A escritora britânica Helen Macdonald veio ao Rio para lançar seu livro pela Intrínseca e conversou rapidamente com o Vai Lendo sobre a sua paixão por aves de rapina e como elas a ajudam a entender a sua própria natureza e seus sentimentos
Uma perda irreparável. A dor imensurável. Uma amizade incomum capaz de salvar uma vida e trazer novas perspectivas de futuro. Uma lição de superação, lealdade, aprendizado e amor. É no bater das asas de um falcão e no convívio com a ave que a escritora, poeta, historiadora e ilustradora Helen Macdonald encontrou a luz e a esperança, após o momento sombrio e desamparado que se seguiu à morte de seu pai. A experiência virou um livro, onde ela conta, com extremas sinceridade, delicadeza e saudade, sobre esse difícil período da vida e como Mabel, sua nova ave de rapina, na época, lhe ajudou a se redescobrir. O Vai Lendo marcou presença no lançamento de F de Falcão, publicado pela editora Intrínseca, que aconteceu na última segunda-feira (4), na Travessa de Botafogo, Zona Sul do Rio, e conversou rapidamente com a autora sobre a sua paixão pelos falcões e sobre o processo de luto relacionado ao desenvolvimento da sua obra autobiográfica.
Helen – que se mostrou absolutamente encantada pelo Brasil e pelos leitores brasileiros – admitiu que as passagens sobre a morte do pai foram as mais difíceis de serem escritas, mas ela sentiu que não deveria se omitir, muito menos suas emoções. Isso, poque, segundo a escritora, o livro não seria “verdadeiro” e também não a teria ajudado a enfrentar a situação. Tanto que, ela contou, muitos leitores entraram em contato dizendo que se sentiram ajudados.
“Surpreendentemente, eu senti que, enquanto escrevia o livro, eu tentava ser mais ‘inglesa’ (risos), menos emotiva”, ela afirmou exclusivamente ao Vai Lendo. “Mas não funcionou. Eu não conseguia escrever e descobri que os leitores percebem quando você não está contando tudo. E eu precisava contar tudo e colocar no papel. Eu não me arrependo disso porque muitas pessoas que eu conhecia que leram esse livro e passavam por um momento parecido, que também estavam de luto, disseram que o livro as ajudou muito e eu fico muito agradecida e honrada por isso. É interessante porque eu não imaginava que fosse funcionar e me ajudar. Quando eu terminei o livro, foi uma enorme sensação de tontura e achei muito estranho. Mas sinto que foi um adeus apropriado não apenas para o meu pai, mas para a pessoa que eu fui naquela época. Foi muito útil”.
Em F de Falcão, Helen narra sua trajetória após a morte do pai, quando, tomada pela depressão, ela se privou de qualquer tipo de contato com outras pessoas e se isolou num mundo escuro e cheio de dor. Até o momento em que decidiu viajar para a Escócia e reacender a chama de sua grande paixão: os falcões. Ao praticar falcoaria com Mabel, Helen começou a entender os seus sentimentos e a redescobrir a sua própria natureza.
“O falcão representa tudo para mim”, declarou ela. “Não há nada na minha vida além deles. O falcão foi uma maneira de escapar e de literalmente voar do fato de que meu pai havia morrido e foi uma fuga de mim mesma. Eu estava quebrada, não queria me sentir humana novamente. Foi uma fuga para a natureza, para o selvagem que serve também para fugir um pouco da sociedade e encontrar o seu caminho e se curar. Há ainda o fato de o falcão caçar e isso é um conflito/embate diário com a morte, o que também é muito importante. Esse não é um daqueles livros que você chega e diz ‘eu estava triste e comprei um falcão e fiquei feliz novamente’. A questão é muito mais complicada e profunda”.
Durante o bate papo que rolou no lançamento, Helen disse não se lembrar do momento exato em que a sua “obsessão” pelas aves de rapina começou. No entanto, para ela, a relação com os falcões sempre esteve diretamente ligada às perdas e conviver tão próxima a eles a ajudou a olhar para o mundo e principalmente para si mesma de maneira diferente.
“Quando eu perdi meu pai, eu sabia que não conseguiria lidar com aquele luto todo, mas saberia domar aquele animal, e isso ajudou no processo”, explicou Helen no lançamento. “Toda vez que Mabel voltava de suas caçadas, eu sentia que ela estava ancorada ali. Depois do treinamento, eu aumentava as distâncias e deixava que ela voasse para mais longe. Para testar a minha ligação com ela. É difícil você entrar na cabeça de uma ave. Eu tentei muito naquele ano. Eu queria trazer a natureza para o nosso mundo. Ao contrário do homem indo para natureza, o que acontece em boa parte da literatura. Escrever sobre a minha própria fuga para a natureza não foi para falar da relação de humanos com animais, mas sim em como a gente lida com uma perda, com o sofrimento”.
Foram cinco anos para que a sua história fosse concluída. Helen ressaltou que precisava “esperar virar um personagem dentro o próprio livro” e que precisou de um certo tempo para aceitar este novo papel. Há três anos também, a escritora encarou uma nova perda: a de sua Mabel. Mas, dessa vez, ela garantiu que, apesar da saudade, entendeu que há um significado para a vida e que está em paz com o fato de a ave não estar mais aqui. E, claro, pretende pegar outro açor em breve.
“A gente usa os animais como nossos substitutos, como gostaríamos de ser”, apontou. “Com a Mabel eu queria ser algo selvagem, assustador e livre. Mas, no fim, descobri o principal. Que éramos diferentes, mas conseguíamos conviver, acima dessas diferenças. A ideia do livro é justamente mostrar que podemos aprender a amar aquilo que é diferente da gente. No fim, percebi que a história era muito mais do que a minha relação com a ave. “Uma das coisas que mais me deixa maravilhada é que esse é um livro que, para minha grande surpresa e honra, parece agradar pessoas de todos os lugares”, ela acrescentou ao Vai Lendo. “Todo mundo passa por momentos sombrios após perder alguém que ama. Todo mundo quer fugir, mas, às vezes, não pode. Uma mulher uma vez me disse que esse é um livro para quem já quis fugir da sua própria vida, porque é muito difícil”.
Jornalista de coração. Leitora por vocação. Completamente apaixonada pelo universo dos livros, adoraria ser amiga da Jane Austen, desvendar símbolos com Robert Langdon, estudar em Hogwarts (e ser da Grifinória, é claro), ouvir histórias contadas pelo próprio Sidney Sheldon, conhecer Avalon e Camelot e experimentar a magia ao lado de Marion Zimmer Bradley, mas conheceu Mauricio de Sousa e Pedro Bandeira e não poderia ser mais realizada "literariamente". Ainda terá uma biblioteca em casa, tipo aquela de "A Bela e a Fera".
2 Comentários
Brenda
Muito legal, adorei! =)
Juliana d'Arêde
Ebaa, que bom que gostou!! 🙂
Muito obrigada pela força, Brenda! <3