e estúpidas de lidar com diferenças raciais, religiosas, sociais que não entendemos. Imagine se a esposa desse deputado tivesse que fazer um aborto por conta da própria lei que ajudou a promulgar. O que faria ele, então? As decisões são tomadas por aqueles que não vivem, de fato, com determinado problema e, portanto, têm pouco conhecimento sobre o assunto. Como o referendo sobre o desarmamento, em outubro de 2005. Votei a favor do desarmamento – meu medo de morrer em uma estúpida discussão de trânsito é maior do que morrer durante um assalto -, mas a verdade é que essa decisão, na minha opinião, deveria ser tomada por aqueles que convivem diretamente com essa violência, TODOS OS DIAS. Se o pai de família pobre da periferia falar para mim que está mais seguro com uma arma em casa, quem sou eu para desmenti-lo? Meu livro trata um pouco disso. Uma ideologia que acredita estar fazendo o bem, mas que fecha os olhos para a minoria afetada por aquela realidade. A ideia de se poder prever a personalidade de uma criança recém-nascida pode ser fantasiosa, mas esse conceito autoritário já é bastante real na nossa sociedade há séculos”.
Ragazzo defendeu a concepção de que são as ideias que escolhem o autor e, por isso, não se considera apegado aos gêneros. Tanto que, inicialmente, ele confessou, nem havia se tocado de que estava escrevendo uma distopia. Para ele, os cenários criados em uma distopia são os principais diferencial e desafios deste gênero em relação aos outros, uma vez que é preciso criar uma nova realidade, dentro de um ambiente já conhecido, que seja “crível o suficiente para que as pessoas acreditem no que está acontecendo”. E, apesar de o tema agradar bastante os leitores, ele – que se surpreendeu com a recepção do público com seu livro – ressaltou que ainda há espaço para distopias nacionais nas livrarias, pois, hoje em dia, não há muitas obras brasileiras desse tipo. Contudo, Ragazzo apontou que atualmente há um processo de abertura maior das grandes editoras para autores nacionais, mas, ele também ressaltou, com a crise, as editoras pensam duas vezes antes de apostar em alguém novo.
“Costumo dizer que existe um i-Cloud de ideias que sobrevoam a cabeça de todos os escritores, conectando-os”, disse. “Somos escolhidos pelas ideias porque elas nos veem como o escritor que melhor irá colocá-las no papel naquele momento. Não fui eu que escolhi escrever uma distopia, foi ela que me escolheu. Não é fácil criar e pensar em cada coisa como se fosse algo novo e, ao mesmo tempo, fugir de referências que existam na realidade que conhecemos. O leitor é um ser exigente e atento. São os riscos de se inventar um mundo. Acho que aí jaz o grande desafio do gênero distópico. Porém, esse ‘boom’ de distopias que observamos hoje não é válido para as distopias nacionais, ao menos naquelas editoras que conseguem chegar às livrarias. As únicas distopias nacionais que vejo em livrarias – e isso não quer dizer que não existam outras – foram a trilogia Anômalos, da Bárbara Morais (Ed. Gutemberg), os livros da série Supernova, do Renan Carvalho (Ed. Novo Conceito), A-LII, da Ana Macedo (Ed. Novo Século), e A Torre Acima do Véu, da Roberta Spindler (Giz Editorial). Ou seja, acredito que ainda haja mercado para os brasileiros nesse gênero aqui no Brasil. E, sobre isso (mercado editorial), temos que entender que o mercado literário precisa se manter, os lucros são baixos e o “produto” livro, apesar de um valor cultural incalculável, monetariamente não é muito valorizado. As pessoas pagam R$ 50 para assistir a um filme em uma tela Imax, mas têm dificuldade em achar R$ 25 em um livro de 300 páginas um preço justo. Quem sabe daqui há duas ou três gerações, né? Sobre a concorrência com os livros internacionais, ela é injusta para todos os gêneros, inclusive a fantasia. Mas eu costumo dizer que qualquer autor está a uma história de distância do sucesso. Talento e perseverança são peças importantes e – quase – infalíveis”.
