Resenhas

O Amor nos Tempos do Ouro, de Marina Carvalho|Resenha

‘O Amor nos Tempos do Ouro’: uma incrível, apaixonante e surpreendente viagem ao nosso passado, com um romance leve, delicado e bastante sensível

Capa de 'O Amor nos Tempos do Ouro', de Marina Carvalho/Foto: divulgação
Capa de ‘O Amor nos Tempos do Ouro’, de Marina Carvalho/Foto: divulgação

O Brasil no século XVIII, uma mocinha destemida e cativante, com personalidade forte e ideias à frente do seu tempo. Um explorador rude, porém, verdadeiro aos seus ideiais e apaixonado. Uma trama épica e encantadora. São vários os adjetivos a serem utilizados para descrever O Amor nos Tempos do Ouro, o primeiro romance histórico da escritora nacional Marina Carvalho, lançado pelo Globo Alt, o selo jovem da editora Globo Livros. A autora soube mesclar perfeitamente a riqueza da nossa cultura e de um passado ainda pouco explorado, contudo, extremamente valioso e cheio de detalhes, nos arrebatando com uma história delicada e sensível que aquece o nosso coração a cada passagem de páginas.

Cécile é filha de uma portuguesa com um aristocrata francês. Ricos e com uma forma de pensar considerada liberal para a época, os dois criaram a jovem e seus dois irmãos mais novos com muito amor e principalmente com valores bem centrados, mas que chegavam a causar espanto, devido à liberdade com a qual os três sempre puderam vivenciar. A vida não poderia ser melhor e mais harmoniosa para a família, até que um acidente deixa Cécile sozinha no mundo e completamente desamparada. Prestes a completar 20 anos, ela se vê obrigada a sair do seu país e da sua casa para ir ao encontro de seu único parente vivo, seu tio Euzébio, um homem ganancioso que lhe prometeu em casamento a um asqueroso latifundiário de Minas Gerais. Sem qualquer perspectiva de futuro, ela vê seu destino mudar no meio do caminho, ao encontrar o explorador Fernão, contratado por seu futuro marido para acompanhá-la na viagem. Na nova terra, Cécile vai descobrir os novos encantos, cultura e perigos, além de ter que lidar com os seus próprios sentimentos.

Eu nunca havia tido o prazer de ler uma obra da Marina. Até agora. E tenho certeza de que comecei com o pé direito. A escrita da autora é das mais delicadas que eu já vi, passando muito também da sua própria essência (tive a oportunidade de conhecê-la pessoalmente e comprovar). E isso é muito perceptível, o que torna a leitura ainda mais especial. Marina ainda teve o cuidado e a preocupação de escrever uma nota, logo no início, para justificar a sua licença poética na linguagem (ela utilizou uma linguagem mais parecida com aquela época, porém, sem se aprofundar exatamente na língua original que era falada), nas pesquisas dos fatos históricos e, até mesmo, nos termos empregados por alguns personagens ao se dirigirem aos escravos. Eu, como leitora, me senti extremamente grata e sortuda por estar lendo algo pensado com tanto carinho e atenção por parte da escritora. Marina, não se preocupe, o livro não poderia ter saído melhor! Os detalhes da época, a nossa cultura ainda pouco conhecida por boa parte de todos nós, tudo isso empregado de maneira tão leve, que é impossível largar a obra.

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A história, contudo, não teria metade dessa leveza, dessa delicadeza, se não fossem os personagens brilhantemente construídos por Marina. É impressionante como ela consegue retratar em cada um deles as mais variadas facetas não apenas do nosso povo, mas do ser humano, em geral. Lembrando que a trama se passa em pleno século XVIII, uma época em que o machismo reinava absoluto e as mulheres eram subjugadas à vontade de seus maridos, parentes, patrões (no caso das escravas) e de todos aqueles que se achavam superiores apenas por uma questão absurda de gênero e de posição. Mas nem todas. E é aí que, para mim, está o grande trunfo de O Amor nos Tempos do Ouro: Cécile.

