Pensei Que Fosse Verdade, de Huntley Fitzpatrick | Resenha
‘Pensei Que Fosse Verdade’: uma sensível jornada de autoconhecimento
Às vezes, é mais fácil fugir do passado do que encarar o presente. Se já é difícil nos aceitarmos plenamente e aprendermos a lidar com nossos defeitos e inseguranças, imagina quando se é adolescente! Ô época complicada e cheia de questionamentos. Mas é também a fase de descobertas e de reflexões. É quando a busca pelo nosso lugar no mundo dita os nossos passos, nem sempre, contudo, conduzindo ao caminho que imaginamos. O que não quer dizer que seja o percurso errado. E Huntley Fitzpatrick parece dominar a arte de entrar na mente dos jovens e faz uma representação extremamente verdadeira e natural desse momento de dúvidas e medo em Pensei Que Fosse Verdade, livro publicado pela editora Valentina, tema do projeto “Vamos Ler Juntos?” divulgado nas redes sociais.
Na trama, Gwen Castle é uma jovem de 17 anos, nascida e criada na pequena ilha de Seashell, filha de uma faxineira e do dono de uma lanchonete. Apavorada com a perspectiva de seguir os passos dos pais, Gwen não vê a hora de ir para a faculdade e finalmente ter alguma chance na vida e de sair da ilha. Mas tudo muda quando, no verão, ela precisa lidar com a presença constante de Cassidy Somers, um garoto rico da cidade grande que aceita um emprego de faz-tudo na região onde seus pais têm uma casa de veraneio. Agora, Gwen se vê obrigada a lidar com o seu passado e a encarar a verdade não apenas sobre ela mesma, mas também sobre as pessoas que ela ama e achava que conhecia.
Mais do que um “romance adolescente”, Pensei Que Fosse Verdade é uma história de autoconhecimento e redescobrimento. O livro, aliás, foi o meu primeiro contato com a escrita de Huntley, autora do bem-sucedido Minha Vida Mora ao Lado, que eu ainda não tive o prazer de ler. Confesso que a minha primeira impressão em relação ao seu trabalho foi a melhor possível. Há muito tempo não leio um livro com tamanha veracidade na linguagem utilizada para representar uma geração. Huntley é tão clara em suas percepções e tão cuidadosa com a sua narrativa, que nos dá a impressão de viajarmos no tempo, até a nossa adolescência, e de estarmos conversando com nossos amigos.
E muito disso também se deve à incrível construção dos personagens da trama. Num dos posts do projeto “Vamos Ler Juntos?”, a Valentina nos perguntou qual foi a nossa personagem preferida. Eu respondi quatro: Cass, vovô Ben, Emory e Sra. E. E, sim, Gwen não entrou nessa lista. Mas isso não quer dizer que eu não gosto dela, pelo contrário. Como protagonista cujo ponto de vista é o que acompanhamos na história narrada em primeira pessoa, ela consegue levar bem a sua própria trama e a das pessoas à sua volta. Como toda adolescente, Gwen não é perfeita. Longe disso. É totalmente humana, com seus momentos de altos e baixos (principalmente nos momentos em que me deu a impressão de estar com pena de si mesma). Tentei entendê-la, principalmente dentro da sua realidade. Mesmo com todas as dificuldades e querendo fugir dali, Gwen é apaixonada pela família, principalmente por seu irmão caçula deficiente. No entanto, tem tanto medo de estar fadada ao mesmo destino da mãe e ficar “presa” à responsabilidade de cuidar do irmão, que, às vezes, achei a personagem um pouco contraditória. Gwen sempre ficou na defensiva. Talvez, por sua situação e pelo choque de realidade com as demais famílias mais ricas da região. Contudo, em alguns momentos, tive a impressão de que ela agia exatamente da mesma forma que reprimia os veranistas. Posso estar enganada, mas vi também da parte de Gwen uma certa resistência e desconfiança exacerbadas em relação a algumas pessoas apenas por sua condição financeira ser melhor do que a dela. Sei que esse tipo de atitude é, da parte dela, para a sua própria proteção, justamente por já ter se desiludido e vivenciado certas coisas ao lado da mãe, mas alguns comentários delas mais sarcásticos e ácidos sobre isso me incomodaram um pouco.
Por outro lado, temos Cass, vovô Ben, Sra. E e Emory. Não defenderei completamente Cass. Ele tem, sim, a sua parcela de culpa na história mal resolvida com Gwen e em algumas atitudes, mas teve a consciência e humildade de correr atrás do que queria e se desculpar. Além de se mostrar extremamente atencioso, sensível e apaixonado (quer dizer, gente, não dá pra resistir a essa combinação!). Já vovô Ben, um português dos mais divertidos, e a Sra. E foram responsáveis por algumas das maiores lições que Gwen poderia aprender na vida. Principalmente sobre o próximo. Além de terem sacadas simplesmente fantásticas (só de lembrar das leituras em voz alta tenho vontade de rir). E Emory, ah, Emory. Que sensibilidade de Huntley em nos presentear com um personagem tão carismático e tão cheio de significado. Emory é superação, determinação, respeito, lealdade e muito amor. É com ele que Gwen cresce junto e nos cativa com a sua preocupação e amor incondicional pelo irmão.
Pensei Que Fosse Verdade não se omite. Ele aborda o preconceito, a desigualdade social, as dificuldades financeiras, a família e a amizade. Nos mostra que nem sempre conseguimos controlar as nossas próprias vidas e, muito menos, que somos os donos da verdade. É um livro que mostra que crescer não é fácil e que para amadurecer temos que passar por cima das nossas próprias resistências e temores. Que precisamos aprender a confiar mais nas pessoas e principalmente em nós mesmos. Que devemos, sim, buscar o nosso próprio caminho e lutar para realizarmos os nossos sonhos.
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