E Se For Você?, de Rebecca Donovan | Resenha
‘E Se For Você?’: uma história surpreendente e reflexiva de amor e de autoconhecimento
E se você pudesse recomeçar? Ter uma segunda chance de reformular a própria vida e melhorar tudo aquilo que não lhe agrada? Isso seria o bastante? Você seria feliz? Às vezes, uma transformação pode representar um novo começo, mas o passado não pode ser apagado. Ele dói e é capaz de nos assombrar para sempre. A não ser que tenhamos coragem de enfrentar os nossos próprios medos, incertezas, receios e insegurança para, enfim, termos uma nova chance. Acreditar em nós mesmos, talvez, seja um dos nossos maiores desafios. É nesse turbilhão de emoções, em meio a uma jornada de autoconhecimento, que somos arrebatados por E Se For Você?, obra de Rebecca Donovan, publicada pelo selo Globo Alt, da Globo Livros.
Na trama, Cal e Nicole formavam um grupo de melhores amigos de infância com Rae e Richelle. Mas tudo mudou no ensino médio, quando Nicole se uniu aos garotos mais populares da escola e passou a ignorá-los. Depois de formados, Cal foi estudar perto de Nova York e Nicole entrou em Harvard, realizando o sonho de seu pai. Durante as férias de verão em que Cal volta à sua cidade natal, ele é surpreendido pelo fato de ninguém nunca mais ter visto ou ouvido falar de Nicole, há mais de um ano. Ao retornar para a universidade, ele cruza com uma garota idêntica a Nicole, porém, com outro nome: Nyelle Preston. Além de outra personalidade, afinal, Nyelle é tudo o que Nicole nunca foi: extrovertida, ousada e impulsiva. Cal se encanta com Nyelle e busca nela alguma pista de sua antiga nela. E, enquanto ele tenta desvendar esse mistério, vive momentos inesquecíveis que o fazem repensar a sua vida e a descobrir o verdadeiro amor.
Rebecca Donovan me surpreendeu. De verdade. Inicialmente, confesso que o livro demorou um pouco a me prender, talvez, porque eu mesma estivesse tão perdida quanto Cal naquela situação tão incomum e improvável. Em certos momentos, inclusive, cheguei a me incomodar com as loucuras e a inconstância de Nyelle e com o próprio Cal, que simplesmente não conseguia enxergar mais nada à sua frente quando ficava hipnotizada pelos olhos azuis. Mas chegou um ponto em que fui catapultada para a história. Mergulhei profundamente nas páginas e me envolvi de coração com aqueles jovens tão intensos e tão… reais. Rebecca desenvolveu tão bem seus personagens e seus conflitos que passamos viver a angústia de Cal em meio a tantas descobertas e segredos.
Aliás, Cal é, no mínimo, interessante. Li uma entrevista da autora no site do Globo Alt em que ela fala justamente da dificuldade na criação do protagonista. Inicialmente, nem ela havia gostado do personagem. Depois, contudo, ele se tornou um de seus preferidos. Consigo entender o dilema. Também passei por ele durante a leitura. Não por não ter gostado de Cal. Pelo contrário. Mas é através do ponto de vista dele que vemos a história. São os seus conflitos internos que acompanhamos. Então, às vezes, dá aquela vontade de dar uma sacudida nele porque estamos vendo tudo de fora e as coisas parecem tão simples. Mas não são. E é isso que mexe e muito com a gente. Pelo menos, mexeu comigo.
Vou evitar maiores comentários sobre a história para não dar spoiler. Porque esse é um livro que precisa ser decifrado juntamente com Nyelle. É tão surpreendente como Rebecca consegue prender a gente em meio ao que parece ser uma loucura generalizada de uma só personagem. Eu consigo entender agora o poder que ela exerce sobre Cal (apesar de achar que, às vezes, o desespero dele para não perder tudo o que ele sempre sonhou corrompia a própria razão e o tornava, até mesmo, egoísta. Mas quem somos nós para julgá-lo). Nyelle representa o novo, o desconhecido e o empolgante. Tudo aquilo que nós mesmos intimamente gostaríamos de ter. Mas a que preço?
E Se For Você? não é um romance jovem sobre encontros, desencontros e reencontros. Ele vai além. É sobre perdas, superação, medo, coragem, amizade, recomeços e amor. Amor de amigo, de amante, de família. Um amor tão puro, tão verdadeiro e, ao mesmo tempo, tão intenso que pode superar até os piores traumas do passado e apresentar uma perspectiva de futuro. A narrativa de Rebecca é tão envolvente que nos traz os questionamentos mais sinceros e incômodos. E foi simplesmente genial mesclar o presente através dos olhos de Cal com o passado sob o ponto de vista de outras duas personagens. Aliás, essas alternâncias temporais são fundamentais e ditam um ritmo delicioso à leitura, pois, assim como Cal, acabamos desesperados para desvendar o passado e entender o presente.
E nada te prepara para as conclusões. Quando você começa a juntar as peças desse quebra-cabeça, Rebecca lhe dá um soco no estômago. A autora não se omite. Com muita sensibilidade e propriedade, descarrega toda a carga para cima dos personagens e de seus leitores. E as emoções afloram. Raiva, mágoa, tristeza, compreensão, compaixão, perdão, amor… Temos uma experiência literária completa. Desde os instintos mais sombrios que os pais de Nicole nos despertam (gente, eu chegava a ter que parar de ler um pouco a página para respirar de tão indignada) até os mais nobres e acalentadores quando somos agraciados com as presenças de Rae (desinibida, sincera e maravilhosa) e da mãe de Cal (falou pouco, mas falou bonito!).
Mais do que uma simples leitura, E Se For Você? nos faz pensar. Nos obriga a parar para fazermos uma autoavaliação. Por que nos preocupamos tanto com o que os outros pensam? Não basta estarmos satisfeitos com nós mesmos? Precisamos, de fato, nos preocupar tanto em agradar os outros? Isso traz qualquer tipo de satisfação? Não podemos simplesmente celebrar as nossas qualidades e trabalhar para melhorar os nossos defeitos por vontade própria? O amor verdadeiro é aquele que, acima de tudo, começa em nós. Obrigada, Rebecca!
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