Entrevistas

Vai Lendo entrevista: Fernando de Abreu Barreto

A (verdadeira) natureza humana é uma incógnita. Somos vulneráveis a estímulos e ao ambiente que nos cerca. Porém, a nossa essência, uma vez moldada, raramente sofre alterações drásticas. Será? E quando não nos sentimos parte de um todo, como se o nosso lugar no mundo não fosse exatamente esse? Isolados em nossos próprios conflitos internos, acabamos, por vezes, sucumbindo à solidão e adquirindo uma personalidade introspectiva, capaz de formar uma “sombra” acima de nossas cabeças e liberar os nossos instintos mais primitivos…Quase animalescos. O escritor carioca Fernando de Abreu Barreto apresenta em seu livro A Forma da Sombra, publicado pela Editora Caligo e com resenha feita pelo Vai Lendo, a complexidade da mente humana em seus momentos mais adversos e tortuosos, através de páginas recheadas de reflexão e questionamentos.

Fernando de Abreu Barreto, autor de 'A Forma da Sombra'/Bella Di Souza
Fernando de Abreu Barreto, autor de ‘A Forma da Sombra’/Bella Di Souza

Em seu quinto romance – porém, o primeiro a ser publicado por uma editora comercial -, Barreto nos leva às profundezas de um inconsciente sombrio e perturbado. Sem medo de ousar, o escritor conversou com o Vai Lendo sobre o processo de criação da trama, que considerou parte “do processo de amadurecimento não apenas como autor, mas como homem”.

“Aprofundar discussões é consequência disso (desse processo)”, explicou. “De todo modo, sou um leitor muito crítico, escolho muito bem os livros que leio, o que termina se refletindo no que escrevo. Junte-se a isso o fato de terminar inserido em um gênero literário específico. A minha visão de literatura, contudo, me força a buscar algo mais do que uma boa trama. Eu parto da ideia de que, por escrever dentro de um gênero específico preciso superar os limites desse gênero, porque romper paradigmas também é função da literatura. Sempre busco construir obras que tragam experiências mais profundas ao leitor, para além de sustos ou estratagemas complexos. Portanto, acredito que a maturidade foi importante para chegar ao ponto em que cheguei em A Forma da Sombra, mas esse era o objetivo desde o início”.

Ao criar um personagem tão ambíguo e controverso, Barreto acaba nos levando para uma realidade incômoda, trazendo à tona questionamentos que, por vezes, queremos deixar adormecidos. O que também causa uma certa confusão, a partir do momento em que passamos a demonstrar certa compreensão – e, até mesmo, compaixão – em relação a atitudes nem sempre bem vistas em uma sociedade. ‘Faz parte da construção do livro, criar empatia pela aversão”. Para o autor, esse tipo de comportamento pode ser explicado pela identificação que as pessoas têm pelo “sentimento de que somos completamente diferentes do mundo que nos cerca, algo cada vez mais comum e fácil de notar”.

“Podemos não confessar, mas temos nossas sombras, cada um à sua medida”, afirmou. “Quando nos deparamos com essas sombras, terminamos por nos reconhecer nelas. Às vezes, pode provocar uma reação de repulsa, mas, na maioria delas, provoca empatia. Eu apenas expus esses sentimentos de forma incomum, sem clamar pela aprovação do leitor, e terminei fisgando algumas pessoas”.

'A Forma da Sombra', de Fernando de Abreu Barreto/Divulgação
‘A Forma da Sombra’, de Fernando de Abreu Barreto/Divulgação

Fã do poeta Edgar Allan Poe, é possível perceber em A Forma da Sombra influências do escritor na obra de Barreto, justamente por retratar, sem pudores, o lado obscuro do homem. Aliás, o fato de se inspirar em outros autores não é um problema para o carioca. Pelo contrário, ele ressaltou que isso faz parte da sua própria identidade e que absorve tudo a que é submetido, desde à “formação religiosa, passando pela profissional e musical, até as referências literárias”.”Não há nada que eu tenha lido, assistido ou ouvido que não tenha me influenciado. Há influências que os leitores identificam de plano, há influências que apenas os escritores conhecem e há aquelas que nem mesmo eles conhecem. Tudo influencia o autor “.

Outro diferencial de A Forma da Sombra é a sua própria diagramação, na qual podemos observar uma ausência de parágrafos. A opção, segundo Barreto, foi proposital, justamente para provocar uma “sensação de desconforto” no próprio leitor, para que ele se identificasse com a situação da personagem e se sentisse como o protagonista da obra, que não sabe quem, ou o que é, obrigando-o (e também ao leitor) a buscar explicações. Para o autor, o livro “é uma obra que pode ser complementada por recursos visuais, desde que adequados”. Por isso mesmo, Barreto não se intimida, muito menos limita a sua narrativa ao “lugar comum” e confirma o seu estilo no gênero, sem se preocupar em agradar aos demais, mas, sim, se manter firme em suas convicções e à sua identidade literária.

“As minhas dificuldades são as comuns ao mercado, você precisa evoluir, construir uma identidade até que as pessoas prestem atenção”, ressaltou. “Portanto, não acredito que tenham relação com a minha literatura, pelo contrário, foi o meu estilo que possibilitou publicar o livro e começar a abrir caminho para uma carreira que, espero, siga em frente. Eu, como todo autor, almejo o sucesso literário (de certa forma, com o retorno que estou recebendo da obra, já me sinto bem sucedido), mas nunca busquei fórmulas, prefiro escrever o que sei escrever e, se isso me levar a algum lugar, serei feliz”.

 

 

 

Jornalista de coração. Leitora por vocação. Completamente apaixonada pelo universo dos livros, adoraria ser amiga da Jane Austen, desvendar símbolos com Robert Langdon, estudar em Hogwarts (e ser da Grifinória, é claro), ouvir histórias contadas pelo próprio Sidney Sheldon, conhecer Avalon e Camelot e experimentar a magia ao lado de Marion Zimmer Bradley, mas conheceu Mauricio de Sousa e Pedro Bandeira e não poderia ser mais realizada "literariamente". Ainda terá uma biblioteca em casa, tipo aquela de "A Bela e a Fera".

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