Canalzinho leva obras infantis brasileiras aos leitores da França e da Inglaterra
No Dia Nacional do Livro Infantil, falamos sobre um evento que irá celebrar a língua portuguesa na Europa, através dos livros infantis e infantojuvenis: o Canalzinho, criado pela escritora mineira Nara Vidal
Quando aprendemos a ler, passamos a enxergar o mundo de outra forma. Ou melhor, descobrimos o mundo. Ler permite às crianças criar, viver, explorar e sonhar. Nomes como Mauricio de Sousa, Monteiro Lobato (cujo nascimento foi inspiração para essa data comemorativa), Maria Clara Machado, Ziraldo, Pedro Bandeira, entre tantos outros, nos ajudaram a desenvolver esse hábito tão prazeroso, desde que começamos a entender o significado das palavras. E são eles que levamos em nossas mentes e em nossos corações, onde estivermos. Mesmo em outros países, como é o caso de muitas crianças que moram fora do Brasil, mas que, graças a seus pais, seguem conhecendo e se apaixonando pelos clássicos de sua terra natal. Por isso, no Dia Nacional do Livro Infantil, o Vai Lendo fala sobre um projeto muito especial, o Canalzinho, responsável por divulgar a literatura em língua portuguesa para crianças e jovens em Paris e Londres, nos dias 17 e 24 de setembro, respectivamente.
Criado pela escritora mineira Nara Vidal, que mora em Londres há mais de 10 anos, o Canalzinho nasceu da percepção da autora pelo interesse da comunidade brasileira que vive no exterior pela literatura infantil nacional. Assim, o evento pretende aproximar as obras literárias infantis e infantojuvenis brasileiras de seus pequenos leitores que estão “longe de casa” – além de apresentá-la ao público estrangeiro, consequentemente -, e espera ainda contar com a presença de outros países que compartilham a nossa língua.
“Acredito que a razão principal do evento é trazer a literatura de casa, para crianças e jovens, para nós, imigrantes brasileiros que moram em Londres e em Paris”, explicou Nara ao Vai Lendo. “Mas não somente. O evento é feito para a comunidade de língua portuguesa. Portanto, esperamos ver participações do público de Portugal, Angola, Moçambique, Cabo Verde e por aí vai. O que me move a realizar isso é a celebração da língua portuguesa como linguagem em histórias, contos, debates. Está todo mundo convidado. Inclusive, quem não é da comunidade de língua portuguesa, mas tem um interesse pela nossa literatura. É importante, porém, dizer que tudo isso irá acontecer através de parcerias incríveis. Em Paris, o Centre Culturel du Brésil, através da Juliane Oliveira, vem nos dando todo o apoio para que o Canalzinho aconteça na França, da forma mais bonita possível. Aqui em Londres, a Embaixada está muito disponível a nos ajudar e tem sido muito atenciosa com o evento. Além disso, temos escolas que participarão do evento com muito brilho e alegria”.
Dentre os autores convidados e confirmados no Canalzinho estão Ivna Maluly, Kátia Gilaberte, embaixadora do Brasil em Liubliana, Susana Ventura, Rosana Rios, Leo Cunha, Manuel Filho, Celina Portocarrero, Mariza Baur, Simone Mota, Daliza Ribeiro, Isabel Cintra e o ilustrador Zeka Cintra. Com programação já fechada, Nara contou ainda que os autores que não poderão estar presentes serão representados por suas obras, que ficarão expostas numa livraria pop up durante o evento. Para Nara, é importante que as crianças brasileiras que moram foram tenham esse contato com obras literárias do seu país para poderem manter viva a língua portuguesa, uma vez que ela acredita que o aprendizado não precisa ser exclusivamente didático, mas sim através do estímulo à curiosidade e ao interesse do próprio leitor.
“Quando eu passei a escrever, e com meus livros publicados, me aproximei de escolas e pais brasileiros aqui na Inglaterra que têm muita preocupação em manter viva a língua portuguesa”, ressaltou. “É uma missão extremamente difícil. Há inúmeros obstáculos para o desenvolvimento do português. A criança, em certa época, chega até a rejeitar a língua falada pela mãe, pai ou pelos dois, já que os amigos ingleses não falam aquele idioma. Eu não tenho dúvida de que os livros, as histórias em português são cruciais para manter essa língua viva, apesar dos desafios. Mas, muitas vezes, o que temos disponibilizados aqui são livros que perpetuam estereótipos, tratam a língua como algo a ser aprendido de fora para dentro. Eu aposto no caminho inverso. Os livros em português para nós, imigrantes, são mais interessantes quando são, feito os ingleses, divertidos, curiosos, emocionantes. Não precisamos exatamente de um livro didático. A literatura, se contínua, dá bem conta de encaixar a língua portuguesa no cotidiano. Claro, com os livros, a criança bilíngue vai aprendendo a conjugar seus verbos, escrever com a flexões devidas, usar os artigos de forma correta, enfim, a língua está sempre viva, em processo de mudança. Os livros de história são a melhor ferramenta para manter vivo o interesse por ela”.
