Entrevista: Marina Carvalho
O Vai Lendo conversou com Marina Carvalho sobre o seu novo livro, ‘O Amor nos Tempos do Ouro’, a empreitada no gênero romance histórico e como as salas de aula viraram inspiração
A beleza e a magia dos contos de fadas, mas com um jeitinho bem brasileiro. Inclusive, com locações bastante familiares para nós, leitores tupiniquins. É isso o que a escritora Marina Carvalho (Simplesmente Ana, Elena, A Filha da Princesa) traz em seu novo livro, O Amor nos Tempos do Ouro – também o primeiro romance histórico de sua carreira -, com lançamento previsto para abril, pela Globo Alt. Explorando toda a diversidade e os encantos da história do nosso país, a autora aborda a temática do período do ciclo do ouro no Brasil Colônia e aproxima o gênero, ainda pouco trabalhado em títulos nacionais, do público brasileiro. Em conversa com o Vai Lendo, a autora falou sobre as expectativas com o novo trabalho, agora numa nova editora, bem como da necessidade de se trabalhar a história do Brasil na nossa literatura e das principais diferenças entre escrever um romance histórico e as suas obras contemporâneas já publicadas.
“Sinto que a casa nova e a abordagem histórica, presente no novo livro, repercutirão de modo bastante positivo”, declarou. “Primeiro, porque a Globo está me dando o suporte necessário para que tudo saia perfeito – a equipe é fantástica. Depois, pelo fato de que a temática – o período do ciclo do ouro no Brasil Colônia – é pouco explorada atualmente. Estou torcendo muito para que os leitores gostem. É tudo diferente, tudo, do conteúdo (mais consistente, uma vez que envolve fatos históricos, o que exige muita, mas muita pesquisa mesmo) à linguagem, que não pode ser simplesmente igual à usada nos romances contemporâneos. Em minhas primeiras obras, as principais preocupações giravam em torno do enredo, ou seja, ele tinha que ‘colar’. Agora, além disso, o simples fato de usar uma palavra não condizente com a época retratada poderia resultar numa mancada épica, o que procurei evitar a todo custo. Portanto, meu trabalho triplicou de tamanho, no fim das contas. Mas amei cada momento”.
A escritora mineira ressaltou os desafios da nova empreitada, justamente pelo árduo e necessário trabalho de pesquisa, e destacou ainda a importância de se trazer o gênero do romance histórico para mais perto dos leitores brasileiros, em especial os jovens, que anseiam, segundo ela, por novidades. Para Marina, a aproximação do público com os escritores permite novas formas de expressão e consequentemente uma abordagem mais atual, leve e fantástica da história do país, e não apenas didática, ajudando a estimular o interesse por esses assuntos.
“Quando decidi escrever o livro, queria logo botar a mão na massa, mas não podia, porque antes precisava mergulhar no universo da pesquisa”, explicou. “Foram meses de leituras e investigações, que me levaram a descobertas nunca sequer imaginadas por mim. Eu me perguntava: ‘Será que faltei a essa aula de História, meu Deus?’, porque muito do que aprendi na escola simplesmente não bate com as informações que adquiri nesse processo de conhecer mais a época que quis retratar no meu livro. De fevereiro a junho de 2015, tudo o que fiz foi ler uma bibliografia extensa. E não parei mais, até colocar o último ponto na história. Quis retratar o ciclo do ouro no Brasil Colônia porque percebo que o romance histórico brasileiro é um gênero praticamente inexistente. Não que não haja interesse por parte dos leitores. Prova disso é a quantidade de romances históricos estrangeiros consumida no país. Como escritora de histórias voltadas para o público jovem, percebo que ele anseia por novidades e usa a proximidade com os autores para se expressar. Portanto, há algum tempo, sinto que abordar a História do Brasil, não de forma didática, mas em narrativas que mesclam a realidade e a fantasia, vai de encontro ao interesse desse novo leitor, antenado e exigente. Nas escolas do país, ambiente tão familiar para mim, não se vê (e nunca se viu) um só aluno esperando ansioso pelo momento de mergulhar na aventura que foi a corrida do ouro, um tema muitas vezes tedioso para os jovens. Diferente do momento que abrange a Segunda Guerra Mundial, ou a Revolução Francesa, assuntos amplamente utilizados por roteiristas e escritores estrangeiros e, portanto, bem mais conhecidos. Por tudo isso, resolvi investir nessa temática”.
