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Os Diários de Sylvia Plath | Resenha

Os Diários de Sylvia Plath: a busca de uma artista por si mesma

A história de Sylvia Plath é conhecida: em fevereiro de 1963, a poeta, romancista e contista norte-americana de apenas 30 anos comete suicídio ao colocar sua cabeça dentro do forno com o gás ligado. Ela deixa dois filhos, alguns livros de poesia e seu único romance,  A Redoma de Vidro 

Foto: Vai Lendo/Carol Santoian

Mas quantas histórias cabem dentro desse emaranhado de atos trágicos, como é constantemente definida a vida de Plath? O suficiente para preencher as páginas de vários cadernos onde a autora documentava seus dias – histórias que agora podem ser conhecidas pelo público através da nova edição de Os Diários de Sylvia Plath, publicada pelo selo Biblioteca Azul, da Globo Livros 

Abrir esse livro é, no entanto, como abrir uma portinha que carrega uma grande placa dizendo “entrada restrita”. Entramos nos mais íntimo dos pensamentos de Sylvia, no lugar em que ela se sentia segura para escrever sem julgamentos e despejava suas frustrações por não conseguir se dedicar aos seus trabalhos literários. Pois esta é uma característica que salta aos olhos quando entramos no universo particular de Sylvia Plath: a perfeição. Extremamente crítica, ela raramente estava satisfeita com seus textos e, às vezes, passava meses remoendo um conto ou poesia que não conseguia escrever.  

Foto: Vai Lendo/Carol Santoian

Em uma das entradas de seu diário ela escreve: “Não posso ser feliz fazendo qualquer coisa, exceto escrever, & não consigo ser escritora: nem mesmo uma frase consigo formular: o medo me paralisa, a histeria mortal.” O diário se torna para ela esse lugar de “não-escrita” e, ao mesmo tempo, um espaço livre para praticar diálogos, sinopses de contos futuros ou apenas palavras-chave para o seu dia. É o lugar em que ela escreve quando não consegue escrever e que, ironicamente, agora faz parte dos textos que compõem sua obra. E isso me fez pensar, ao entrar nessa “área restrita”: como avaliar a qualidade desses escritos? Tão impossível quanto julgar a vida e os sentimentos de qualquer outra pessoa. E todas as vidas são importantes. Plath também sabia disso: “Amo as pessoas. Todas elas. Amo-as, creio, como um colecionador de selos ama sua coleção. Cada história, cada incidente, cada fragmento de conversa é matéria-prima para mim. Meu amor não é impessoal, nem tampouco inteiramente subjetivo.”   

Em outras palavras: para entender o universo fragmentado que Sylvia criou nesses diários é preciso julgar menos e sentir mais. Aguçar nossos sentidos. Sentir o peso dos desencontros amorosos que a autora passou nos início dos anos 50 como aluna do Smith College, o terror de ter tudo que qualquer outra garota de sua idade gostaria – uma bolsa de estudos, contos publicados na Seventeen, editora convidada da Mademoiselle após vencer um concurso – e, mesmo assim, não se sentir completa, com medo do futuro e das obrigações que uma mulher tinha aos olhos da sociedade (“Mas as mulheres também desejam. Por que devem ser relegadas à posição de zeladoras de emoções, babás de crianças, alimentando sempre a alma, o corpo e o orgulho do homem? Ter nascido mulher é uma tragédia horrorosa”); sua primeira tentativa de suicídio ao voltar para casa no verão de 1953; o casamento com o também poeta Ted Hughes – e a crescente recusa de seus contos enquanto via a prolífica produção literária de seu marido; a tentativa de conciliação entre a vida como professora e de escritora, com constantes queixas pelo tempo escasso para a escrita; as tentativas frustradas até finalmente conseguir ser mãe, algo inimaginável para a Sylvia que conhecemos nos anos 1950, mas imprescindível para a mesma Sylvia de 1960.  

 

Foto: Vai Lendo/Carol Santoian

Seus diários se encerram em 1962, um ano antes de a autora cometer o suicídio que marcaria a forma como seria conhecida. Os diários que Sylvia manteve depois, sendo um dele com registros de até três dias antes de seu suicídio, foram destruídos por Ted Hughes, aumentando ainda mais as teorias e curiosidades em torno de sua morte. Mas o que nos fica, após a leitura das páginas de cadernos que temos acesso, é o retrato de uma autora em constante busca por si mesma, pela melhor forma, pelas melhores palavras, com sede de conhecimento – várias páginas são recheadas de notas sobre livros que precisa ler e idiomas aos quais precisa se dedicar. Fica o cheiro da chuva – é curioso como a maioria das entradas são feitas em dias chuvosos – e a eterna espera pelo carteiro de camisa azul clara, que nos sonhos de Plath traria as cartas de aceite de todos os seus livros, contos, poesias e a paz de saber que ela era mesmo aquilo que achava ser: artista. 

 

 

 

Cresceu devorando os livros da Agatha Christie e esperando sua carta de Hogwarts. Sonha em tomar um café com a Patti Smith e dar um passeio no Maine com o Stephen King. É historiadora, roteirista, contista e contribui para o aumento da taxa demográfica de personagens.

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