Nossa, eu poderia escrever uma resenha só sobre ela! Ouso dizer que Cécile, se não for a melhor, é uma das melhores mocinhas que já me foram apresentadas. Apesar da aparência frágil e delicada, ela poderia muito bem ser apenas mais uma jovem nobre agraciada pela vida e pela sorte de nascer em uma família que lhe garante uma boa posição na sociedade. Pelo contrário. Cécile tem plena noção de como o destino lhe foi generoso, porém, quando perde todas as pessoas que ama e enfrenta o pior pesadelo de qualquer mulher que se vê obrigada a casar com alguém que não ama, muito menos conhece, ela mostra toda a sua força, coragem e determinação. Não que ela encare tudo isso de maneira positiva, inicialmente. E quem pode culpá-la? É crueldade demais, arbitrário ao extremo e muito, muito triste. Mas é ao longo da trama que sua personalidade cresce e somos completamente arrebatados por sua humanidade, sinceridade e humildade. Cécile é muito humana e idealista (dentro das suas possibilidades). É emocionante vê-la se desenvolvendo, ainda que devido a circunstâncias nada razoáveis. Cécile é amável e encanta a todos, não apenas os personagens, mas os leitores, por não diferenciar as pessoas por sua cor, raça ou posição social. Marina, você me ganhou completamente com a Cécile! Virei fã das duas!

O Amor nos tempos do Ouro

Quanto aos outros personagens, só de me lembrar de Euzébio e Euclides, o estômago já embrulha. Esse livro me gerou um misto de sentimentos e emoções alucinante. Se, por um lado, o destemido, charmoso e totalmente apaixonante Fernão me fazia suspirar (literalmente e dentro de um ônibus, o que é pior e mais vergonhoso porque não foi um suspiro contido), essa outra dupla me fazia lembrar o quanto aquela época era terrível e sofrida para muitas pessoas, em virtude de gente, como esses dois, que despreza as diferenças e julga todos que não se enquadram em seus “padrões”. O pior é que, lendo tudo isso e acompanhando a história, percebemos que poucas coisas mudaram… Não consigo conceber a escravidão. É algo que me dói profundamente só de pensar. E Marina nos presenteou com personagens tão incríveis que, para mim, foi muito difícil acompanhar a sua luta e todo o sofrimento ao qual eles eram submetidos. Porém, mesmo com tudo isso, Akin, Hasan, Malikah e muitos outros escravos de Euclides ainda conseguiam encontrar motivos para sorrir e nos mostrar toda a sua valentia e sua vontade de viver. Estou encantada por todos eles (e, Marina, meu coração não aguenta tudo isso, viu? Eu me apego muito fácil!). A vontade era entrar naquela história e me juntar a Fernão e Cécile e ser amiga de todos e ajudá-los a fugir e a viver com a dignidade que mereciam. E, para aliviar toda a tensão, ainda temos um romance de tirar o fôlego, mas sutil e terno. Daqueles que fazem a gente sonhar acordada. Tudo isso em terceira pessoa, salvo quando a narrativa é alternada entre os relatos da história, o diário de Cécile e as cartas de Fernão. Essa mistura gerou um equilíbrio perfeito e deu fluidez à leitura. É muito interessante também ter o ponto de vista do casal, em alguns momentos.

O Amor nos Tempos do Ouro é mais do que outro romance histórico. Ele é um romance histórico nosso. É a nossa cultura. É por nossas terras que Cécile, Fernão e muitos outros se aventuram e para onde nos transportam. E, além de tudo, é um livro lindo esteticamente. A capa, escolhida pelos leitores, é simplesmente maravilhosa, assim como todo o trabalho gráfico e promocional do Globo Alt (estou apaixonada pelo marcador!). Marina conseguiu criar uma trama bastante sensível, porém, extremamente verdadeira, sem cair em clichês. Muito pelo contrário. É surpreendente, ousada e também hipnotizante. Cheia de detalhes e nuances. Uma verdadeira viagem no tempo e na nossa história. Nos causa tristeza pela constatação e pela representação de certos fatos que gostaríamos de esquecer, e até omitir do nosso passado, mas principalmente nos mostra também como as pessoas podem ser generosas e se redimir e que o amor é o “bem” mais precioso de qualquer ser humano.

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O Amor em tempos do Ouro Ficha Técnica Livros

 

Jornalista de coração. Leitora por vocação. Completamente apaixonada pelo universo dos livros, adoraria ser amiga da Jane Austen, desvendar símbolos com Robert Langdon, estudar em Hogwarts (e ser da Grifinória, é claro), ouvir histórias contadas pelo próprio Sidney Sheldon, conhecer Avalon e Camelot e experimentar a magia ao lado de Marion Zimmer Bradley, mas conheceu Mauricio de Sousa e Pedro Bandeira e não poderia ser mais realizada "literariamente". Ainda terá uma biblioteca em casa, tipo aquela de "A Bela e a Fera".

Um comentário

  • Dieison Engroff

    Juliana, também fico de coração apertado só de pensar em como a escravidão deve ter sido um dos momentos difíceis da nossa história. Assim como a você, me dói muito só de pensar nisso.

    Parabéns pela sua resenha, você sempre arrebenta. Abraço, Dieison.

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