‘O Rio Antes do Rio’ conta a história e curiosidades da formação da cidade
Em ‘O Rio Antes do Rio’, publicado pela Babilonia Cultura Editorial, o jornalista Rafael Freitas da Silva nos apresenta um relato história e aprofundado sobre as disputas entre indígenas e europeus que culminaram na formação da cidade do Rio de Janeiro
No Dia de São Sebastião, nada melhor do que homenagear o padroeiro do Rio de Janeiro do que apresentar a vocês um livro que faz questão de mostrar as origens, belezas e curiosidades da nossa cidade maravilhosa. Em O Rio Antes do Rio, do jornalista Rafael Freitas da Silva, publicado pela Babilonia Cultura Editorial – este é o sexto título lançado pela empresa, que estreou seu catálogo editorial em 2015 -, temos as histórias e disputas entre indígenas e europeus que culminaram na formação da cidade do Rio de Janeiro. Com textos de capas assinados pelo historiador Luiz Antonio Simas, além dos jornalistas Sidney Garambone e Pedro Bial, a obra, segundo Rafael, “tenta fazer a história dos vencidos, porque a dos vencedores já conhecemos”.
Em entrevista ao Vai Lendo, o jornalista ressalta que nos livros de história do Brasil (e não apenas do Rio de Janeiro), “não existe o menor esforço de se levar em conta o que havia antes na terra e a ‘história’ do nosso povo nativo”.
“Existe uma concepção muito etnocêntrica da nossa história como nação e povo, de que tudo começa com a chegada dos europeus (portugueses), de que o Brasil era um imenso vazio a ser ocupado (e creio que essa concepção arraigada ainda se mantém)”, afirmou Rafael. “A própria teoria do ‘descobrimento do Brasil’ já revela essa vertente. No Rio de Janeiro, essa forma de ver a história simplesmente apagou a origem ‘tupi’ de nomes como CARIOCA, IRAJÁ, TAQUARA, PAVUNA e tantos outros que são ‘explicados’ como se fossem ‘criações’ portuguesas. Eram grande aldeias tupis. Há historiadores consagrados no Brasil que nunca se preocuparam em estudar as civilizações indígenas, que nunca estudaram o tupi antigo e que baseiam suas obras em contar a colonização europeia em nossas terras como ‘heroicas’, como se essas ações fizessem parte de um ‘desenvolvimento’ do próprio Brasil. Claro que alguns outros autores, ainda bem, tentaram, já no século XX, combater essas concepções e procuraram estudar nossas origens de uma maneira mais teórica e geral, buscando nossas origens mais profundas. Contudo, até hoje, ninguém tinha nem ao menos tentado reproduzir um Rio Antes do Rio, o Rio dos tupinambás”.
Ao todo, são 432 páginas que têm como objetivo “preencher essa lacuna na formação dos leitores cariocas e interessados nas origens da Guanabara”. Em quatro capítulos, Rafael retrata a vida de um homem e de uma mulher nos primórdios da cidade, bem como traça um panorama informativo sobre os nomes das aldeias e os morubixabas (caciques) que eram os “chefes” da Guanabara, desde a chegada dos tupis, há, mais ou menos, dois ou três mil anos. Já nos dois últimos capítulos, o jornalista reconstrói a história da cidade com informações capazes de ajudar os leitores a entender profundamente as origens da formação do Rio de Janeiro. Apesar de toda a extensa pesquisa, o desejo de contar esta história partiu por acaso, justamente a partir de uma obra que trazia o olhar de um estrangeiro sobre a cidade. E foi a partir daí, Rafael contou, que ele percebeu a necessidade de termos um conteúdo exclusivamente nacional e completo sobre as nossas próprias origens.
“Há, mais ou menos, três anos, encontrei uma edição de bolso da obra Viagem à terra do Brasil, de Jean de Léry, o protestante calvinista que esteve no Rio de Janeiro em 1557, com prefácio do antropólogo Levis Strauss”, explicou. “Eu já conhecia este livro porque é um clássico da nossa história (principalmente do Rio de Janeiro). Mas realmente nunca havia tido contato com a edição em francês. O livro é a história da passagem desse europeu por uma Guanabara totalmente indígena; é muito interessante pensar que toda aquela odisseia, aqueles franceses todos da França Antártica e seu incrível contato com os tupinambás, se passa no mesmo lugar onde moramos hoje. Pois bem, lá pelo final do livro (que é enorme), num capítulo bem estranho que mais parece um texto de uma peça de teatro, Léry fornece duas listas de aldeias do Rio de Janeiro daquela época (ele já apontava 35 aldeias). Eu nunca tinha prestado atenção a esse detalhe, acho que pouca gente prestou. E aí, pensei ‘opa, como é que eu nunca soube desses nomes todos? Por que eu nunca vi um livro que falasse sobre o que significavam e onde ficavam essas aldeias? Será que estou louco ou ninguém realmente nunca se interessou em descobrir mais sobre essas informações, que não podem ser refutadas’? Aí, comecei a ir a fundo atrás de tudo sobre esse assunto, e ainda demorou muito tempo para que eu fosse juntando todas as esparsas informações que encontrava. Foi apenas no fim da pesquisa que eu realmente me dei conta de que havia conseguido juntar todos os elementos necessários para escrever sobre como era o verdadeiro Rio antes do Rio. Foram fundamentais para isso os livros de Florestan Fernandes sobre a sociedade tupinambá, os estudos de Maurício de Almeida Abreu (geógrafo da UFRJ) sobre as origens do Rio de Janeiro, as publicações modernas sobre o tupi antigo de Navarro de Almeida (professor da USP), também os trabalhos dos anos 60 do grande especialista em tupi Frederico Edelweiss, assim como as pesquisas arqueológicas de Maria Beltrão (e outros arqueólogos), e tantos outros autores importantes que ajudaram aqui e ali a desvendar alguns enigmas que me impunham enormes dificuldades de prosseguir.”
Rafael se disse feliz com o resultado e a recepção da obra e exaltou o caráter jornalístico do livro, desenvolvido a partir de fontes históricas, apontando também que todo o conteúdo e material apresentados são absolutamente verídicos e sem qualquer tipo de edição.
“Em nenhum momento tentei ‘inventar’ qualquer coisa ou ‘florear’ nossa história em busca de contar um capítulo de nosso tempo de maneira leviana ou falsa”, declarou. “Antes de tudo, procuro ser um jornalista que se apoia nas fontes (históricas) para escrever sobre qualquer tema, sempre em busca da verdade, por mais que saibamos que existem várias formas de se encarar a mesma. O Ruy Castro, a quem prezo muito, foi ao lançamento do livro e nos confidenciou que o que ele mais havia gostado da obra era justamente o fato de ser um livro jornalístico e que eu não quis fazer um romance, ou uma história ‘baseada em fatos reais’, o que está muito em voga ultimamente. Então, saliento que nunca existiu um livro que contasse tudo o que já sabemos das gigantescas aldeias tupinambás do Rio de Janeiro, e isso, por si só, já deveria ser motivo de comemoração para a nossa cultura Karióka, nome que já nos leva para O Rio Antes do Rio.