Por falar em talento e perseverança, Ragazzo segue bastante os “conselhos” de um de seus maiores ídolos literários: ninguém menos do que o mestre do terror/suspense Stephen King. Ele declarou que o modo de pensar de King e sua ousadia se parecem muito com o que tenta levar para a sua própria vida e trabalho. Tanto que o escritor brasileiro é ainda o idealizador de um projeto chamado “Plots”, no qual mostra os erros mais comuns cometidos por escritores, seja iniciante ou “veterano”.
“ Falo para os meus amigos que, se encontrasse o Stephen King ao vivo, provavelmente me comportaria como uma fã jovem do Restart, o que não seria muito bem visto para um pai de família de 1,91m de altura”, brincou. “O que mais admiro nele são os recursos narrativos e a construção épica que faz dos personagens. A maestria com a qual ele nos conduz durante o livro chega a deixar a história em segundo plano, às vezes. Em termos de influência, acho que o que mais admiro no King é que ele é “sacudo”. Não tem medo de arriscar. Ele sai da caixinha. Procura desafios. Ele presta atenção na sua i-Cloud. A impressão que tenho é a de que ele também é refém das suas ideias. Não escolhe, é escolhido. Guardando as devidas proporções, eu me vejo assim também. Arrisco sem medo quando tenho convicção do que estou fazendo. Exemplo disso é o meu primeiro livro 72 horas para morrer. Uma obra extremamente polêmica. E essa sempre foi a intenção. Quem teve contato com o livro antes do lançamento dizia, sem exceção, “não faça isso. É muito arriscado”. E, quanto mais eu ouvia, mais eu queria fazer, pelo simples fato de ser algo intencional, calculado. E, na Literatura, tudo que é feito com intenção é válido. Desde que você aceite e saiba lidar com as consequências. E o ‘Plots’, por sua vez, faz parte de uma palestra que ministro intitulada ’25 motivos que fazem o leitor largar o seu livro’. Ao final, introduzo um baralho de storytelling criado com meu amigo autor Carlos Matos (O Empreendedor Viável, Ed. Leya) onde selecionamos cartas de personagens baseadas nos arquétipos de Jung, cartas de conflito e de cenário, e nesse universo oferecido pelas cartas o autor deve desenvolver a premissa de uma história. Qualquer história. Desde que siga o que as cartas dizem. É um processo bastante interessante. Como soltar uma criança em um playground cercado onde ela pode brincar com tudo que está ali dentro, mas não com o que está fora. Ajuda a focar na hora de criar algo”.
E a criação, segundo Ragazzo, é uma consequência de gerar o interesse natural pela leitura. Para o autor, a base deve ser a educação, juntamente com a preocupação de se introduzir esse hábito de maneira leve e gradual.
“Deixei de ler por anos por conta dessa fórmula ultrapassada de jogar clássicos na cara de jovens despreparados para ler um José de Alencar e um Machado de Assis e avaliá-los em testes específicos sobre a obra”, confirmou. “Isso não torna ninguém um leitor. Da mesma forma que acredito que os escritores são escolhidos pelas histórias, as histórias são escolhidas pelos leitores. O prazer da leitura está na liberdade de escolher aquilo que mais lhe prende a atenção. Qualquer livro forçado a um leitor deixará cicatrizes, em vez de marcar sua alma positivamente. A escola tem que entender e conhecer melhor seus alunos e oferecer a eles opções que gerem desejo e curiosidade. O tempo para os clássicos virá depois, é inevitável. A leitura é um exercício viciante, mas, se mal introduzido, pode gerar um repúdio irreversível. Primeiro crie a fome pela leitura, depois, preocupe-se com o que vai alimentá-lo”.
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Saiba onde comprar “Cidade Banida”:
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