Entrevistas

Entrevista: Leticia Sardenberg

O Vai Lendo conversou com a escritora Leticia Sardenberg sobre os prazeres e a importância de se utilizar a literatura para falar com crianças e jovens

Foto: Facebook da autora
Foto: Facebook da autora

A leveza, naturalidade e seriedade de quem sabe falar com as crianças e os jovens e principalmente ouvi-los. De quem se lembra dos dilemas, conflitos e receios da juventude e entende que é preciso ajudá-los a expor e a enfrentar os seus sentimentos mais conflituosos e inseguranças. Sem deixar, contudo, de fazer isso de maneira prazerosa e oferecer entretenimento. Afinal, a infância e a juventude são, sim, as melhores e mais inesquecíveis fases de nossas vidas. E é por isso que os livros da escritora carioca Leticia Sardenberg fazem tanto sucesso não apenas com esse público, mas também com pais e professores. Tanto que suas duas obras,  Minissaia, Batom & FutebolEu, meu Cachorro e meus Pais Separados, ambas lançadas pela editora Zit, foram adotados em programas de governo – além de inúmeras escolas da rede particular – e chamam bastante a atenção nas salas de aula.

Ao contrário de alguns adultos que preferem “não se meter” nessa jornada de dúvidas e questionamentos de crianças e adolescentes (apesar de já terem passado pelas mesmas experiências), Leticia faz questão de explorar todos os assuntos mais delicados levantados por seus pequenos leitores. Em Minissaia, Batom & Futebol, por exemplo, ela aborda a questão do preconceito em relação à presença das mulheres no futebol, uma vez que a protagonista é apaixonada pelo esporte e sonha em ser jogadora, apesar de sofrer forte resistência por parte de seu próprio pai. E a inspiração, a autora contou ao Vai Lendo, veio de dentro de casa.

“A ideia do meu primeiro livro surgiu quando minha filha, pequena ainda, começou a pedir que eu a matriculasse na escolinha de futebol que o irmão frequentava — eu a levava por não ter com quem deixar e, de tanto assistir aos treinos dele, acabou se interessando pelo esporte”, explicou ela. “Mas o clique, o que mexeu comigo a ponto de querer criar uma história, foi o espanto dela ao constatar que não havia nem sequer uma menina na turma do irmão. Mas, na cabecinha dela, tudo foi resolvido: ela seria a primeira aluna. Foi, então, que descobriu o futebol feminino! Questionadora que só, ela foi cobrar do professor que, se era esta a questão, abrisse logo uma turma só de meninas”.

Foto: divulgação
Foto: divulgação

Ainda que abordar temas pouco trabalhados pela sociedade possa ser um desafio, a escritora ressaltou que é imprescindível utilizar a literatura para falar sobre questões que “geram desconforto ou repulsa”, justamente para se estimular os debates constantes para que esses assuntos consigam ser compreendidos. E, por isso mesmo, ela destacou também, o prazer e a vontade de escrever para crianças e jovens por “terem a mente mais aberta do que os adultos para o contato com novas ideias e pensamentos”.

“Apesar de o futebol feminino ainda ser alvo de preconceito, fruto de uma visão machista que ainda impera em nosso país, não tive receio de criar uma história que tocasse nesta ‘ferida'”, destacou. “O preconceito é uma construção, e como tal, pode ser desconstruído — a literatura tem esse poder de lançar luz e dar sentido às coisas. No meu modo de ver, nenhum assunto deve ser evitado na literatura, tanto é que quem lê meus livros depara-se com a naturalidade com que falo sobre o afloramento da sexualidade na adolescência, a separação dos pais e o preconceito de gênero, só para citar alguns exemplos. O papel da literatura não é poupar ninguém de coisa alguma, mas, sim, instigar, causar espanto, provocar reflexão, aflorar emoções, levar ao riso ou às lágrimas. Quando escrevo, a minha preocupação não é com a delicadeza ou a polêmica que um determinado tema possa revelar; preocupo-me com a linguagem e com a maneira como irei tratar o assunto, sem jamais subestimar a inteligência do meu leitor. Em Eu, meu cachorro e meus pais separados, por exemplo, utilizei a narrativa em primeira pessoa, a fim de criar empatia imediata: a jovem personagem narradora conversa com o leitor ao pé do ouvido, criando um clima confessional e de cumplicidade para falar de assuntos do interesse do universo adolescente. Já em Minissaia, batom e futebol, um narrador-observador apresenta ao público infantojuvenil o drama íntimo da personagem principal de maneira sensível, lúdica e convergente para a reflexão: afinal, uma menina pode ou não jogar futebol?”.