Ainda que o gênero romance histórico seja pouco trabalhado por autores nacionais, Marina, que também é professora de Português, exaltou o aumento do interesse pela literatura brasileira e condicionou esse fato à ajuda da internet, que facilitou a relação dos autores com os leitores (inclusive, a capa de O Amor nos Tempos do Ouro foi escolhida pelos próprios leitores, em enquete nas redes sociais). Ela, contudo, apontou para a divulgação precária do trabalho de escritores brasileiros por parte da imprensa, o que dificulta, em sua opinião, o reconhecimento pelo público em geral.
“A imprensa especializada em literatura contemporânea é quase inexistente no país”, alertou. “Se não são as editoras – que divulgam como podem –, os próprios autores, que precisam se tornar marqueteiros de si mesmos, e, claro, os blogueiros, nada andaria. Quando o livro é considerado ‘cult’, há um pouco mais de boa vontade por parte da imprensa. Porém, não posso afirmar o mesmo em se tratando de gêneros mais voltados para o entretenimento (romances, por exemplo). Lamentável. Os leitores, por sua vez, estão mais favoráveis a consumir o trabalho produzido aqui. Antes, interessavam-se apenas pelos autores estrangeiros, pelos best-sellers internacionais. Com a ajuda da internet, passaram a conhecer melhor os escritores brasileiros e a respeitarem a escrita e o estilo de cada um”.
Leitora voraz assumida, Marina tem influências literárias variadas, de Pedro Bandeira a Érico Veríssimo, passando por Maria José Dupré, Ana Maria Machado e Fernando Sabino, a autores contemporâneos, como Meg Cabot, Sophie Kinsella, Philippa Gregory. Mas é na sala de aula que ela encontra a sua principal fonte de inspiração. O orgulho e o carinho de seus alunos com seu trabalho – apesar de se reconhecer como uma “professora linha dura” – e a boa relação com os leitores tornam, ela afirmou, todo o processo recompensador. Falando por experiência própria, Marina destacou ainda a importância de se preocupar em estimular o gosto pelos livros nos jovens através das possibilidades.
“Ser professora me ajuda, antes de tudo, a enxergar meu público-alvo a um palmo de distância”, disse. “Eles estão ali, na minha frente, dando-me pistas o tempo inteiro a respeito das tendências, preferências, ‘micos’. Isso é o máximo, uma vantagem maravilhosa. Aprendo muito na relação com os jovens no dia a dia, até mesmo a apreciar leituras que antes, por escolha própria, talvez eu jamais tivesse feito. Meus leitores são tudo, uma das melhores partes de todo o processo, depois do barato que é escrever um livro. Faço de tudo para corresponder à altura todo o carinho que me dispensam. Com meus alunos é diferente. A relação de sala de aula é estreita, diária. Na maior parte do tempo sou a professora linha dura, que cobra disciplina, respeito e compromisso com o conteúdo (risos). Mas percebo o orgulho deles – da maioria, pelo menos – por terem uma professora escritora. A quantidade de jovens que andam por aí com livros sob o braço, orgulhosos de suas leituras é maior; houve, sim, um aumento gradativo no índice de leitura no país. Mas ainda é preciso dar longos passos para que possamos nos tornar uma nação de leitores. É preciso disseminar o gosto pelos livros, não obrigando a criança e o jovem a ler apenas textos maçantes, mas oferecendo possibilidades, que são muitas hoje em dia. Por imposição não se conquista o leitor”.
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