Cidade Banida, de Ricardo Ragazzo | Resenha
‘Cidade Banida’: o Brasil também sabe fazer distopia
Nos últimos anos importamos diversas obras distópicas. O gênero virou, inclusive, um dos queridinhos dos jovens, levando muitos livros às telas de cinemas. Mundos pós-apocalípticos. Evolução. Novas constituições sociais. Revolta. Luta. Confesso que gosto de tudo isso! Principalmente da criatividade dos autores para imaginar um mundo novo e não necessariamente melhor. No entanto, ainda não havia lido uma distopia brasileira, até que fui apresentado ao livro Cidade Banida, de Ricardo Ragazzo, publicado pela editora Planeta, na Bienal do Rio 2015, pelo próprio autor. Na verdade, não foi apenas o bom papo dele que me convenceu, mas a premissa:
Após inúmeras guerras que exterminaram 99% da população da Terra, boa parte dos seres humanos passou a viver dentro dos muros de Prima Capitale, sob as regras de um governo rígido que instituiu uma política de matar bebês com tendências a cometer crimes. Para isso, utilizavam-se dos cognitos, seres com poderes psíquicos capazes de prever o futuro.
Interessante, não?
Tudo bem que fazer esse tipo de previsão é algo difícil de acreditar, mas o tema em questão é mais atual (e real) do você pode imaginar. É sério! Tem até um deputado dizendo que no futuro será possível detectar tendências criminais nos bebês (veja a opinião do autor sobre isso em entrevista ao Vai Lendo). Por mais surreal que seja, não é algo tão impossível. E, apesar de ser uma trama distópica, ela é muito mas próxima da realidade e foi isso que mais despertou minha curiosidade.
Mas vamos à trama escrita por Ricardo Ragazzo…
Cidade Banida conta a história de Seppi Devone, um desses bebês vetados, que conseguiu fugir com a mãe para fora de Prima Capitale e foi criada, longe dali, como um menino (para evitar suspeitas). No entanto, quando completa 15 anos, seu segredo vem à tona e ela se vê obrigada a largar a sua rotina, digamos assim, bucólica, e se esconder de caçadores de recompensas. Na fuga, Seppi descobre que não está sozinha na luta e se torna a única esperança dos oprimidos para acabar com o governo tirano. É aí que se desenrola toda a trama.
Ragazzo retrata na obra um mundo tecnologicamente avançado com seres mutantes, habilidades específicas e poderes telecinéticos. Um universo complexo que mescla a evolução científica com fantasia. Uma ótima combinação. Apesar da “criação de uma nova realidade”, Cidade Banida consegue ser simples e objetivo. Ainda para facilitar ao leitor, é disponibilizado no começo do livro um glossário que ajuda na ambientação e dá maior fluidez à leitura.
A trama é basicamente narrada por Seppi Devone, isto é, em primeira pessoa. Como qualquer adolescente, em alguns momentos, ela cansa um pouco. Mas, aí, tentamos compreender os dilemas da idade, a condição de heroína e relevar (nem culpo tanto o autor, os personagens acabam sempre controlando rédeas). Durante dois momentos da narrativa, no prólogo e no epílogo, os trechos são escritos em terceira pessoa. O recurso é coerente, afinal, no começo do livro, Seppi é apenas um bebê recém-nascido e, no fim, há uma cena em que a protagonista não está presente.
Ainda sobre o epílogo, uma ressalva: um excelente gancho para o próximo livro. Pois é, quando iniciei a leitura de Cidade Banida, não sabia que se tratava de uma série, mas, ao que parece, vai ter continuação.
Eu realmente gostei de Cidade Banida. Apenas um detalhe me incomodou. Por conta de spoilers, não vou poder aprofundar muito nesta resenha, mas tem a ver com as convicções da protagonista. Notei um pouco de ambiguidade na construção da personagem. Às vezes, a forma como ela pensa, os ideais (lembrando que o livro é narrado em primeira pessoa e isso fica bem evidente), não condizem com as ações. Entendo as confusões da juventude, porém, tem algo que não ficou muito claro no texto.
Apesar deste único ponto, a obra de Ricardo Ragazzo é instigante do início ao fim e não deve nada às publicações internacionais do gênero. A leitura é muito ágil e envolvente. Foi difícil largar o livro! Espero ansiosamente pela continuação e acredito que, se você curte distopias, Cidade Banida é uma ótima pedida! E prova que a literatura nacional “compete” igualmente com a estrangeira.
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