Além do Centre Culturel du Brésil e da Embaixada do Brasil em Londres, o Canalzinho conta também com o apoio da University College London e da Miúda Books. Contudo, Nara exaltou ainda dos voluntários e das pessoas que aderiram à causa, seja hospedando os autores convidados ou se oferecendo para trabalhar nas bancas de vendas de livros. E isso, segundo ela – que diz ter feito o “caminho inverso”, já que lançou o projeto antes de receber qualquer apoio -, desde que a ideia foi divulgada. Por outro lado, a escritora destacou que não existe qualquer intuito de que o Canalzinho possa servir também para despertar o interesse de editoras, até pela concorrência que as obras iriam enfrentar com os inúmeros títulos locais.
Nara, que se prepara para lançar o seu novo livro, Cadê o Sono?, em agosto (em Londres, o lançamento será em maio), pela editora Cuore, destacou as diferenças na formação de novos leitores no Brasil e em Londres, contudo, ela explicou que é complicado fazer uma comparação, devido ao choque de realidade entre os dois países. Ela, que estreou na literatura em 2012, com uma série bilíngue de dois livros O segredo de Amelie e As férias de Amelie e Julia, conta que, agora, o foco está em sua língua materna.
“Há aqui o acesso à literatura sem grandes pompas e circunstâncias, fora a questão de a literatura ser algo divertido, democrático”, explicou. “Mas gosto de destacar que é perigoso fazer qualquer comparação entre os programas de educação dos dois países. É crucial que a gente perceba que, quando falamos da Inglaterra, falamos de um país que não sofre dos mesmos problemas que o Brasil. É um país que traz uma História com diferenças de classes menos profundas. Não é possível comparar sem cair na ingenuidade do tópico. Mas há boas ideias tanto aqui quanto aí. Os livros bilíngues fizeram parte de uma coleção que acabou. Há editoras que já me procuraram para falar de um relançamento, reedição desse material. Não fiz nada ainda por completa falta de tempo. Mas, desde que fiz os livros bilíngues, eu me voltei para a escrita em português. Não é a nossa língua a nossa pátria? Sinto saudades do português e consigo enxergar meus textos na minha própria língua. Apesar de eu ser totalmente bilíngue há muito tempo, meu coração ainda é dominado pela latinidade da última flor do Lácio”.
A escritora destacou ainda os variados eventos literários realizados no Brasil e afirmou que haveria, sim, o desejo de realizar um projeto como o Canalzinho em terras tupiniquins, caso ele não fosse limitado pelos trâmites da burocracia. Para ela, um dos grandes desafios na formação de leitores brasileiros é a educação, a qualidade da educação pública refletida no pouco reconhecimento do trabalho dos professores, além de uma inserção mais conservadora da nossa própria literatura.
“Sem dúvida há professores que, além de qualificados, são comprometidos e apaixonados pela sua função”, apontou. “Mas isso é raro. Uma profissão maltratada e vista com descaso por todo governo que entra e sai não tem como oferecer qualidade. Esse é um dos pontos fundamentais, básicos. Em relação à introdução da literatura especificamente, muitas vezes, isso ocorre com falhas que são passadas feito herança, feito tradição. Eu me lembro muito claramente do dia em que fui apresentada a José de Alencar e sua Iracema. Batia muito sol na sala e senti uma vontade incontrolável de dormir. Eis um dos maiores problemas: a grande literatura é apresentada de uma maneira tão preciosa, tão erudita, que, ali mesmo, naquele início, já cria distanciamento e exclui muitos leitores. É como se aquela experiência fosse para poucos e raros. Eu acredito que seja possível introduzir gentilmente as nossas literaturas brasileira e portuguesa clássicas aos leitores iniciantes. Mas é preciso fazê-lo com democracia. É necessária uma visão além do texto. Propor discussões e temas que cercam Iracema, por exemplo. Podemos falar do ‘descobrimento/invasão portuguesa’. Podemos falar de tribos, línguas e culturas indígenas. Podemos atrair o leitor e indicar que aquela literatura, mesmo sendo grande e rica, é uma leitura, acima de tudo, e pode ser compreendida porque é embasada por elementos que podemos reconhecer no nosso cotidiano. A literatura, especialmente aquela para crianças e jovens, precisa ser mais democrática e menos exclusiva, por isso o Canalzinho é um evento tão aberto. Mas fazer isso sem reconhecer os professores através de salários altos, ou, pelo menos justos, não será possível”.
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