Foto: Facebook da autora
Foto: Facebook da autora

E, se são nítidos a preocupação e o carinho de Leticia com seus livros e pequenos e jovens leitores, a recíproca é mais do que verdadeira. Ainda mais quando é possível perceber através das páginas o cuidado da escritora e o entendimento da importância de sua escrita para as pessoas que irão não apenas ler, mas trabalhar as suas obras.

“Tenho recebido mensagens carinhosas de professores que se dizem encantados com meu livro, e, sobretudo, de alunos, que me agradecem por eu ter escrito, segundo eles, uma história prazerosa, e ainda me pedem para eu continuar a escrever”, declarou. “Esse retorno do público, seja nas minhas visitas a escolas, seja na rede social, me enche de alegria. É muito gratificante saber pelos próprios leitores que minha história os tocou. Em última análise, é o que faz o trabalho árduo e solitário de um escritor valer a pena. Eu, meu cachorro e meus pais separados também foi adotado pelo governo e foram 115 mil exemplares vendidos para a SME-RJ (Secretaria Municipal de Educação), o que faz dele um best-seller! Sinto-me muitíssimo feliz e honrada em saber que milhares de jovens terão a chance de se encantar com minha Ariane, uma personagem ‘de carne e osso’, que conversa com o leitor de jovem para jovem, sobre angústias, dúvidas, transformações e descobertas que fazem parte da tão turbulenta adolescência. É uma realização saber que estou contribuindo de alguma forma para a formação de leitores”.

Leticia, por outro lado, apontou as dificuldades enfrentadas tanto por autores quanto por editores, uma vez que, em sua opinião, “a leitura não tem uma importância fundamental em um país como o nosso, que, ainda por cima, enfrenta uma crise política que é a ponta de um iceberg de desigualdades sociais e econômicas seculares”. Mas ela também disse acreditar que essas dificuldades serão contornadas e que os profissionais saberão usar a criatividade para se reinventarem. Para isso, ela defendeu a instalação de bibliotecas em todas as escolas, como a melhor forma de se ter acesso aos livros.

“A biblioteca é o mais democrático lugar de acesso aos livros e também o que melhor propicia o desenvolvimento do gosto pela leitura das crianças e dos jovens”, afirmou. “Prefiro usar a palavra gosto a hábito, pois a associo a coisas que fazemos por prazer; já hábito não quer dizer, necessariamente, divertimento. Antes de tudo, é preciso que se cumpra a lei que obriga todas as escolas a ter uma biblioteca (o prazo termina em 2020). Um acervo de qualidade, livros ao alcance dos olhos e das mãos é o que toda escola deve oferecer a seus alunos não apenas porque há uma imposição legal, ou porque ler é um direito, mas também, e, sobretudo, porque o contato com os livros é comprovadamente um importante gatilho do gosto pela leitura, consequentemente, decisivo na formação de leitores”.

Jornalista de coração. Leitora por vocação. Completamente apaixonada pelo universo dos livros, adoraria ser amiga da Jane Austen, desvendar símbolos com Robert Langdon, estudar em Hogwarts (e ser da Grifinória, é claro), ouvir histórias contadas pelo próprio Sidney Sheldon, conhecer Avalon e Camelot e experimentar a magia ao lado de Marion Zimmer Bradley, mas conheceu Mauricio de Sousa e Pedro Bandeira e não poderia ser mais realizada "literariamente". Ainda terá uma biblioteca em casa, tipo aquela de "A Bela e a Fera".

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